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ATL 2019: mulheres indígenas fortes na luta

Durante o 15º Acampamento Terra Livre, mulheres indígenas realizaram plenária para debater e articular agenda de lutas

Por Djuena Tikuna

O movimento indígena, com a sabedoria de suas lideranças e de seu povo guerreiro, segue suas mobilizações em Brasília. Calando o urro desse governo, mostramos nossa força, o canto dos encantados.

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Foto: Mídia Ninja

Na tarde desta terça-feira (25), as mulheres indígenas, reunidas em assembleia durante o 15º Acampamento Terra Livre, deliberaram que a pauta prioritária é em defesa da mãe de todas as lutas: “Território, nosso corpo, nosso espírito”, esse será o tema do calendário de lutas do movimento das mulheres indígenas que terá início dia 09 de agosto e segue até dia 12, com a Marcha das Margaridas, em Brasília.

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Foto: Raissa Azeredo
Foto: Mídia Ninja
Foto: Mídia Ninja
Foto: Matheus Alves
Foto: Matheus Alves
Foto: Matheus Alves
Foto: Matheus Alves
Foto: Raissa Azeredo
Foto: Raissa Azeredo

Documento final do XV Acampamento Terra Livre

Brasília – DF, 24 a 26 de abril 2019

Resistimos há 519 anos e continuaremos resistindo

Nós, mais de 4 mil lideranças de povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, representantes de 305 povos, reunidos em Brasília (DF), no período de 24 a 26 de abril de 2019, durante o XV Acampamento Terra Livre (ATL), indignados pela política de terra arrasada do governo Bolsonaro e de outros órgãos do Estado contra os nossos direitos, viemos de público manifestar:

  1. O nosso veemente repúdio aos propósitos governamentais de nos exterminar, como fizeram com os nossos ancestrais no período da invasão colonial, durante a ditadura militar e até em tempos mais recentes, tudo para renunciarmos ao nosso direito mais sagrado: o direito originário às terras, aos territórios e bens naturais que preservamos há milhares de anos e que constituem o alicerce da nossa existência, da nossa identidade e dos nossos modos de vida.
     
  2. A Constituição Federal de 1988 consagrou a natureza pluriétnica do Estado brasileiro. No entanto, vivemos o cenário mais grave de ataques aos nossos direitos desde a redemocratização do país. O governo Bolsonaro decidiu pela falência da política indigenista, mediante o desmonte deliberado e a instrumentalização política das instituições e das ações que o Poder Público tem o dever de garantir.

 

  1. Além dos ataques às nossas vidas, culturas e territórios, repudiamos os ataques orquestrados pela Frente Parlamentar Agropecuária contra a Mãe Natureza. A bancada ruralista está acelerando a discussão da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em conluio com os ministérios do Meio Ambiente, Infraestrutura e Agricultura. O projeto busca isentar atividades impactantes de licenciamento e estabelece em uma única etapa as três fases de licenciamento, alterando profundamente o processo de emissão dessas autorizações em todo o país, o que impactará fortemente as Terras Indígenas e seus entornos.

 

  1. O projeto econômico do governo Bolsonaro responde a poderosos interesses financeiros, de corporações empresariais, muitas delas internacionais, do agronegócio e da mineração, dentre outras. Por isso, é um governo fortemente entreguista, antinacional, predador, etnocida, genocida e ecocida.

Reivindicações do XV Acampamento Terra Livre

 

Diante do cenário sombrio, de morte, que enfrentamos, nós, participantes do XV Acampamento Terra Livre, exigimos, das diferentes instâncias dos Três Poderes do Estado brasileiro, o atendimento às seguintes reivindicações:

  1. Demarcação de todas as terras indígenas, bens da União, conforme determina a Constituição brasileira e estabelece o Decreto 1775/96. A demarcação dos nossos territórios é fundamental para garantir a reprodução física e cultural dos nossos povos, ao mesmo tempo que é estratégica para a conservação do meio ambiente e da biodiversidade e a superação da crise climática. Ações emergenciais e estruturantes, por parte dos órgãos públicos responsáveis, com o propósito de conter e eliminar a onda crescente de invasões, loteamentos, desmatamentos, arrendamentos e violências, práticas ilegais e criminosas que configuram uma nova fase de esbulho das nossas terras, que atentam contra o nosso direito de usufruto exclusivo.

 

  1. Exigimos e esperamos que o Congresso Nacional faça mudanças na MP 870/19 para retirar as competências de demarcação das terras indígenas e de licenciamento ambiental do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e que essas competências sejam devolvidas ao Ministério da Justiça (MJ) e à Fundação Nacional do Índio (Funai). Que a Funai e todas as suas atribuições sejam vinculadas ao Ministério da Justiça, com a dotação orçamentária e corpo de servidores necessários para o cumprimento de sua missão institucional de demarcar e proteger as terras indígenas e assegurar a promoção dos nossos direitos.

 

  1. Que o direito de decisão dos povos isolados de se manterem nessa condição seja respeitado. Que as condições para tanto sejam garantidas pelo Estado brasileiro com o reforço das condições operacionais e ações de proteção aos territórios ocupados por povos isolados e de recente contato.

 

  1. Revogação do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU).

 

  1. Manutenção do Subsistema de Saúde Indígena do SUS, que é de responsabilidade federal, com o fortalecimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a garantia da participação e do controle social efetivo e autônomo dos nossos povos e as condições necessárias para realização da VI Conferência Nacional de Saúde Indígena. Reiteramos a nossa posição contrária a quaisquer tentativas de municipalizar ou estadualizar o atendimento à saúde dos nossos povos.

 

  1. Efetivação da política de educação escolar indígena diferenciada e com qualidade, assegurando a implementação das 25 propostas da segunda Conferência Nacional e dos territórios etnoeducacionais. Recompor as condições e espaços institucionais, a exemplo da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena, na estrutura administrativa do Ministério da Educação para assegurar a nossa incidência na formulação da política de educação escolar indígena e no atendimento das nossas demandas que envolvem, por exemplo, a melhoria da infraestrutura das escolas indígenas, a formação e contratação dos professores indígenas, a elaboração de material didático diferenciado.

 

  1. Implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e outros programas sociais voltados a garantir a nossa soberania alimentar, os nossos múltiplos modos de produção e o nosso Bem Viver.

 

  1. Restituição e funcionamento regular do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e demais espaços de participação indígena, extintos juntamente com outras instâncias de participação popular e controle social, pelo Decreto 9.759/19. O CNPI é uma conquista nossa como espaço democrático de interlocução, articulação, formulação e monitoramento das políticas públicas específicas e diferenciadas, destinadas a atender os direitos e aspirações dos nossos povos.

 

  1. Fim da violência, da criminalização e discriminação contra os nossos povos e lideranças, praticadas inclusive por agentes públicos, assegurando a punição dos responsáveis, a reparação dos danos causados e comprometimento das instâncias de governo na proteção das nossas vidas.

 

  1. Arquivamento de todas as iniciativas legislativas anti-indígenas, tais como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00 e os Projetos de Lei (PL) 1610/96, PL 6818/13 e PL 490/17, voltadas a suprimir os nossos direitos fundamentais: o nosso direito à diferença, aos nossos usos, costumes, línguas, crenças e tradições, o direito originário e o usufruto exclusivo às terras que tradicionalmente ocupamos.

 

  1. Aplicabilidade dos tratados internacionais assinados pelo Brasil, que inclui, entre outros, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Convenções da Diversidade Cultural, Biológica e do Clima, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas. Tratados esses que reafirmam os nossos direitos à terra, aos territórios e aos bens naturais e a obrigação do Estado de nos consultar a respeito de medidas administrativas e legislativas que possam nos afetar, tal como a implantação de empreendimentos que impactam as nossas vidas.

 

  1. Cumprimento, pelo Estado brasileiro, das recomendações da Relatoria Especial da ONU para os povos indígenas e das recomendações da ONU enviadas ao Brasil por ocasião da Revisão Periódica Universal (RPU), todas voltadas a evitar retrocessos e para garantir a defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas do Brasil.

 

  1. Ao Supremo Tribunal Federal (STF), reivindicamos não permitir e legitimar nenhuma reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras tradicionais. Esperamos que, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, relacionado ao caso da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, considerado de Repercussão Geral, o STF reafirme a interpretação da Constituição brasileira de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário) e que exclua, em definitivo, qualquer possibilidade de acolhida da tese do Fato Indígena (Marco Temporal).

Realizamos este XV Acampamento Terra Livre para dizer ao Brasil e ao mundo que estamos vivos e que continuaremos em luta em âmbito local, regional, nacional e internacional. Nesse sentido, destacamos a realização da Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto, com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”.

Reafirmamos o nosso compromisso de fortalecer as alianças com todos os setores da sociedade, do campo e da cidade, que também têm sido atacados em seus direitos e formas de existência no Brasil e no mundo.

Seguiremos dando a nossa contribuição na construção de uma sociedade realmente democrática, plural, justa e solidária, por um Estado pluricultural e multiétnico de fato e de direito, por um ambiente equilibrado para nós e para toda a sociedade brasileira, pelo Bem Viver das nossas atuais e futuras gerações, da Mãe Natureza e da Humanidade. Resistiremos, custe o que custar!

Brasília (DF), 26 de abril de 2019.

XV ACAMPAMENTO TERRA LIVRE
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB)
MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA (MNI)

 

Foto por Verônica Holanda

Marcha indígena em Brasília leva reivindicações ao Ministério da Saúde e exige Funai de volta ao MJ

Quatro mil indígenas marcharam em defesa de seus direitos constitucionais, marcando posição em defesa da Sesai e contra a MP 870

Por Mobilização Nacional Indígena

No último dia do Acampamento Terra Livre, sexta-feira (26), cerca de 4 mil manifestantes marcharam pelas ruas da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para protestar contra medidas do atual governo que afetam os direitos dos povos indígenas. O protesto passou pelos Ministérios da Saúde e da Justiça, onde as lideranças protocolaram documentos com reivindicações do movimento indígena.

Os representantes de povos indígenas de todas as regiões do país ocuparam a esplanada com cantos e danças tradicionais. A escolha dos Ministérios da Saúde e da Justiça foi por conta de recentes medidas do governo Bolsonaro. A marcha não pôde passar pela Praça dos Três Poderes, cujo acesso permaneceu bloqueado pela polícia.

O movimento é contra a proposta de transferir a responsabilidade da saúde indígena do âmbito federal para o municipal e exigem o fortalecimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para melhorar o atendimento nas comunidades.

A outra proposta, alvo de protestos no Ministério da Justiça, é a Medida Provisória (MP) 870, que transfere a competência das demarcações de Terras Indígenas e o licenciamento ambiental de empreendimentos que afetam territórios tradicionalmente ocupados para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), pasta historicamente ocupada por ministros ligados ao agronegócio. Atualmente a pasta é ocupada por Tereza Cristina, líder da bancada ruralista. A mesma MP 870 transfere a Funai para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, esvaziando a autarquia de suas principais competências relacionadas à garantia dos direitos indígenas.

No Ministério da Justiça, os indígenas não foram recebidos por Sergio Moro, uma delegação de dez indígenas participou de reunião com assessores. “A conversa foi no sentido de denunciarmos as violências que vem acontecendo nas Terras Indígenas em virtude do decreto que tira a Funai do Ministério da Justiça. Isso tem causado muito transtorno dentro das terras Indígenas pelo fato de paralisar todas as questões relativas a demarcação de nossos territórios. O ministério tem outras atribuições a respeito da questão indígena, como a entrada da Polícia federal e a proteção dos territórios”, diz Marcos Xukuru, membro da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Apesar de Sergio Moro não receber as lideranças pessoalmente, em reunião os representantes da pasta se comprometeram a dialogar com as organizações indígenas sobre suas reivindicações. “O Ministério de comprometeu a receber o documento final do Acampamento Terra Livre. O ministro iria ver todas as questões postas e posteriormente conversar com a Apib e as organizações indígenas”, comenta Marcos Xukuru.

Na avaliação de Kretã Kaingang, a marcha serviu para demonstrar a disposição do movimento indígena de lutar por seus direitos. “Nós não aceitamos as alterações na estrutura da Funai e não aceitamos o adiamento da Conferência Nacional de Saúde Indígena, e colocamos isso também aos representantes do Ministério da Saúde. Desde o ano passado estamos buscando o diálogo e nossa marcha, como sempre, foi pacífica. Seguimos em luta e não vamos desistir de defender nossos direitos”, afirma a liderança.

Foto por Verônica Holanda

Contra a Constituição, governo Bolsonaro quer acabar silenciosamente com a saúde indígena

Indígenas do ATL 2019 fazem manifestação na frente do Ministério da Saúde durante marcha pela Esplanada dos Ministérios. Fotos: Leonardo Milano/Mídia Ninja

Durante marcha no 15º Acampamento Terra Livre, indígenas reafirmam posição em defesa da Sesai ao Ministério da Saúde. Pasta acatou decisão do movimento

Por Mobilização Nacional Indígena

No fim de março, o ministro da Saúde, Luiz Mandetta (DEM-MS), foi obrigado a recuar na intenção expressa de extinguir a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e municipalizar o atendimento. Depois de realizar mobilizações em todo o país e exigir uma reunião em Brasília para tratar do assunto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ouviu o compromisso público de Mandetta em, afinal, cumprir a sua obrigação e respeitar a Constituição.

A decisão do ministro foi confirmada hoje (26) em reunião com lideranças indígenas durante o 15º Acampamento Terra Livre. Na falta de Mandetta, João Gabardo, secretario executivo do Ministério da Saúde (MS), recebeu uma comitiva de vinte indígenas e garantiu que “não se fala mais da municipalização e não se fala mais em extinção da Sesai”.

Na prática, no entanto, o governo Bolsonaro tem atuado silenciosamente para continuar desmontando a saúde indígena em diversas frentes.

Na quarta (24), Mandetta anunciou uma troca no comando da Sesai, que foi entregue para Silvia Waiãpi, tenente do Exército e ex-atriz da Globo. Silvia, que é fisioterapeuta, atuava com reabilitação de militares e não tem qualquer experiência de atuação na saúde indígena. A mudança segue a tônica da vasta presença militar no governo Bolsonaro, que já ocupam mais de 100 cargos no governo, a maioria em posições estratégicas.

Na reunião com as lideranças indígenas, Silvia reforçou o compromisso da permanência da Sesai e da não municipalização da saúde indígena. “É por isso que estou aqui”, garantiu.

Paulo Tupiniquim, da Apib, lembrou que a saúde é um direito garantido na Constituição e pediu maior participação do indígenas nas decisões da pasta. “Se a senhora tiver intenção de fazer alguma mudança, que consulte os povos que estão aqui. Viemos para o diálogo e não vamos aceitar que nossos direitos sejam violados”.

Para Joênia Wapichana, a primeira deputada indígena eleita, “a presença de indígenas é essencial para a construção das políticas públicas efetivas”.

Descaso

O Ministério da Saúde até hoje não colocou em dia o pagamento para as entidades que atuam na saúde indígena em todo o país. Milhares de profissionais estão sem receber desde janeiro, causando um verdadeiro caos nos DSEIS. Mesmo prometendo regularizar a situação em março, o MS, se passar a cumprir o repasse em dia, só normalizará o financiamento em maio.

No DF e em SP, as Casais que recebem pacientes com doenças como câncer e casos de média e alta complexidade para atendimento nos grandes centros, só não fecharam totalmente porque os funcionários concordaram em trabalhar sem receber e parte dos fornecedores também se comprometeu a manter os centros funcionando. Do contrário, dezenas de indígenas morreriam.

Nesta semana, Mandetta desmarcou em cima da hora uma reunião em que estariam presentes lideranças indígenas e o Ministério Público Federal para discutir a situação da saúde. Nenhuma justificativa foi dada.

Para Issô Tuká, da Apib e do Fórum de Presidentes dos Condisi, isso é uma espécie de retaliação. “O Mandetta está buscando outros mecanismos para estrangular a saúde indígena. Ele está fazendo de forma silenciosa para que a opinião pública não saiba. Para todo mundo o discurso foi de manter a Sesai. Mas ele vem sufocando o subsistema para quando lá na frente os indicadores não alcançarem as metas pactuadas, vai justificar como incompetência da Sesai para dizer que o modelo atual não dá certo”, afirma Tuká.

A saúde indígena possui metas anuais pactuadas nacionalmente e acompanhadas a cada trimestre. A Sesai monitora as ações em todos os distritos. Existem metas para a saúde bucal, imunização, saúde da mulher, do homem, do idoso, da criança e do adolescente. A maioria dos indicadores vem melhorando nos últimos anos.

Desde que assumiu, Mandetta tem tentado alegar uma suposta corrupção das organizações que atuam no sistema para implantar uma municipalização forçada. No entanto, as denúncias protocoladas até hoje vieram dos próprios indígenas. Mais de 600 processos levantados pelo controle social foram entregues para a Corregedoria do Ministério da Saúde e para o Ministério Público Federal no fim de 2018.

“O Mandetta disse que ou ficávamos do lado da municipalização ou da corrupção. Não estamos nem de um lado nem de outro. E a responsabilidade de apurar é do Ministério. Se tiver lideranças e indígenas envolvidos, que se apure e puna. Eu respondi para ele que o que ele está querendo fazer é um crime. Usando uma justificativa equivocada. Nós aceitamos discutir a saúde indígena para melhorar, não para municipalizar. Não dá para confiar na palavra do ministro”, avalia Issô Tuká.

Questionada sobre a paralisação dos convênios e irregularidades nos processos administrativos da secretaria, Silvia pediu paciência e disse que a fiscalização é prioridade. “A saúde indígena não pode pagar pelos atos administrativos daqueles que não conseguem coordenar. Que tipo de governo é esse? Que diz que vai avançar, mas só está retrocedendo”, alertou Marivelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.

A deputada Joênia Wapichana, que também esteve presente na reunião, descreveu a situação como “vulnerável” e reforçou que as comunidades indígenas não podem ser penalizadas por conta das irregularidades no sistema. “Desviar recursos da saúde é crime e deve ser tratado como crime. O que não pode é suspender os serviços de saúde. Que a investigação ocorra paralelamente aos atendimentos”.

Fim do controle social, Conferência Nacional ameaçada e falta de médicos

 No início de abril, Bolsonaro extinguiu por decreto centenas de conselhos de participação social em políticas públicas, como o Conselho Nacional de Política Indigenista, causando reação imediata do MPF e de parlamentares de oposição. Isso afeta diretamente a saúde indígena.

Diante disso, a Apib, via MPF e a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, então entrando com um recurso contra o decreto de Bolsonaro. Todos os conselhos indígenas tem base legal e não podem ser extintos por uma canetada.

“Toda a saúde indígena está comprometida porque as instâncias de controle social deixam de existir. O decreto é completamente inconstitucional. Isso é um terrorismo para fazer com que a gente recue. A gente não vai recuar. As nossas comunidades estão esperando a garantia de sua assistência. Como vamos recuar?”, diz Issô Tuká.

Marcada para o fim de maio, a 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, que deve reunir 2 mil pessoas em Brasília e é fruto de um processo de construção social que contou com 302 conferências locais e 34 distritais, também está ameaçada pelo governo Bolsonaro.

Um parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde assinado também em abril questiona o processo de contratação de empresa para a realização da etapa nacional. A recomendação é que o processo, aberto em setembro do ano passado, seja jogado no lixo e recomeçado do zero, inviabilizando a manutenção da data, decidida quase um ano atrás. “A licitação teve que ser cancelada porque tinha indícios de irregularidades”, explicou Gabardo.

Ainda assim, o secretário garantiu que a Conferência vai acontecer. “A Silvia tem a possibilidade de refazer a contratação do espaço físico ,e,  se ter tempo a conferencia pode ser na data prevista”.

O parecer é uma estratégia da União em não arcar com os custos legais da Conferência, cerca de R$ 8 milhões, de sua responsabilidade, e assim inviabilizar o evento, de suma importância. A última conferência nacional aconteceu em 2013. No entanto, as organizações tem se mobilizado para realizar o encontro com recursos próprios.

“Há uma falta de entendimento da questão indígena, uma falta de conhecimento em relação ao histórico do debate dessa temática e desrespeito pelas conquistas alcançadas. E, por consequência, há claramente ações de desmonte”, afirma Ana Lúcia Pontes, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz).

Outro ataque do governo Bolsonaro é a mudança brusca no Programa Mais Médicos. Mesmo com todos os chamamentos abertos pelo Ministério da Saúde, ainda faltam pelo menos 200 médicos dos 332 necessários para realizar o atendimento nos DSEIS Brasil afora. O desfalque real pode ser ainda maior.

A situação é especialmente grave no Amazonas: os DSEIs do Médio e Alto Solimões, somados, sentem a falta de 37 profissionais. Somente dois médicos apareceram até o momento para atender uma população estimada em mais de 95 mil indígenas. O DSEI Alto Rio Negro, também no Amazonas, onde vivem 40 mil indígenas, está com 16 vagas em aberto. Nestes três distritos, portanto, são 135 mil indígenas com o atendimento comprometido.

Outros casos que se destacam são os do DSEI Maranhão, com 17 vagas não preenchidas; do Tapajós, no Pará, com 11 e dos distritos Leste e Yanomami, em Roraima, com 19.

Entenda como funciona o controle social na saúde indígena

 A legislação garante a participação indígena nos órgãos colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas de saúde. Esse envolvimento se dá por intermédio dos Conselhos Locais de Saúde Indígena (CLSI), Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) e Fórum de Presidentes de Condisi (FPCondisi), que são responsáveis por fiscalizar, debater e apresentar propostas para o fortalecimento da saúde de suas comunidades.

Os 390 CLSI existentes são uma instância permanente, consultiva e propositiva composta por 5.709 conselheiros indígenas. É a partir dos debates e discussões nessa instância que são identificadas as necessidades de ações e serviços de saúde apresentadas aos gestores locais.

Os Condisi, constituídos legalmente nos 34 Distritos de Saúde Indígena (DSEI), têm caráter permanente e deliberativo e são compostos paritariamente por usuários (50%), trabalhadores (25%) e gestores / prestadores de serviço em saúde (25%). São 1.564 conselheiros distritais. Já o FPCondisi, composto pelos presidentes dos 34 Condisi, é uma instância permanente, propositiva e consultiva, criada para acompanhar a execução da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), entre outras ações.

Presidentes da Câmara e do Senado comprometem-se a devolver Funai e demarcações ao Ministério da Justiça

Presidentes das casas do Congresso Nacional prometeram atuar para reverter mudanças feitas pelo governo Bolsonaro por meio da Medida Provisória (MP) 870

Por Mobilização Nacional Indígena

Em audiências com lideranças indígenas realizadas ontem (24), os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), comprometeram-se a reverter as alterações na estrutura do Executivo para demarcações de terras indígenas, feitas pelo governo Bolsonaro por meio da Medida Provisória (MP) 870.

Na medida, assinada no primeiro dia de mandato por Jair Bolsonaro, as demarcações foram retiradas da Fundação Nacional do Índio (Funai) e passaram a ser atribuição do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), controlado por ruralistas – inimigos históricos dos povos indígenas.

“Essa divisão em dois ministérios não me parece um caminho que vai gerar segurança para o povo indígena”, afirmou Rodrigo Maia a um conjunto de lideranças indígenas que participam do Acampamento Terra Livre (ATL) e parlamentares da bancada do PSOL e da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas.

Maia afirmou aos indígenas que concorda com a leitura de que a Funai deve retornar ao Ministério da Justiça, ao qual era historicamente vinculada, até passar a integrar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos por força da MP.

“Essa divisão em dois ministérios não me parece um caminho que vai gerar segurança para o povo indígena. A gente vai trabalhar para que a gente possa restabelecer, junto com o presidente do Senado, aquilo que tem sido estabelecido nos últimos anos no Brasil”, garantiu.

O presidente da Câmara salientou ainda o compromisso de “evitar ao máximo” projetos polêmicos e afirmou que estará disponível para auxiliar no diálogo “com alguns membros do governo”.

Embora tenham vigência imediata a partir de sua publicação, as medidas provisórias precisam da aprovação do Congresso Nacional para que sejam transformadas efetivamente em leis. A MP 870 ainda precisa ser aprovada na Comissão Mista, para prosseguir à Câmara dos Deputados e, depois, ao Senado Federal. Seu prazo de vigência é de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período.

A MP foi questionada judicialmente e duramente criticada por lideranças indígenas, indigenistas e pelo Ministério Público Federal (MPF), que a considera inconstitucional.

A reunião com Maia ocorreu no final da tarde, na Câmara dos Deputados. Pela manhã, lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Frente Parlamentar também tiveram uma reunião com o presidente do Senado. Segundo relato de indígenas e parlamentares que participaram da reunião, Davi Alcolumbre também firmou posição contra a parte da MP 870 que afeta os povos originários.

“Ele assumiu posição e disse que apoiará a demanda dos povos indígenas de devolver a competência de demarcação para a Funai, e de devolver a Funai para o Ministério da Justiça”, relata Camilo Capiberibe (PSB-AP), deputado federal que integra a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas.

Na avaliação da coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, Joênia Wapichana (Rede-RR), o posicionamento dos presidentes das casas legislativas é importante e mostra disposição em defender as garantias legais dos povos indígenas.

“Isso é uma sinalização de que eles compreendem que houve um desmonte, uma desestruturação e que é inconcebível a gente fazer com que a demarcação saia de um órgão indigenista federal que tem todo um preparo. É algo que inviabiliza as demarcações das terras indígenas”, afirmou a deputada federal, que participou de ambas as reuniões.

Rodrigo Maia (DEM-RJ) reúne-se com lideranças indígenas durante o 15º ATL. Foto: Juliana Pesqueira/MNI
Rodrigo Maia (DEM-RJ) reúne-se com lideranças indígenas durante o 15º ATL. Fotos: Juliana Pesqueira/Proteja Amazônia

Poder Judiciário

Na terça (23), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Roberto Barroso, negou liminar que pedia anulação dos artigos da MP 870 que alteram as demarcações. O ministro justificou que não poderia interferir na forma como o Poder Executivo decide se estruturar. Apesar disso, não é possível considerar uma derrota para os povos indígenas.

Barroso, que não julgou o mérito da ação, reforçou que o governo deve garantir o direito dos índios às suas terras e avançar nas demarcações, como determina a Constituição. “Essa competência não é discricionária, mas vinculada, não estando sujeita a opções políticas”, afirma o texto da decisão.

O ministro deixou claro que o Judiciário poderá agir se as demarcações forem paralisadas. “A União, por meio do MAPA, está obrigada a promover tais demarcações, e a recusa em realizá-las efetivamente implicaria um comportamento inconstitucional”, segue o ministro.

“É fundamental que a atuação do MAPA na matéria seja acompanhada com cuidado, contrastando-se a série histórica das demarcações, sob o regime constitucional de 1988, com as novas demarcações empreendidas pelo Ministério. Caso reste comprovado, no mundo real, que a transferência de atribuições promovida pela MP 870/2019 implicou a frustração das demarcações ou da garantia do usufruto dos índios à terra, estará justificada a intervenção deste Tribunal”, reforça a decisão.

Em Brasília, povos indígenas exigem justiça contra violações de seus direitos constitucionais

Vindos das cinco regiões do Brasil, milhares de indígenas iluminaram a Praça dos Três Poderes com a palavra “Justiça” após marcharem nesta noite pela Esplanada dos Ministérios para reivindicar seus direitos constitucionais e denunciar a explosão de violência em seus territórios. Eles estão em Brasília reunidos para o Acampamento Terra Livre (ATL).

>> Veja as fotos aqui  

“A mensagem que levamos para o mundo todo é a de que justiça é o nosso território nas nossas mãos. É a nossa saúde com qualidade e respeito às nossas necessidades. Justiça é termos a nossa educação específica e diferenciada de acordo com os valores de cada povo. Justiça é o nosso território não ser invadido. É nossas lideranças não serem assassinadas. Esta intervenção simboliza Justiça. É isso que estamos fazendo aqui, na Esplanada dos Ministérios: exigindo Justiça!”, afirma o Cacique Marcos Xukuru, de Pernambuco.

Foto: Leo Otero/MNI

Em sua 15ª edição, o ATL, que acontece de hoje (24) até sexta-feira (26), em Brasília, é a maior assembleia indígena do Brasil e tem como principal propósito reivindicar que os direitos constitucionais dos povos indígenas sejam respeitados, como o direito à terra e o direito de viver de acordo com o seu modo de vida tradicional.

Para acessar a programação completa, clique aqui.

Mais informações: assessoria de imprensa do ATL
Patrícia Bonilha: (61) 99643-8307
Adi Spezia: (49) 99160 5897 e (61) 99641-6256
Gabriela Lapagesse: (21) 98739-2018

Mobilizado em Brasília, movimento indígena quer impedir retrocessos do governo Bolsonaro

Por Mobilização Nacional Indígena 

Intenção de paralisar completamente a demarcação de terras indígenas, agora sob responsabilidade da ruralista Tereza Cristina no Ministério da Agricultura, saída da FUNAI da competência do Ministério da Justiça para o recém-criado Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, ameaça de municipalização da saúde, convocação da Força Nacional e nenhuma disponibilidade para diálogo.

No 15º ano, o Acampamento Terra Livre enfrenta um cenário ainda mais duro que nos anos anteriores. Jair Bolsonaro foi eleito com um discurso contra os povos indígenas, o que inclui mentiras divulgadas para todo o país por meio de suas redes sociais. Por isso, o 15º ATL ganha contornos ainda mais urgentes e a coletiva de imprensa que lançou a mobilização na tarde desta quarta (24) mostrou isso.

“Não vamos nos render às ameaças de governo autoritário algum. Estamos aqui para mostrar que os povos originários estão de pé”, declarou Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Apib, diante das câmeras e microfones da imprensa nacional e estrangeira.

Para Sônia, o governo Bolsonaro é uma tragédia na política indigenista, que sofreu um desmonte completo e o discurso do presidente, de “integrar” os povos, é o mesmo da ditadura, que matou pelo menos 8 mil indígenas de acordo com os dados da Comissão Nacional da Verdade.

“Lamento por quem se deixa enganar pela promessa de explorar os territórios. O bem viver só acontece se tivermos demarcação. Temos 5 séculos de experiência em resistência e vamos continuar resistindo. Queremos o direito de continuar sendo o que somos, com identidade preservada”, afirmou Sônia.

A coordenadora da Apib também se posicionou contra a MP 870 e a decisão do ministro Luiz Roberto Barroso de que ela não representa uma ameaça aos direitos indígenas, divulgada hoje.

Jornalistas e indígenas durante a coletiva de imprensa na abertura do ATL 2019. Foto: Mídia Ninja

Enfrentar as mudanças climáticas é uma luta de todos

Outra questão importante abordada para todo o mundo foi as mudanças climáticas, desprezadas tanto por Bolsonaro, que dispensou a possibilidade de o Brasil sediar a próxima COP, quanto por Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, que gosta de dizer que “isso é coisa para se preocupar daqui 500 anos”. Uma bobagem prontamente desmentida por Sônia, lembrando o papel fundamental dos povos indígenas em mitigar o aquecimento global e preservar a floresta.

“O problema climático não é marxista como o governo diz. Estamos gritando para que o mundo perceba isso. A sociedade precisa entender essa conexão. A causa é humanitária e civilizatória. A luta é de todos”, afirmou Sônia.

Mobilização internacional e permanente

As lideranças da Apib lembraram que, além do Brasil, mais de 12 países estão mobilizados prestando solidariedade aos povos indígenas, da América Central e dos EUA até a Ásia, o que torna o ATL uma das maiores mobilizações indígenas do mundo. Uma delegação do Brasil denunciou o governo Bolsonaro na ONU em fórum permanente sobre questões indígenas.

Desde o início de 2019 os povos originários do Brasil não dão trégua aos retrocessos anunciados por Bolsonaro: manifestações ocorreram em janeiro e em março por todo o país, clamando por nenhuma gota a mais de sangue indígena e obrigando o Ministério da Saúde a voltar atrás na sua intenção de municipalizar a saúde indígena.

Audiência com o presidente do Senado e agendas previstas

Mário Nicácio, da Coiab, ressaltou que os líderes da Apib se reuniram hoje com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que sinalizou um possível apoio na pauta tratada. No entanto, todas as tratativas com parlamentares não alteram em nada a mobilização, que conta com agendas no STF, na Câmara dos Deputados, com o governo do Distrito Federal e outros.

Confira a programação até sexta (26) e acompanhe as novidades no Facebook e Twitter.

XV Acampamento Terra Livre – 2019: Resistimos há 519 anos

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Mobilização Nacional Indígena do Brasil (MNI) divulgaram o texto base do ATL 2019, um guia político que reflete as discussões dos povos indígenas desde as aldeias até a capital federal

Foto: Pablo Albarenga/Mídia Ninja

Há 519 anos, nós, povos indígenas do Brasil, sofremos golpes e mais golpes. As forças políticas e econômicas colonizadoras, caracterizadas pelo projeto expansionista e exploratório, invadiram os nossos territórios, massacraram os nossos povos, arrasaram e se apossaram das nossas terras e riquezas, dizimaram culturas, línguas e alternativas civilizatórias, cometeram etnocídio e genocídio, crimes de lesa humanidade.

Passaram-se cinco séculos, e os nossos povos que sobreviveram a essa barbárie continuam na mira do projeto exterminador. Tudo, na tentativa de se apossar e dilapidar, mais uma vez, os territórios e bens naturais que conseguimos preservar ao longo desse período, que passou pela colônia, a monarquia, o surgimento da República, da ditadura militar, e no Brasil contemporâneo. A usurpação, o esbulho e a violência contra os nossos povos continuam, e se intensificam, assumindo maior brutalidade, no atual governo.

Nós conquistamos, na Constituição de 1988, o reconhecimento do direito à diferença, aos nossos usos, costumes, línguas, crenças e tradições e o direito originário às terras que tradicionalmente ocupamos.

A nossa existência, porém, incomoda. Somos considerados obstáculos que precisam ser removidos para que possa imperar o projeto expansionista do agronegócio e do extrativismo minerário, petrolífero, madeireiro e do assalto aos bens hídricos e da biodiversidade. O governo Bolsonaro recorre a medidas jurídico-administrativas inconstitucionais, sejam estas portarias, decretos ou medidas provisórias, que legitimam e reforçam o uso da violência por parte de forças públicas de segurança, de pistoleiros ou mesmo de supostos proprietários rurais contra os nossos povos e comunidades.

Foto: Jacy Santos/Mídia Ninja

Nesse sentido, o governo atual, em menos de quatro meses de mandato, atacou os direitos indígenas com as seguintes medidas.

  1. Editou a Medida Provisória (MPV) 870/19, com a qual pretende inviabilizar de vez o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas. O governo transferiu a Funai do Ministério da Justiça para o então recém criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (Decretos 9660/19 e 9673/19). Seguindo adiante com o desmonte, Bolsonaro entregou a atribuição de demarcar terras indígenas – identificação, delimitação, demarcação e registro – para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sob comando de representantes do latifúndio e do agronegócio. Para esta secretaria do Ministério da Agricultura também seguiu a manifestação estatal sobre processos de licenciamento ambiental de empreendimentos com impacto sobre essas terras (Decreto 9667/19). Essa afronta ao nosso direito originário continua. O Incra oficiou a Funai para que retire do Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) as terras indígenas que não estejam homologadas e/ou regularizadas. Ou seja, o Incra quer retirar todas as terras indígenas que estão em processo de demarcação das bases de dados oficiais para que proprietários rurais possam conseguir crédito e consolidar atividades dentro das terras indígenas.
  2. Para o movimento indígena está evidente a intenção do governo em descontinuar o Decreto 1775/96, promovendo alterações nos procedimentos de demarcação das terras indígenas. O próprio presidente da República tem declarado que não demarcará mais nenhum centímetro de terra indígena e que pretende rever demarcações consolidadas. A mesma postura se aplica inclusive aos quilombolas, que também possuem um enorme passivo em termos de reconhecimento de seus territórios.
  3. O governo tem assumido publicamente um discurso integracionista, que reitera a visão de que os povos indígenas não precisam de terras, a não ser que assumam o viés produtivista do agronegócio e disponibilizem os seus espaços de vida para o mercado de terras ou para o arrendamento, usurpando assim o direito de posse e usufruto exclusivo assegurado pela Constituição Federal. O propósito, na verdade, é entregar as terras e territórios indígenas à exploração predatória dos solos e riquezas que elas abrigam aos detentores das corporações nacionais e internacionais do agronegócio e da mineração. Enfim, investir no processo de transformação da terra em mercadoria.
  4. A visão integracionista e, pior, assimilacionista e divisionista do governo Bolsonaro serve também ao seu interesse de acabar com as políticas públicas diferenciadas, duramente conquistadas por nós nos últimos 30 anos. Isso se reflete, por exemplo, na tentativa do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, de municipalizar ou estadualizar a política de atenção básica à saúde indígena, principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país. O ministro só voltou atrás após reação contundente dos povos e organizações indígenas mobilizados contra essa proposta no Brasil inteiro. Nessa mesma direção o governo extinguiu a Coordenação Geral de educação Escolar Indígena da estrutura administrativa do MEC, juntamente com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). No ano em que a ONU celebra o Ano Internacional das Línguas Indígenas, o Brasil dá sinal de retrocessos na política de educação diferenciada, sem nenhuma proposta para melhorar a infraestrutura das escolas Indígenas e de promover a formação de professores indígenas, entre outras reivindicações do movimento indígena. Essa visão integracionista está na base do entendimento do governo de que somos incapazes, e portanto, objetos de manipulação de pessoas e instituições alheias aos nossos povos e organizações. O Governo desrespeita assim a nossa condição de sujeitos de direito e a nossa autonomia reiterada pela Constituição Federal.
  5. Para inviabilizar a participação dos povos e organizações indígenas na discussão, formulação e fiscalização das políticas públicas que lhes dizem respeito, o Governo Bolsonaro decidiu publicar, no dia 11 de abril, o Decreto Nº 9759/19 que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal” (conselhos, comitês, comissões, grupos, fóruns etc.). Dentre outras instâncias de participação conquistadas pelo movimento indígena, agora extintas, destaca-se o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI).
  6. O governo Bolsonaro mantém em vigor o inconstitucional Parecer 001/17 da Advocacia Geral da União (AGU), mesmo ele estando totalmente deslegitimado e desqualificado por recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso Laklanõ (Recurso Extraordinário 1.017.365), que reconheceu não haver posicionamento pacificado desta Corte acerca da interpretação do Artigo 231 quanto ao conceito de terra tradicionalmente ocupada.
Foto: Jacy Santos/Mídia Ninja

O projeto governamental de querer dizimar os povos indígenas se materializa dia a dia ao negar, inclusive, o direito de ir e vir não apenas em espaços institucionais, mas também em vias públicas, violando flagrantemente o nosso direito constitucional de nos manifestar. É com esse propósito que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) ordenou ao Ministro da Justiça, Sérgio Moro, autorizar o uso da Força Nacional de Segurança na praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, por 33 dias, para intimidar que os povos se juntem para realizar a sua grande Assembleia Nacional anual – o Acampamento Terra Livre.

A esses ataques do Executivo somam-se as dezenas de iniciativas legislativas que tramitam no Congresso Nacional, sob comando principalmente da bancada ruralista. A maioria desses projetos de lei ou emendas constitucionais é voltada a suprimir os nossos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988. Entre tantas, destacamos o PL 1610/96, que trata da mineração em terras indígenas, a PEC 215/00, que pode ser votada a qualquer momento no plenário da Câmara, e o PL 6818/13, que tramita apensado ao PL 490/17 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desta mesma casa legislativa. Essas iniciativas pretendem inviabilizar as demarcações, abrir os territórios indígenas para a exploração e aniquilar o direito de consulta, livre, prévia e informada assegurado pela Convenção 169 da OIT.

O desmonte na área ambiental também é bastante evidente, com interferências nos processos de fiscalização de ilícitos, desarticulação de setores importantes do Ministério do Meio Ambiente e paralisação de processos de criação de Unidades de Conservação. A Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI), que já vinha sofrendo um processo de inanição, dificultando sua implementação, certamente será completamente engavetada.

Para agravar esse cenário, reforçado pelo discurso de ódio, tem aumentado, nos territórios, a violência contra nossas comunidades, a criminalização de nossas lideranças e as práticas ilícitas e criminosas de invasão, loteamento, venda de lotes, desmatamento, roubo de madeira, garimpagem e tentativas para arrendamento de nossos territórios, expondo-nos a uma crescente insegurança jurídica, política, econômica, ambiental e social.

Dessa forma, em menos de quatro meses o governo Bolsonaro tenta desmontar 30 anos de conquistas na política indigenista, que, mesmo ainda insuficientes, significaram avanços nas distintas áreas de interesse dos povos: demarcação, saúde e educação indígena diferenciadas, gestão e proteção territorial e ambiental, participação e controle social.

Neste cenário extremamente grave, de múltiplas agressões sofridas por nós, os ministros do STF tem uma responsabilidade fundamental: não permitir e legitimar uma reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras tradicionais, estabelecido pelo Artigo 231 da Constituição Federal.

Foto: Pablo Albarenga/Mídia Ninja

Acompanhamos com imensa atenção e expectativa o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, considerado de Repercussão Geral, por meio do qual o STF definirá sua posição acerca das teses do Indigenato (Direito Originário) ou do Fato Indígena (Marco Temporal). Nossa atenção e expectativa se justifica porque a decisão a ser tomada pelos ministros do STF neste processo judicial será aplicada ao caso concreto da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, em Santa Catarina, e também a todas as terras indígenas do Brasil que estejam ou que venham a estar em disputa por meio de processos judiciais semelhantes em todas as instâncias do Poder Judiciário.

De acordo com a interpretação do Marco Temporal, nossos povos somente teriam direitos às suas terras se estivessem na posse física delas no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, ou se estivessem em conflito de fato ou possessório pela terra na mesma data. Essa interpretação do Artigo 231 da Constituição Federal legitima e legaliza as expulsões e as demais violações e violências cometidas, inclusive no passado recente. Consiste, ainda, numa poderosa e perigosa sinalização, para os históricos e novos invasores das terras indígenas, de que os mecanismos da violência, dos assassinatos seletivos de lideranças e do uso de aparatos paramilitares para expulsar os povos das suas terras seriam legítimos, convenientes e até vantajosos para os seus intentos de se apossarem e explorarem essas terras, já que legitimados estariam aqueles que cometeram tais crimes e arbitrariedades.

Foto: Pablo Albarenga/MídiaNinja

Nossa história não começa em 1988! Marco Temporal Não!

A nossa história sempre esteve marcada por uma relação de violência, massacres, espoliações, discriminação e racismo por parte do Estado e das classes dominantes. Mas a gente nunca deixou de resistir e de lutar contra todos os regimes que se sucederam em nosso país desde a invasão colonial, inclusive durante a ditadura militar.

Estamos aqui mobilizados para dizer ao Brasil e ao mundo que estamos vivos, que continuamos em luta pela conquista e defesa dos nossos territórios e de políticas públicas que respeitem nossos modos de ser, que resistiremos custe o que custar. Seguiremos dando a nossa contribuição na construção de uma sociedade realmente democrática, plural, justa e solidária, por um Estado pluricultural e multiétnico de fato e de direito, por um ambiente equilibrado para nós e para toda a sociedade brasileira, pelo Bem Viver das nossas atuais e futuras gerações, da Mãe Natureza e da Humanidade.

Brasília – DF, 24 de abril de 2019.

XV ACAMPAMENTO TERRA LIVRE

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB)

MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA (MNI)

Caso de repercussão geral no STF pode definir o futuro dos povos indígenas do Brasil

Por Mobilização Nacional Indígena 

Num contexto em que ataques e ameaças dificultam as relações com o governo federal, e no legislativo projetos e bancadas contrários aos povos indígenas se sobressaem no Congresso Nacional, os olhares e as esperanças de garantir que seus direitos constitucionais não sejam desfigurados se voltam ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em abril, o STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, caso que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. Por isso, no prazo de um ano, a Suprema Corte poderá dar uma solução definitiva aos conflitos envolvendo terras indígenas no país, e garantir um respiro às comunidades que se encontram, atualmente, pressionadas por poderosos setores econômicos.

Por este motivo, no 15º Acampamento Terra Livre (ATL), os povos indígenas decidiram realizar uma vigília em frente ao STF, para chamar a atenção à luta por justiça histórica e em defesa de seus direitos originários.

Entenda do que se trata esse julgamento e o que está em jogo.

Indígenas detêm esperanças de que o STF faça justiça. Foto: Webert da Cruz/Mídia Ninja

Do que trata o RE 1.017.365?

O Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), é um pedido de reintegração de posse movido pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Farma) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, que ocupam uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional. A terra em disputa é parte do território Ibirama-Laklanõ, que foi reduzido ao longo do século XX. Os indígenas nunca deixaram de reivindicar a área, que foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.

Por que esse julgamento é importante?

Em decisão publicada no dia 11 de abril, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a repercussão geral do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese que servirá de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário. Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre terras tradicionais que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, a Suprema Corte admite, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

O julgamento tem data marcada?

Não, ainda não há uma data para que o caso Xokleng seja julgado. Há, entretanto, um prazo para ele ser julgado: quando um recurso tem sua repercussão geral reconhecida pela Corte, o julgamento deve acontecer dentro de um ano, a contar da publicação da decisão – no caso Xokleng, isso ocorreu no dia 11 de abril.

O que está em jogo?

No limite, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra. Há, em síntese, duas teses principais que se encontram atualmente em disputa: de um lado, a chamada “teoria do indigenato”, uma tradição legislativa que vem desde o período colonial e que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário – ou seja, anterior ao próprio Estado. A Constituição Federal de 1988 segue essa tradição e garante aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Do outro lado, há uma interpretação mais restritiva, que pretende restringir os direitos dos povos indígenas às suas terras ao reinterpretar a Constituição com base na tese do “marco temporal”.

O que é marco temporal?

A tese do marco temporal defende uma interpretação mais restritiva dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Nessa interpretação, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração dos territórios indígenas, os povos só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, ou que estivessem sob disputa física ou judicial. Na avaliação de indigenistas, juristas, lideranças indígenas e do Ministério Público Federal (MPF), essa é uma tese perversa, pois legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988. Além disso, essa posição ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por seus direitos.

Que consequências esse julgamento pode ter para os povos indígenas?

Caso a decisão do STF seja em favor dos direitos originários dos povos indígenas e, portanto, contra a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país poderão ter o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos judiciais seriam imediatamente resolvidos. As 310 terras indígenas que estão estagnadas em alguma etapa do processo de demarcação, assim como outras 537 que ainda não tiveram nenhuma providência do Estado para proceder com sua identificação, já não teriam, em tese, nenhum impedimento para que seus processos administrativos fossem concluídos.

Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar o esbulho e as violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas. Esta decisão ainda poderá incentivar um novo processo de invasão e esbulho possessório a terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na amazônica.

Os povos indígenas podem participar do julgamento?

O relator do caso, ministro Edson Fachin, defendeu a ampla participação de todos os setores interessados no tema, dada a importância da matéria. Tal participação pode se dar partir da figura do amicus curiae – termo em latim que significa “amigo da corte” e que permite que pessoas, entidades ou órgãos com interesse e conhecimento sobre o tema contribuam subsidiando o tribunal. Por esse caminho, comunidades e organizações indígenas deverão estar habilitadas a contribuir com o processo.

Além disso, a própria comunidade Xokleng também deve pedir sua admissão como parte no processo, tendo em vista que é diretamente afetada por ele e que o direito de acesso à justiça foi assegurado aos povos indígenas na Constituição de 1988.

Ministro diz que STF poderá intervir se demarcações forem paralisadas

Por Mobilização Nacional Indígena

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Roberto Barroso indeferiu, ontem (23), o pedido de liminar do PSB para suspender os artigos da Medida Provisória (MP) 870/2019 e da série de decretos editados em janeiro que transferiram para o Ministério da Agricultura as competências de demarcar as Terras Indígenas e opinar sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos que afetem esses territórios. As duas atribuições pertenciam à Fundação Nacional do Índio (Funai). A medida faz parte da reforma ministerial realizada pelo governo Bolsonaro em seus primeiros dias.

O pedido de liminar foi incluído na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PSB. O plenário do tribunal ainda vai analisar o mérito da ação.

Para negar a liminar, o ministro justificou que o Executivo tem o direito de reorganizar o desenho administrativo dos ministérios,o que foi feito por meio da MP e dos decretos. A reforma ministerial faria parte da “competência discricionária do Chefe do Executivo Federal” e, por si só, não afetaria os direitos indígenas, segundo Barroso. Para ele, portanto, o STF não pode interferir no caso sob pena de comprometer o princípio da separação dos poderes.

A presença indígena em Brasília visa sensibilizar os ministros do STF diante de uma conjuntura sem saídas políticas. Foto: Mídia Ninja

Apesar disso, Barroso reforçou que o governo deve garantir o direito dos índios às suas terras e avançar nas demarcações. “A Constituição de 1988 garante aos povos indígenas o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, atribuindo à União o dever de demarcá-las (art. 231). Essa competência não é discricionária, mas vinculada, não estando sujeita a opções políticas”, afirma o texto da decisão.  

O ministro deixou claro que o Judiciário poderá agir se as demarcações forem paralisadas. “A União, por meio do MAPA, está obrigada a promover tais demarcações, e a recusa em realizá-las efetivamente implicaria um comportamento inconstitucional”, segue o ministro.

“É fundamental que a atuação do MAPA na matéria seja acompanhada com cuidado, contrastando-se a série histórica das demarcações, sob o regime constitucional de 1988, com as novas demarcações empreendidas pelo Ministério. Caso reste comprovado, no mundo real, que a transferência de atribuições promovida pela MP 870/2019 implicou a frustração das demarcações ou da garantia do usufruto dos índios à terra, estará justificada a intervenção deste Tribunal”, reforça a decisão.

“A decisão é explícita ao dizer que a demarcação de terras é ato vinculado e que o Mapa está obrigado a cumprir a Constituição e demarcar as terras. Qualquer paralisação ou juízo político sobre o assunto estarão sujeitos a controle do Judiciário. O ordenamento jurídico permite, inclusive, responsabilização pessoal do agente público que descumpre a legislação”, comenta a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula Batista.  

“A decisão reforça o direito originário dos índios às terras que são de sua ocupação tradicional. Reforça o que está na Constituição. Reforça o dever da União de cumprir o que diz o artigo 231 da Constituição, inclusive quanto ao dever de proteger as Terras Indígenas”, afirma o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rafael Modesto.   

O Congresso Nacional apresenta um labirinto aos povos indígenas: aumentou a bancada parlamentar aliada, mas Câmara e Senado seguem com maioria subserviente aos seus inimigos. Foto: Leonardo Milano/Mídia Ninja

Acampamento Terra Livre 2019

A decisão de Barroso foi dada às vésperas do início da 15ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a principal mobilização dos povos indígenas do país. O ATL foi instalado na manhã de hoje, ao lado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Os indígenas começaram a instalar tendas e barracas de madrugada, em frente ao Congresso, como foi feito durante muitos anos, mas tiveram de sair do local por pressão da PM.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o acampamento, preferiu aceitar a nova localização para evitar qualquer tipo de tensionamento com a polícia e reforçar o caráter pacífico da mobilização.

Na semana passada, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, publicou uma portaria autorizando o uso da Força Nacional na Esplanada e na Praça dos Três Poderes por mais de um mês, a pedido do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com a desculpa de “desencorajar” atos de violência. De acordo com a Apib, não há nenhuma justificativa para a medida, uma vez que o ATL acontece há quinze anos em Brasília, de forma pacífica, sem nenhum incidente grave. A articulação divulgou uma nota criticando a portaria (leia aqui).  

A estimativa é de que quatro mil indígenas, de todas as regiões do país, participem do acampamento. Estão previstas atividades culturais, plenárias, atos e protestos até a próxima sexta (26) (veja a programação).