Comissão de pesquisadores da UNB divulga documento com reflexões e ponderações sobre julgamentos no STF nesta quarta-feira

Uma comissão composta por professores doutores das áreas das Ciências Sociais, do Direito e das Ciências Humanas da Universidade de Brasília – UNB e pesquisadores das questões indígenas e quilombolas no Brasil divulgou um memorial que apresenta ponderações, reflexões e preocupações da Comunidade Científica sobre questões que serão colocadas em julgamento no Supremo Tribunal Federal – STF, na próxima quarta-feira, 16, referentes à demarcação e titulação de terras indígenas e quilombolas, e à obrigação constitucional e das convenções internacionais de demarcá-las. Essas ações que estão na pauta no STF colocam em risco os direitos e a sobrevivência dos povos tradicionais brasileiros.

Leia o memoria aqui 

No período da tarde, será julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 3.239, apresentada pelo Partido da Frente Liberal – PFL (atual Democratas – DEM) que questiona o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

No mesmo dia, também estão em pauta três Ações Civis Originárias (ACO) que colocam em risco a demarcação dos territórios tradicionais indígenas e o futuro desses povos. As ACOs 362 e 366, ajuizadas pelo Estado do Mato Grosso em face da União Federal e da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, tratam, respectivamente, da demarcação da área referente ao Parque Nacional do Xingu e de pretensa indenização por desapropriação de terras incluídas nas Reservas Indígenas Nambikwára e Parecis e das áreas a elas acrescidas. Já a ACO 349 foi apresentada pela FUNAI em face do Estado do Rio Grande do Sul (RS) e pretende a declaração de nulidade dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo governo do RS incidentes sobre área indígena ocupada por índios Kaingang, bem como a retorno deste povo na  posse das referidas terras.

Comissão

Para a comissão de pesquisadores/as da UNB, o argumento sobre o  marco temporal foi vencido na Constituinte, havendo impossibilidade de revisão pelos poderes constituídos. Sustentam que é necessário atentar para as formas concretas da ocupação tradicional, uma vez que, na ausência dos instrumentos metodológicos adequados, elas se tornam invisíveis sob o peso de conceitos de desenvolvimento da forma como a sociedade nacional a concebe.  Argumentam, ainda,  que a ocupação tradicional está fundada na memória em que se entrelaçam valores morais, conhecimento ecológico, regras sociais, que é por sua vez reiterada prática e narrativamente nas formas concretas e coletivas de habitação e uso.

Assim, conforme os pesquisadores, a autodeclaração é um direito fundamental e se entrelaça à  memória e a história, e não podem ser fraudadas, tornando o receio estatal vazio de evidência empírica. Sustentam ainda que negar a autodeclaração como critério para a  titulação das terras remanescentes de quilombos é negar a normatividade da Constituição de 1988 e da Convenção OIT n. 169/1989 relativamente ao que consagra sobre os seus direitos culturais e territoriais.  Da mesma maneira, em relação aos povos indígenas, restringir o direito às terras que tradicionalmente ocupam é, por consequência, negar o direito a identidade étnica, da qual a  autodeclaração é o ato que a exterioriza. As implicações são, aqui sim, concêntricas.

Juntamente com o memorial foi elaborado um dossiê com as principais referencias de pesquisas, entre livros e artigos científicos, sobre os assuntos em discussão, na área das ciências sociais, ciências jurídicas e ciências humanas, que será disponibilizado aos Movimentos Indígena e Quilombola e aos membros do Poder Judiciário.

O documento é assinado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo (LAEPI) do Departamento de Estudos Latino-Americanos (ELA)/UnB; pelo Laboratório de Antropologias da T/Terra (T/Terra) do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/DAN/ UnB e pelo Grupo de Pesquisa em Direitos Étnicos (MOITARÁ) da Faculdade de Direito/UnB.

“Nós já estamos morrendo através do marco temporal”

Em Brasília, as mobilizações do Dia Internacional dos Povos Indígenas, 9 de agosto, foram encerradas com uma grande reza Guarani e Kaiowá em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os indígenas estão preocupados com o risco da corte adotar a tese do marco temporal em julgamentos sobre demarcação de terras indígenas no dia 16 de agosto. Os Guarani e Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, são um dos povos que podem ser mais duramente afetados por esta medida.

Saiba mais sobre a campanha Nossa história não começa em 1988

Veja o mapa das mobilizações do Dia Internacional dos Povos Indígenas

“Esse marco temporal é um assassino para nós, povos indígenas. Por isso que estamos aqui, para pedir para os ministros para não aprovar isso”, afirma Leila Rocha Guarani Nhandeva, liderança do tekoha Yvy Katu/Porto Lindo.

Leila integra a delegação de Guarani e Kaiowá que, junto a indígenas dos povos Kaingang, Jaminawa, Apolima-Arara e Apurinã, participou de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) para debater as recomendações recebidas pelo Brasil na Revisão Periódica Universal (RPU) da Organização das Nações Unidas (ONU). Em maio, 29 países manifestaram preocupação com violações de direitos indígenas por parte do Estado brasileiro.

Apesar de terem sido convidados para a atividade, os indígenas foram barrados pela segurança, que não queria permitir o ingresso com maracás, e esperaram muito tempo até terem sua entrada liberada, numa situação que já se tornou praxe em Brasília. Ao fim da audiência, todos se juntaram aos rezadores Guarani e Kaiowá que já faziam um ritual em frente ao STF.

“Esperamos que aqueles onze ministros pensem para assinar esse papel contra a raiz deles. Se precisar, eu me ajoelharia na frente da ministra Cármen Lúcia, pedindo por favor para não aprovar esse marco temporal”, afirma Leila, explicitando a preocupação dos Guarani e Kaiowá com a possibilidade de que os ministros do STF adotem a tese do marco temporal nos julgamentos do dia 16 de agosto, quando a corte deverá julgar, em plenário, três ações envolvendo a demarcação de terras indígenas.

Os indígenas estão mobilizados em todo o país contra a adoção desta tese, defendida pelos ruralistas, segundo a qual os indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 1988.

“Antes [de 1988], nós fomos expulsos dos nossos tekoha [lugar onde se é]. Nós fomos trazidos numa reserva, que é um chiqueiro. Porque a gente não está cabendo mais. Por isso que nós, indígenas Guarani Kaiowá, estamos saindo daquele chiqueiro e indo novamente cada um pro seu tekoha”, reage a liderança Guarani. “Nós sabemos onde morreu nosso antepassado, nosso tataravô, nosso bisavô, nosso pai. Nós estamos indo de novo lá e lá nós vamos morrer”.

A morte, para os Guarani e Kaiowá, não é apenas uma figura de linguagem. Dos 891 assassinatos de indígenas entre 2003 e 2015, 426, quase a metade, ocorreram no Mato Grosso do Sul. A perspectiva de não demarcação de suas terras, uma consequência direta da aprovação do marco temporal, traz o risco do agravamento dos conflitos e da violência.

“Através daquele marco temporal, nós já estamos morrendo bastante. Indígena que morre pela mão do ruralista não foi punido até hoje. Então, esse marco temporal para nós é um assassino de verdade”, lamenta Leila.

Sua preocupação reflete o processo de judicialização generalizada de processos de demarcação de terras indígenas, por parte de fazendeiros, que já ocorre naquele estado. “O marco temporal ainda não foi consolidado, mas já está valendo como lei no Mato Grosso do Sul”, explica Eliseu Lopes Guarani Kaiowá.

Mesmo contrariando o STF, que ainda não tem uma posição definitiva sobre o assunto, muitas demarcações estão sendo suspensas em primeira e segunda instâncias da Justiça com base nesta tese. É o caso da Terra Indígena (TI) Dourados-Amambaipeguá I, dentro da qual ocorreu o massacre de Caarapó, em junho de 2016, e cuja demarcação foi suspensa em fevereiro de 2017 pela Justiça Federal, em primeira instância.

A própria TI Yvy Katu/Porto Lindo, no município de Japorã (MS), onde vive Leila, chegou a ter sua demarcação questionada na Justiça, com base no marco temporal, por um fazendeiro que pedia a suspensão do processo demarcatório, alegando que os indígenas não estavam de posse da área em 5 de outubro de 1988. O recurso foi rejeitado pelo pleno do STF em 2016, num importante precedente contra o marco temporal.

O tekoha também não escapa da realidade de violência e vulnerabilidade vivenciados pelos Guarani e Kaiowá em todo o Mato Grosso do Sul. No início de agosto, dois corpos foram encontrados enterrados na fazenda Dois Irmãos, no município de Iguatemi, próxima de Yvy Katu, e identificados pelos indígenas como pertencentes a Gabriel Martins e Fabio Vera, desaparecidos da área há mais de um ano.

Apesar da situação de confinamento em áreas diminutas, são recorrentes os discursos ruralistas de que os indígenas querem demarcar o Mato Grosso do Sul inteiro. “Eu sei que o Mato Grosso do Sul inteiro é nosso, mas nós não queremos todo. Nós queremos só um pedacinho de terra, nossos tekoha”, rebate Leila Guarani.

Em frente ao STF, os rezadores e rezadoras permaneceram concentrados, executando suas rezas e cantos até o sumiço dos últimos raios de sol. O marco temporal representa, para os indígenas, algo muito mais grave e muito mais profundo do que uma simples tese política.

O pássaro pousa nos galhos da árvore, explica Leila, mas para que eles possam servir de pousada, a árvore precisa ter raízes firmes. “Nós somos a raiz de vocês. Se nós morrermos, vocês também vão morrer, porque nós somos a raiz”, prevê. Com semblante sério, a indígena questiona: “Dia 16 vai ser o julgamento aqui. Se for aprovado, quem vai se responsabilizar por essas crianças que vão ficar órfãs?”

Povos indígenas mobilizam-se em todo o país contra retrocessos

Confira mapa com as manifestações realizadas em pelo menos nove estados

O Dia Internacional dos Povos Indígenas (09/08) foi marcado por mobilizações de povos em pelo menos nove estados. Em marchas, encontros, audiências e aulas públicas, os indígenas manifestaram repúdio à tese do marco temporal, segundo a qual só teriam direito à terra os povos que estivessem nelas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Existe o perigo de adoção desta ideia – que ignora violências cometidas contra os povos indígenas e é inconstitucional – em julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) marcados para o dia 16 de agosto. As manifestações também tiveram como pauta a luta contra os retrocessos impostos recorrentemente pelo governo Temer aos direitos originários dos povos. Saiba mais sobre a ameaça do marco temporal e conheça a campanha Nossa história não começa em 1988.

Se você participou das mobilizações e tem informações e imagens, compartilhe com a gente para serem incluídas no mapa. Veja o mapa aqui.

Imagem Mapa

Indígenas, juristas e antropólogos unem vozes contra o marco temporal

Atividades realizadas em Brasília e São Paulo também abordaram retrocessos promovidos pelo atual governo contra os direitos indígenas

Audiência pública no Senado Federal e ato-debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) reuniram falas importantes na defesa do direito originário dos povos indígenas aos seus territórios. As atividades foram realizadas ao longo desta terça (08) e fazem parte da agenda nacional de mobilizações contra a tese do marco temporal e os retrocessos impostos aos direitos indígenas pelo governo Temer. Até o dia 16 de agosto, são esperadas novas mobilizações e atividades em todo o Brasil.

Saiba mais sobre a agenda da semana e sobre a campanha Nossa história não começa em 1988! 

“Se for aprovado o marco temporal, vai ser aprovada o massacre, o derramamento de sangue, o genocídio, a expulsão e os ataques paramilitares que estamos sofrendo em nossas bases”, alertou Eliseu Lopes Guarani Kaiowá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), no Senado. “Nossa história não começa em 1988! Estamos lutando pelo nosso território”, completou.

O marco temporal estabelece que só teriam direito à demarcação os povos que estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Assim, ignora o histórico de remoções forçadas e outras violências sofridas ao longo de séculos pelos povos indígenas. A tese pode ser adotada em julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) marcados para o dia 16 de agosto. Saiba, no fim da notícia, quais são as ações em jogo no Supremo.

Audiência pública Senado Federal - Mídia Ninja
Eliseu Lopes Guarani Kaiowá fala durante audiência pública no Senado. Foto: Mídia Ninja.

“O marco temporal é inconstitucional. Na Constituição são reconhecidos os nossos direitos originários. A gente vem gritando, lutando para que as pessoas entendam essa questão”, afirmou Tiago Honório dos Santos, professor, membro da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e morador da Terra Indígena Tenondé Porã, em Parelheiros (SP). Ele esteve presente no ato-debate realizado na USP.

“O argumento [do marco temporal] é absolutamente insustentável e falho em sua própria base”, disse na audiência do Senado Luciano Mariz Maia, coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6CCR/MPF). Ele acrescentou que o STF tem a responsabilidade de garantir as terras aos povos indígenas independente de data e lembrou do Parecer da Advocacia Geral da União (AGU) assinado por Temer, em julho, obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o marco temporal, além de vedar a ampliação de terras já demarcadas: “O que temos é uma organização do Estado incapaz de garantir o direito dos índios à sua terra sem turbação, sem violência, e o Estado brasileiro sendo deficiente no seu dever de demarcar as terras indígenas”.

A presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Lia Zanotta, destacou que o marco temporal “apaga e invisibiliza a ocupação das terras originárias dos povos indígenas porque as populações originárias foram levadas a expulsões, a realocamentos”. Zanotta lembra que o próprio Estado brasileiro promoveu várias destas expulsões. Ela também participou da audiência pública no Senado Federal.

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha afirmou, na USP, que o momento atual é marcado por “um presidente que não liga a mínima para a sua popularidade e que é capaz de fazer qualquer negócio para evitar tudo que lhe cai em cima e, com isso, o agronegócio está levando todas”. Nas palavras da antropóloga, o marco temporal é uma “doutrina completamente inventada e falaciosa”.

Evento USP 2 - Mídia Ninja
Ato-debate na Faculdade de Direito da USP reuniu indígenas, quilombolas, juristas e antropólogos. Foto: Mídia Ninja.

A pauta quilombola também fez parte do debate na USP. No dia 16, também haverá o julgamento pelo STF de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) visando derrubar o Decreto 4.887/2003, que regula a titulação de quilombos no país. A ação foi proposta pelo Partido Democratas (DEM). No julgamento, também existe o risco de adoção do marco temporal. “Titular terra indígena, titular terras de quilombos, essas terras ficam para as futuras gerações das comunidades. Votar pelo marco temporal é um voto racista. A pretensão da ADI é uma pretensão racista”, criticou Oriel Rodrigues de Moraes, assessor jurídico da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

A audiência pública no Senado está disponível na íntegra no link: https://www.youtube.com/watch?v=QpbZYvrYkwM

Entenda as ações no STF
A ACO 362, primeira na pauta, foi ajuizada nos anos 1980 pelo estado de Mato Grosso (MT) contra a União e a Funai, pedindo indenização pela desapropriação de terras incluídas no Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. O estado de Mato Grosso defende que não eram de ocupação tradicional dos povos indígenas, mas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a tradicionalidade da ocupação indígena no PIX, contrariando o pedido do estado de MT.

Já a ACO 366 questiona terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e também foi movida pelo estado do Mato Grosso contra a Funai e a União. Semelhante à 362, ela foi ajuizada na década de 1990, pede indenização pela inclusão de áreas que não seriam de ocupação tradicional indígena. Neste caso, a PGR também defende a improcedência do pedido do estado do MT.

A última que será julgada no dia 16 é a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang. Movida pela Funai, ela pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo governo do Rio Grande do Sul nesta terra, conforme exige a Constituição. A ação é simbólica dos riscos trazidos pela tese do “marco temporal”: durante a política de confinamento dos indígenas em reservas diminutas, os Kaingang foram expulsos de sua terra tradicional, à qual só conseguiram retornar após a Constituinte, com a demarcação realizada somente na década de 1990. Sem relator, a ação tem parecer da PGR favorável aos indígenas e está com pedido de vistas da ministra Carmen Lúcia, que deve ser a primeira a votar.

Semana de lutas: indígenas em todo o Brasil mobilizam-se contra o Marco Temporal

Em intensa agenda de atividades até o dia 16 de agosto, povos indígenas unem-se contra a tese que ameaça o direito constitucional à terra

O dia 16 de agosto é decisivo para os povos indígenas, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará ações que podem influenciar a demarcação de terras indígenas em todo o país. Existe a ameaça de que o STF adote, nos julgamentos, a tese do Marco Temporal, segundo a qual só teriam direito à terra os povos que lá estivessem em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Até o dia do julgamento, indígenas de todo o país estarão mobilizados em Brasília para sensibilizar os ministros a não legitimarem a violência historicamente cometida contra suas comunidades. Também são previstas ações em todos os estados.

Saiba mais sobre a campanha Nossa história não começa em 1988! #MarcoTemporalNão!

Confira abaixo as atividades previstas para esta semana, que incluem mobilizações, audiências públicas, atos e debates e se articulam com as ações da campanha “Nossa história não começa em 1988”:

 

07 de agosto

  • Diálogo sobre o tema Os povos indígenas no contexto de violação de direitos humanos no Brasil, às 19h, no Auditório Dom José Freire Falcão, anexo da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, no Eixo Monumental de Brasília (DF). O evento é promovido pela Comissão de Justiça e Paz de Brasília e contará com a participação de Eliseu Lopes Guarani Kaiowá, membro do Conselho da Aty Guasu e da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e de Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Acompanhe o evento no facebook

 

08 de agosto

  • Audiência pública, às 9h30, na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal para debater a situação dos direitos indígenas no Brasil. A audiência terá participação de Eliseu Lopes Guarani Kaiowá, da Apib; Lia Zanotta, presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA); Luciano Maia, coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF); e  Lucas Cabette Fábio, Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Comunidades Indígenas da Defensoria Pública da União (DPU).

 

  • Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) acontece, às 11h, o ato-debate “Direitos indígenas e quilombolas sob ataque”, com a presença de Tiago Honório dos Santos, da Comissão Guarani Yvyupa (CGY); Oriel Rodrigues de Moraes, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais; Quilombolas (CONAQ); Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga (FFLCH/USP); Samuel Barbosa, jurista (FD/USP); e José Maurício Arruti, antropólogo (IFCH/Unicamp). Acompanhe o evento no facebook

 

09 de agosto

  • No Dia Internacional dos Povos Indígenas, ao longo de todo o dia, serão realizadas mobilizações em todos os estados contra o marco temporal. Veja a convocatória da APIB 

 

  • Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) na Câmara dos Deputados, Anexo II, Plenário 09, às 14h, sobre as recomendações recebidas pelo Brasil na Revisão Periódica Universal (RPU) da Organização das Nações Unidas (ONU), quando 29 países manifestaram preocupação com violações de direitos indígenas no país. Atividade terá participação de Akemi Kamimura, representante do Ministério dos Direitos Humanos; Dra. Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal; Pedro Saldanha, Chefe da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores; Darci Frigo, Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos; e Fernanda Lapa, Secretária-Executiva do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa.

 

  • No município de Guaíra, Oeste do Paraná, às 10h, a Comissão Guarani Yvyrupa lança “Guaíra & Terra Roxa – Relatório sobre Violações de Direitos Humanos contra os Avá Guarani do Oeste do Paraná”. O relatório reúne depoimentos coletados entre 2015 e 2017 nas 14 aldeias da região. Após o lançamento, os membros das comunidades seguirão em ato para protocolar o documento nos órgãos responsáveis no centro de Guaíra.

 

10 de agosto

  • Audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado, às 9h30, sobre direitos territoriais dos povos quilombolas, que também estão em jogo nos julgamentos do dia 16 de agosto, inclusive com possibilidade de utilização da tese do marco temporal. A agenda do evento ainda está sendo fechada.

 

11 de agosto

  • Aula Magna e Ato na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, às 14h. A atividade é aberta ao público e terá participação de indígenas, quilombolas e juristas para discutir o contexto de ameaças aos direitos, com foco nos julgamentos do STF. Também haverá apresentações culturais de indígenas e quilombolas. São confirmadas participações de representantes da APIB, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), além dos juristas José Geraldo de Sousa Junior (FD/UnB), Ela Wiecko Wolkmer de Castilho (PGR/MPF e FD/UnB), Deborah Duprat (PFDC), Luciano Mariz Maia (6ª CCR/MPR), Anginaldo Oliveira Vieira (DPU-Defensor Nacional de Direitos Humanos) e Dalmo de Abreu Dalari (USP). Veja o evento no facebook

 

Entenda as ações no STF
A ACO 362, primeira na pauta, foi ajuizada nos anos 1980 pelo estado de Mato Grosso (MT) contra a União e a Funai, pedindo indenização pela desapropriação de terras incluídas no Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. O estado de Mato Grosso defende que não eram de ocupação tradicional dos povos indígenas, mas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a tradicionalidade da ocupação indígena no PIX, contrariando o pedido do estado de MT.

Já a ACO 366 questiona terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e também foi movida pelo estado do Mato Grosso contra a Funai e a União. Semelhante à 362, ela foi ajuizada na década de 1990, pede indenização pela inclusão de áreas que não seriam de ocupação tradicional indígena. Neste caso, a PGR também defende a improcedência do pedido do estado do MT.

A última que será julgada no dia 16, é a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang. Movida pela Funai, ela pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo governo do Rio Grande do Sul nesta terra, conforme exige a Constituição. A ação é simbólica dos riscos trazidos pela tese do “marco temporal”: durante a política de confinamento dos indígenas em reservas diminutas, os Kaingang foram expulsos de sua terra tradicional, à qual só conseguiram retornar após a Constituinte, com a demarcação realizada somente na década de 1990. Sem relator, a ação tem parecer da PGR favorável aos indígenas e está com pedido de vistas da ministra Carmen Lúcia, que deve ser a primeira a votar.

Indígenas fazem ato em frente ao STF contra marco temporal

Por Tiago Miotto, da assessoria de comunicação Cimi

Cerca de 60 indígenas Pataxó, da Bahia, Puruborá, Kassupá e Tupari, de Rondônia, e Xokleng, de Santa Catarina, realizaram um ato em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quinta (3). O ato marcou o lançamento da campanha “Nossa história não começa em 1988”, com a qual o movimento indígena e entidades de apoio da sociedade civil pretendem sensibilizar os ministros e a população em favor dos direitos originários dos povos indígenas e contra a possibilidade de consolidação da tese do chamado “marco temporal”.

Saiba mais sobre a campanha Nossa história não começa em 1988! #MarcoTemporalNão

Segundo esta tese inconstitucional, defendida pela bancada ruralista, os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988. A adoção do marco temporal poderia inviabilizar a demarcação de muitas terras indígenas em todo o país.

No dia 16 de agosto, o STF julgará três Ações Civis Originárias (ACOs) referentes à demarcação de terras indígenas, e o marco temporal pode voltar à discussão na corte. Por isso, as decisões dos ministros sobre as ACOs envolvendo o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para o futuro dos povos em todo o país.

“A gente vem de longe, passando dificuldade na estrada, para vir aqui reivindicar um direito que é nosso. Nós não devíamos nem estar aqui. Essa tese do marco temporal vem afetar diretamente nossas comunidades, nossos direitos. Nossos anciões estão sofrendo muito com essa possibilidade da Justiça tirar o nosso direito”, afirma Currupixá Pataxó, cacique da aldeia Xandó, na Terra Indígena (TI) Barra Velha, extremo sul da Bahia.

Enquanto um grupo de indígenas protocolava documentos em defesa de seus direitos constitucionais nos gabinetes dos ministros, pedindo ao STF que julgue os casos de acordo com a Constituição Federal e não com o marco temporal, outro grupo de indígenas realizava um toré do lado de fora, dançando e cantando em frente à entrada principal do prédio e à estátua que representa a Justiça.

Recentemente, o presidente Michel Temer assinou um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) determinando aos órgãos do Executivo determinando a adoção das condicionantes do caso Raposa Serra do Sol em todos os processos administrativos envolvendo terras indígenas. O acórdão, que o próprio STF definiu que não se estenderia a outras terras, proíbe a revisão de limites de áreas demarcadas abaixo de seu tamanho real – o que os ruralistas chamam equivocadamente de “ampliação” – e estabelece o marco temporal como regra para as demarcações.

O parecer da AGU fez parte do grande leilão de Temer para garantir votos na Câmara dos Deputados e se livrar da acusação de corrupção passiva feita pela Procuradoria-Geral da República. Após a negociação com Temer, a bancada ruralista cumpriu sua parte do acordo e teve grande peso na votação desta quarta (2), em que Temer acabou livre da investigação pelo STF e do afastamento da Presidência.

“A gente sabe que a bancada ruralista aqui em Brasília tem um poder muito grande e junto com o governo estão querendo tirar o nosso direito. Não é justo, porque nós não somos invasores. Somos donos das nossas terras”, complementa Currupixá Pataxó.

“Esse marco temporal dá a possibilidade dos fazendeiros invadirem as terras que estão demarcadas, e das que não estão demarcadas não serem nunca. Ele vai trazer muita violência dentro das terras indígenas. Pedimos que o STF enterre essa tese de vez, porque para nós é uma coisa muito grave”, afirma Hozana Puruborá, liderança indígena de Rondônia.

Foto: Hugo Paiva / CTI

Na prática, o marco temporal anistia as violências cometidas contra os povos até o dia 04 de outubro de 1988, incluindo políticas de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões especiais. Sua consolidação significaria aos invasores um sinal de que o Estado brasileiro não pune o esbulho de terras indígenas.

“O marco temporal viola nossos direitos originários. É um mecanismo para que o Estado brasileiro não cumpra com o seu dever de fazer a reparação dos danos causados aos povos indígenas”, avalia José Luís Kassupá, liderança indígena de Rondônia e coordenador executivo da Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso do Sul e Sul do Amazonas (Opiroma).

“Além disso, o marco temporal legaliza as invasões dentro das terras indígenas. É o caso do estado de Rondônia, onde tem loteamentos feito dentro de terras demarcadas, e o marco temporal vem legitimar isso”, prossegue. “Mais de 30 anos que estamos lutando, e o marco temporal desconsidera isso. Nós, povos indígenas, temos que nos unir para conscientizar o Supremo para que não aprove o marco temporal, pois se aprovar, estará apagando a história dos povos indígenas no Brasil”.

Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

“Estamos vivendo numa situação muito difícil lá no Mato Grosso do Sul por causa da não demarcação das nossas terras. Nós vivemos de violência, de massacre, sendo expulsos de nossas terras por causa deste marco temporal, que não está valendo como lei mas que na prática está funcionando”, afirmou para a ministra Rosa Weber, em audiência durante o Acampamento Terra Livre, o Guarani Kaiowá Elizeu Lopes, do conselho da Aty Guasu e da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

O ato desta quinta foi a primeira de uma série de mobilizações e atividades previstas para as próximas semanas, passando pelo Dia Internacional dos Povos Indígenas, 9 de agosto, até os julgamentos do dia 16

Luiz Eloy Terena: #MarcoTemporalNão!

O Supremo Tribunal Federal julgará, no dia 16 de agosto, ações sobre a demarcação de terras indígenas. A mais alta corte do país não pode legitimar o genocídio e as violações históricas cometidas contra os povos indígenas. Participe desta luta e diga você também: #MarcoTemporalNão.

Saiba mais sobre a campanha “Nossa história não começa em 1988”

“Estamos mobilizados para que o STF, enquanto guardião da Constituição Federal, faça valer o direito dos povos indígenas, esse direito sagrado que não pode ser mitigado em nome de interesses econômicos e políticos”, afirma Luiz Henrique Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

#NossoDireitoéOriginário

Nossa história não começa em 1988 #MarcoTemporalNão

O STF não pode legitimar o genocídio e as violações cometidas contra os povos indígenas no último século. Participe desta luta e diga você também: #MarcoTemporalNão. A história dos povos indígenas não começou em 1988 e não pode ser interrompida!

No dia 16 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará três ações que podem ser decisivas para os povos indígenas no Brasil. As decisões dos ministros sobre o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para as demarcações em todo o país. Por isso, os indígenas reforçam, a partir de hoje, uma série de mobilizações por seus direitos.

Uma das principais bandeiras dos grupos interessados em limitar os direitos territoriais indígenas, com forte representação no Congresso Nacional e no governo federal, tem sido o chamado “marco temporal” – uma tese político-jurídica inconstitucional, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988. Os ruralistas querem que o ‘marco temporal’ seja utilizado como critério para todos os processos envolvendo TIs, o que inviabilizaria a demarcação de terras que ainda não tiveram seus processos finalizados.

Em meio às negociações de Temer para evitar seu afastamento da presidência, os ruralistas do Congresso conseguiram emplacar sua pauta no governo federal. Temer assinou, em julho, um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o “marco temporal” e a vedação à revisão dos limites de terras já demarcadas – inclusive visando influenciar o STF.

Na prática, o marco temporal legitima e legaliza as violações e violências cometidas contra os povos até o dia 04 de outubro de 1988: uma realidade de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões. Aprovar o “marco temporal” significa anistiar os crimes cometidos contra esses povos e dizer aos que hoje seguem invadindo suas terras que a grilagem, a expulsão e o extermínio de indígenas é uma prática vantajosa, pois premiada pelo Estado brasileiro. A aprovação do marco temporal alimentará as invasões às terras indígenas já demarcadas e fomentará ainda mais os conflitos no campo e a violência, já gritante, contra os povos indígenas.

Afirmar que a história dos povos indígenas não começa em 1988 não significa, como afirmam desonestamente os ruralistas, que eles querem demarcar o Brasil inteiro. Os povos indígenas querem apenas que suas terras tradicionais sejam demarcadas seguindo os critérios de tradicionalidade garantidos na Constituição – que não incluem qualquer tipo de “marco temporal”!

Por isso o movimento indígena e as organizações de apoio aos povos na sociedade civil pedem a revogação imediata do Parecer 001/2017 da AGU e diz: Marco Temporal Não!

Entenda as ações no STF
A Ação Civil Originária (ACO) 362, primeira na pauta, foi ajuizada nos anos 1980 pelo Estado de Mato Grosso (MT) contra a União e a Funai, pedindo indenização pela desapropriação de terras incluídas no Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. O Estado de Mato Grosso defende que não eram de ocupação tradicional dos povos indígenas, mas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a tradicionalidade da ocupação indígena no PIX, contrariando o pedido do Estado de MT.

Já a ACO 366 questiona terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e também foi movida pelo Estado do Mato Grosso contra a Funai e a União. Semelhante à 362, ela foi ajuizada na década de 1990, pede indenização pela inclusão de áreas que, de acordo como o Estado de MT, não seriam de ocupação tradicional indígena. Neste caso, a PGR também defende a improcedência do pedido do Estado de MT.

A última que será julgada no dia 16, é a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang. Movida pela Funai, ela pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo Estado do Rio Grande do Sul sobre essa terra. A ação é simbólica dos riscos trazidos pela tese do “marco temporal”: durante a política de confinamento dos indígenas em reservas diminutas, os Kaingang foram expulsos de sua terra tradicional, à qual só conseguiram retornar após a Constituinte, com a demarcação realizada somente na década de 1990. Desde então, a Terra Indígena Ventarra está homologada administrativamente e na posse integral dos Kaingang. Sem relator, a ação tem parecer da PGR favorável aos indígenas e está com pedido de vistas da ministra Cármen Lúcia, que deve ser a primeira a votar.