Depois de pressão do movimento indígena, ministro revoga portarias sobre Saúde Indígena

Líderes indígenas comemoram revogação de portarias. Crédito: Victor Pires / ISA
Líderes indígenas comemoram revogação de portarias. Crédito: Victor Pires / ISA

 

Em reunião com o ministro da Saúde, Ricardo Barros, na tarde desta quarta-feira (26/10),  lideranças da APIB e do Fórum Nacional de Educação Indígena (FNEEI) conseguiram a revogação das Portarias 1.907 de 17 de outubro e 2.141 de 24 outubro, que pretendiam acabar com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a autonomia dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs.

 

A pressão foi tal, reforçada pelas mais de 30 ocupações país afora (de DSEIs, rodovias), que o ministro decidiu revogar ambas as portarias enquanto as lideranças estavam ainda no Ministério da Saúde (veja documentos abaixo).

 

O encaminhamento final foi a realização de uma reunião marcada para o dia 9 de novembro com a participação do Fórum de Presidentes de Conselhos (FCONDISI), lideranças de organizações indígenas e lideranças tradicionais, para avaliar a situação dos DSEIs e analisar o rumos da saúde indígena, visando melhorias, conforme as reivindicações do movimento indígena.

 

Seguem abaixo a carta da APIB entregue ao ministro e as portarias de revogação, que devem ser publicadas no DOU nesta quinta-feira, 27 de outubro. Mas até lá as mobilizações continuam.dscn4441

 

 

 

 

 

 

 

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apib menor de todas

APIB / CARTA 20/16

Brasília – DF, 26 de outubro de 2016.

Assunto: Retrocessos no Subsistema da Saúde Indígena

Ao Excelentíssimo

Senhor Ricardo Barros

Ministro de Estado da Saúde

Esplanada dos Ministérios

Brasília – DF

Prezado Senhor,

 A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) considerando as últimas portarias editadas por vossa excelência a respeito do Subsistema de Saúde Indígena atingindo de cheio a Secretaria Especial de Saúde Indígena e os Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena (DSEIs), vem por meio da presente manifestar:

Repudiamos a edição das Portarias 1.907 de 17 de outubro e 2.141 de 24 outubro, que no nosso entendimento significam grave retrocesso e tentativa de supressão das conquistas alcançadas pelos nossos povos com a criação do Subsistema de saúde indígena. Ambas as medidas revelam a vontade do Governo Temer de extinguir a Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI  e os Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígenas (DSEIs). Nos preocupa de sobremanera estas decisões que vêm se somar aos ataques oriundos de todos os âmbitos do Estado: no Executivo, por meio do corte orçamentário e de servidores, por tanto do desmonte dos órgãos e das políticas que atendem os povos indígenas, como agora acontece com a FUNAI e a SESAI; no Legislativo, por meio da recriação da Comissão Parlamentar de Inquérito da FUNAI e do INCRA e de outras iniciativas legislativas antiindígenas; e, no Judiciário, por meio da reinterpretação dos princípios basilares do direito originário indígena à terra embutida na tese do marco temporal, sem esquecer da crescente violência e criminalização que os invasores praticam contra os povos nos territórios indígenas.

 O desmonte da SESAI e a afronta à autonomia dos DSEIs, com a centralização orçamentária e de autorização de gastos no Ministério, só implicarão no deterioro total do já precário senão , caótico atendimento à saúde dos nossos povos.

Em razão disso, Senhor Ministro, exigimos veementemente da vossa excelência:

–  a revogação imediata das portarias 1.907 e 2.141;

– o fortalecimento da SESAI;

– a Autonomia efetiva dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas;

– a reafirmação dos convênios das prestadoras de serviços de forma justa e transparente;

– a não municipalização ou terceirização da saúde indígena;

– a formação das lideranças indígenas no controle social;

– os concursos públicos diferenciados;

– o respeito total ao atendimento específico e diferenciado à saúde indígena;

– e por fim, este governo não pode estar tomando decisões de quaisquer tipo sobre o destino da saúde indígena sem antes consultar as instâncias representativas dos nossos povos.

 Do contrário as nossas bases continuarão mobilizadas e dispostas a enfrentar todos os golpes lançados contra nossos povos. PODEMOS MORRER, mas vamos morrer lutando e este governo será responsabilizado pelo Genocídio abertamente declarado contra nós, povos originários deste país. Pois todas as conquistas adquiridas, como o reconhecimento dos nossos direitos na Constituição Federal e a criação do Subsistema de Saúde Indígena e da SESAI, foram resultado de muita luta e não vamos permitir que isso seja negado e suprimido.

Para a APIB, a criação do subsistema de saúde indígena, mesmo que de forma tardia, foi um dos feitos mais significativos do Estado brasileiro, na direção de aplicar a Constituição Federal, sabiamente reconhecedora da diversidade étnica e cultural do país, e da necessidade de política públicas específicas e diferenciadas voltadas aos povos indígenas.

Assim, se o subsistema de saúde indígena é um fruto da jovem democracia brasileira, a APIB entende que as decisões tomadas por vossa excelência como parte do Governo Temer constituiem  um ato autoritário, de regressão brutal, de ruptura democrática, de negação do direito à diferença, que quebra o pacto celebrado na Constituição de 1988, após 488 anos de subjugações, entre os povos indígenas e o Estado e a sociedade brasileira, que por fim avançaram no reconhecimento da existência e diversidade desses povos, ou seja, enfim do caráter multiétnico e pluricultural do país.

O governo federal, o Estado e a sociedade brasileira, devem entender de uma vez por todas que reconhecer e respeitar os direitos dos povos originários de este país não é nenhum privilégio, mas sim questão de justiça, mínimo de reparação histórica pelas impagáveis dívidas que esta sociedade e Estado tem para com nossos povos até hoje injustiçados, massacrados e excluídos.

Sendo o que tínhamos a reivindicar, subscrevemo-nos.

Atenciosamente.

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA