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TRF-4 estipula prazo para despejo de comunidade Guarani em Itaipulândia, no Oeste do PR

“As famílias não tem mais para onde ir. Para nós, o melhor seria esperarmos onde estamos até finalizar a demarcação”, diz cacique

Por Rafael Nakamura, da Assessoria de Comunicação – CTI

Em decisão assinada pela desembargadora Marga Barth Tessler, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), manteve decisão que determinou a remoção forçada da comunidade guarani da aldeia Yva Renda, no município de Itaipulândia, no Oeste do Paraná, caso os indígenas não saiam voluntariamente até o dia primeiro de junho.

“As famílias não tem mais para onde ir. Para nós, o melhor seria esperarmos onde estamos até finalizar o processo de demarcação”, diz o cacique Oscar Benites Lopes.

Segundo o cacique são 15 famílias, num total de 79 pessoas que poderão ficar desabrigadas, sendo 13 crianças e 7 idosos com idade avançada.

“As crianças estão matriculadas nas creches e nas escolas de Itaipulândia, não sabemos o que vamos fazer”, lamenta o cacique.

O pedido de reintegração de posse contra a comunidade foi feito na justiça pela Itaipu Binacional, em área reivindicada pelo povo Guarani como terra de ocupação tradicional. Na região dos municípios de Itaipulândia e Santa Helena cinco áreas ocupadas pelos Guarani correm risco de sofrer reintegrações de posse movidas pela Itaipu.

A comunidade da aldeia Yva Renda está em uma área próxima de florestas remanescentes do lago formado pelo reservatório da Usina Hidrelétrica (UHE) Itaipu. A área recebeu visita de uma diligência da Fundação Nacional do Índio que ficou responsável por elaborar um laudo para subsidiar o processo na justiça federal. A Funai ouviu  imigrantes alemães que chegaram na região antes da formação dos lagos da Itaipu e que na época se estabeleceram em áreas vizinhas às aldeias Guarani que já existiam na região. Os imigrantes que atualmente dispõem de propriedade agrícolas às margens do lago da Itaipu reconhecem a existência de aldeias que foram submersas pelo alagamento causado pela Itaipu.

A área é reivindicada pelo povo Guarani como Terra Indígena tradicionalmente ocupada. A Funai já designou um grupo de trabalho, que está em campo desde o dia 6 de maio, para os estudos de demarcação, mas a decisão da desembargadora Marga Barth Tessler vai no sentido oposto à decisão tomada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal na qual o ministro Dias Toffoli suspendeu as reintegrações de posse, também movidas pela Itaipu, contra as aldeias Pyahu, e Curva Guarani, em Santa Helena-PR.

A desembargadora justifica a manutenção da decisão contrária à comunidade da aldeia Yva Renda por considerar a área patrimônio da Itaipu Binacional, afirmando que os Avá-Guarani seriam invasores. A decisão não menciona que o direito sobre a área em questão é reivindicada por comunidades indígenas pelo fato do povo Guarani ter sido obrigado a abandonar suas aldeias no período de construção da UHE Itaipu, entre 1975 e 1982, quando diversas áreas foram alagadas.

“Até mesmo o pessoal da reserva comprada está reclamando pedindo para aumentar a área porque lá também não tem mais espaço”, comenta Oscar

No último mês, a Procuradoria Geral da República divulgou estudo que aponta a necessidade do reconhecimento público por parte da Itaipu de que violou os direitos territoriais dos Guarani. Elaborado por um grupo de trabalho do Ministério Público Federal (MPF), o relatório revelou fraudes que tornaram a presença guarani na região invisível, fazendo com que as comunidades indígenas fossem excluídas dos processos de reassentamento e reparação.

No período de construção da UHE Itaipu, os interesses da empresa eram respaldados pela Funai e Incra, então órgãos do governo militar. Tanto a Itaipu Binacional, como Funai e Incra eram presididos por militares e a obra era estratégica para o governo na ditadura.

Os indígenas reclamam nunca terem sido devidamente compensados e exigem a demarcação de suas terras tradicionais, já que a Itaipu comprou apenas três pequenas áreas para reassentamento. Estima-se que dezenas de aldeias foram inundadas pelas obras da Itaipu.

“Até mesmo o pessoal da reserva comprada está reclamando pedindo para aumentar a área porque lá também não tem mais espaço”, comenta Oscar

Em documento entregue ao MPF, os Guarani pedem que a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, os represente nas negociações com a Itaipu. O pedido está sendo avaliado pela PGR que também atua em inquérito civil que investiga as violações por parte da empresa.

 

Ministério da Agricultura trava orçamento e paralisa demarcação de terras indígenas

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Entre janeiro e abril deste ano, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) não gastou nenhum centavo do orçamento de R$ 11.300.000 destinado à Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas.

Ficou no zero também a execução do Ministério da Agricultura para a ação Gestão Ambiental e Etnodesenvolvimento, que teve como dotação inicial R$ 1.486.108. O Mapa, com isso, trava o orçamento paralisando a demarcação territorial.

No atual governo, em quatro meses, nenhuma terra indígena foi identificada, declarada ou homologada conforme as checagens diárias realizadas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Instituto Socioambiental (ISA). Do total de terras indígenas do país, 40,86% estão sem quaisquer providências administrativas e 13,42% em processo de identificação (Cimi, 2018).

Para a ação de Regularização, Demarcação e Fiscalização das Terras Indígenas, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos tem previsão de R$ 22.822.252 para 2019, empenhou R$ 3.333.516 (14,61%), liquidou R$ 1.206.677 (5,29%) e pagou apenas R$ 982.971 (4,31%).

Na ação Gestão Ambiental e Etnodesenvolvimento, a previsão é de R$ 16.664.745 para 2019, mas em quatro meses só foram liquidados R$ 321.116 (1,93%). A execução dos recursos consta nos relatórios do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop) do governo federal, atualizado periodicamente.

O Mapa tem como ministra a ruralista Tereza Cristina (DEM/MS), egressa e indicada da bancada ruralista no Congresso Nacional

Os recursos destinados por Projeto de Lei Orçamentária ao Programa de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas, gerido pelos ministérios da Saúde, Agricultura e da Mulher, têm dotação atual de R$ 1.486.710.241. Até o final de abril foram empenhados R$ 894.374.455 (60,16%), liquidados R$ 483.739.411 (32,54%) e pago R$ 436.113.824 (29,33%).

Liderança Guarani acompanha audiência no Senado Federal sobre MP 870. Crédito da Foto: Andressa Zumpano/MNI

“O projeto político em prol dos povos indígenas, neste governo, é esse”, analisa a liderança indígena Dinamã Tuxá, da coordenação executiva da Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “São quatro meses assim em um governo genocida que tem quatro anos pela frente”, completa.

Dinamã Tuxá ressalta a possibilidade do aumento dos conflitos fundiários. “Quando não há tramitação dos processos, os envolvidos na disputa não têm o Estado como mediador e garantidor dos direitos. Quem sempre leva a pior é o povo indígena”, diz.

A liderança lembra ainda da política de liberação de armas do atual governo e da recente declaração do presidente Jair Bolsonaro de isentar de punição o proprietário rural que atirar em invasor. A medida seria proposta por um Projeto de Lei a ser enviado para a Câmara Federal.

Ou seja, sem demarcação e com liberdade para quaisquer pessoas que se julgam proprietárias de áreas em terras indígenas atirarem em seus verdadeiros donos. “Para completar, o governo não sinaliza pro diálogo, pra minimizar essa situação violenta. Bolsonaro permanece no discurso anti-indígena, genocida”, lamenta.

STF pode intervir

O orçamento travado e a consequente ausência completa de publicações de identificação e delimitação, relatórios circunstanciados ou homologação de terras podem repercutir em recente decisão do ministro Luiz Roberto Barroso, no Supremo Tribunal Federal (STF).

Conforme a Medida Provisória (MP) 870, que reorganizou a estrutura administrativa do Poder Executivo, o procedimento de demarcação das terras indígenas passou a ser de responsabilidade do Ministério da Agricultura.

Já a Fundação Nacional do Índio (Funai), incumbida pelas demarcações desde o seu início até o final de 2018, foi desalojada do Ministério da Justiça e levada para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

A MP foi alvo de um pedido liminar na Corte Suprema movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). A agremiação pretendia com a ação suspender os artigos da medida, além dos decretos correlatos, relativos à retirada da Funai do Ministério da Justiça e a transferência das demarcações para a Agricultura.

Em seu julgamento, Barroso indeferiu o pedido liminar alegando que o Poder Executivo tem o direito de reorganizar seu desenho administrativo, o que foi feito por meio da MP e dos decretos. A reforma ministerial faria parte da “competência discricionária do Chefe do Executivo Federal” e, por si só, não afetaria os direitos indígenas, segundo Barroso.

No entanto, o ministro não julgou o mérito do pedido liminar e afirmou que caso o governo federal não execute as demarcações, paralisando-as, o STF poderá intervir. A ação, portanto, poderá ser retomada dentro do prazo regimental de um ano, a contar a partir do último dia 23 de abril.

“A União, por meio do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), está obrigada a promover tais demarcações, e a recusa em realizá-las efetivamente implicaria um comportamento inconstitucional”, disse o ministro em seu voto

Conforme Barroso, “a Constituição de 1988 garante aos povos indígenas o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, atribuindo à União o dever de demarcá-las (art. 231). Essa competência não é discricionária, mas vinculada, não estando sujeita a opções políticas”.

“Caso reste comprovado, no mundo real, que a transferência de atribuições promovida pela MP 870/2019 implicou a frustração das demarcações ou da garantia do usufruto dos índios à terra, estará justificada a intervenção deste Tribunal”, reforça a decisão.

Saúde indígena

A dotação orçamentária atual, destinada à saúde indígena é de R$ 1.3560.000.000, voltada para a Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena. Nestes primeiros quatro meses de 2019, o Ministério da Saúde liquidou R$ 477.612.564 (35,17%).

Para o Programa de Saneamento Básico em Aldeias Indígenas, a dotação atual é de R$ 50.600.000, sendo empenhados apenas R$ 9.400.657 (18,58%), e liquidados somente R$ 4.151.747 (8,21%).

O Ministério da Saúde, até o final do mês de abril, não havia colocado em dia o pagamento para as entidades que atuam, país afora, na saúde indígena. Profissionais estão sem receber desde janeiro, causando um verdadeiro caos nos Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena (DSEIs).

“O Mandetta (ministro da Saúde) vem sufocando o subsistema para quando lá na frente os indicadores não alcançarem as metas pactuadas, vai justificar como incompetência da Sesai para dizer que o modelo atual não dá certo”, afirmou Issô Truká para a imprensa da Mobilização Nacional Indígena (MNI) durante o 15o Acampamento Terra Livre (ATL).

Mobilizado em Brasília, movimento indígena quer impedir retrocessos do governo Bolsonaro

Por Mobilização Nacional Indígena 

Intenção de paralisar completamente a demarcação de terras indígenas, agora sob responsabilidade da ruralista Tereza Cristina no Ministério da Agricultura, saída da FUNAI da competência do Ministério da Justiça para o recém-criado Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, ameaça de municipalização da saúde, convocação da Força Nacional e nenhuma disponibilidade para diálogo.

No 15º ano, o Acampamento Terra Livre enfrenta um cenário ainda mais duro que nos anos anteriores. Jair Bolsonaro foi eleito com um discurso contra os povos indígenas, o que inclui mentiras divulgadas para todo o país por meio de suas redes sociais. Por isso, o 15º ATL ganha contornos ainda mais urgentes e a coletiva de imprensa que lançou a mobilização na tarde desta quarta (24) mostrou isso.

“Não vamos nos render às ameaças de governo autoritário algum. Estamos aqui para mostrar que os povos originários estão de pé”, declarou Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Apib, diante das câmeras e microfones da imprensa nacional e estrangeira.

Para Sônia, o governo Bolsonaro é uma tragédia na política indigenista, que sofreu um desmonte completo e o discurso do presidente, de “integrar” os povos, é o mesmo da ditadura, que matou pelo menos 8 mil indígenas de acordo com os dados da Comissão Nacional da Verdade.

“Lamento por quem se deixa enganar pela promessa de explorar os territórios. O bem viver só acontece se tivermos demarcação. Temos 5 séculos de experiência em resistência e vamos continuar resistindo. Queremos o direito de continuar sendo o que somos, com identidade preservada”, afirmou Sônia.

A coordenadora da Apib também se posicionou contra a MP 870 e a decisão do ministro Luiz Roberto Barroso de que ela não representa uma ameaça aos direitos indígenas, divulgada hoje.

Jornalistas e indígenas durante a coletiva de imprensa na abertura do ATL 2019. Foto: Mídia Ninja

Enfrentar as mudanças climáticas é uma luta de todos

Outra questão importante abordada para todo o mundo foi as mudanças climáticas, desprezadas tanto por Bolsonaro, que dispensou a possibilidade de o Brasil sediar a próxima COP, quanto por Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, que gosta de dizer que “isso é coisa para se preocupar daqui 500 anos”. Uma bobagem prontamente desmentida por Sônia, lembrando o papel fundamental dos povos indígenas em mitigar o aquecimento global e preservar a floresta.

“O problema climático não é marxista como o governo diz. Estamos gritando para que o mundo perceba isso. A sociedade precisa entender essa conexão. A causa é humanitária e civilizatória. A luta é de todos”, afirmou Sônia.

Mobilização internacional e permanente

As lideranças da Apib lembraram que, além do Brasil, mais de 12 países estão mobilizados prestando solidariedade aos povos indígenas, da América Central e dos EUA até a Ásia, o que torna o ATL uma das maiores mobilizações indígenas do mundo. Uma delegação do Brasil denunciou o governo Bolsonaro na ONU em fórum permanente sobre questões indígenas.

Desde o início de 2019 os povos originários do Brasil não dão trégua aos retrocessos anunciados por Bolsonaro: manifestações ocorreram em janeiro e em março por todo o país, clamando por nenhuma gota a mais de sangue indígena e obrigando o Ministério da Saúde a voltar atrás na sua intenção de municipalizar a saúde indígena.

Audiência com o presidente do Senado e agendas previstas

Mário Nicácio, da Coiab, ressaltou que os líderes da Apib se reuniram hoje com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que sinalizou um possível apoio na pauta tratada. No entanto, todas as tratativas com parlamentares não alteram em nada a mobilização, que conta com agendas no STF, na Câmara dos Deputados, com o governo do Distrito Federal e outros.

Confira a programação até sexta (26) e acompanhe as novidades no Facebook e Twitter.

Caso de repercussão geral no STF pode definir o futuro dos povos indígenas do Brasil

Por Mobilização Nacional Indígena 

Num contexto em que ataques e ameaças dificultam as relações com o governo federal, e no legislativo projetos e bancadas contrários aos povos indígenas se sobressaem no Congresso Nacional, os olhares e as esperanças de garantir que seus direitos constitucionais não sejam desfigurados se voltam ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em abril, o STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, caso que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. Por isso, no prazo de um ano, a Suprema Corte poderá dar uma solução definitiva aos conflitos envolvendo terras indígenas no país, e garantir um respiro às comunidades que se encontram, atualmente, pressionadas por poderosos setores econômicos.

Por este motivo, no 15º Acampamento Terra Livre (ATL), os povos indígenas decidiram realizar uma vigília em frente ao STF, para chamar a atenção à luta por justiça histórica e em defesa de seus direitos originários.

Entenda do que se trata esse julgamento e o que está em jogo.

Indígenas detêm esperanças de que o STF faça justiça. Foto: Webert da Cruz/Mídia Ninja

Do que trata o RE 1.017.365?

O Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), é um pedido de reintegração de posse movido pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Farma) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, que ocupam uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional. A terra em disputa é parte do território Ibirama-Laklanõ, que foi reduzido ao longo do século XX. Os indígenas nunca deixaram de reivindicar a área, que foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.

Por que esse julgamento é importante?

Em decisão publicada no dia 11 de abril, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a repercussão geral do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese que servirá de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário. Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre terras tradicionais que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, a Suprema Corte admite, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

O julgamento tem data marcada?

Não, ainda não há uma data para que o caso Xokleng seja julgado. Há, entretanto, um prazo para ele ser julgado: quando um recurso tem sua repercussão geral reconhecida pela Corte, o julgamento deve acontecer dentro de um ano, a contar da publicação da decisão – no caso Xokleng, isso ocorreu no dia 11 de abril.

O que está em jogo?

No limite, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra. Há, em síntese, duas teses principais que se encontram atualmente em disputa: de um lado, a chamada “teoria do indigenato”, uma tradição legislativa que vem desde o período colonial e que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário – ou seja, anterior ao próprio Estado. A Constituição Federal de 1988 segue essa tradição e garante aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Do outro lado, há uma interpretação mais restritiva, que pretende restringir os direitos dos povos indígenas às suas terras ao reinterpretar a Constituição com base na tese do “marco temporal”.

O que é marco temporal?

A tese do marco temporal defende uma interpretação mais restritiva dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Nessa interpretação, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração dos territórios indígenas, os povos só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, ou que estivessem sob disputa física ou judicial. Na avaliação de indigenistas, juristas, lideranças indígenas e do Ministério Público Federal (MPF), essa é uma tese perversa, pois legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988. Além disso, essa posição ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por seus direitos.

Que consequências esse julgamento pode ter para os povos indígenas?

Caso a decisão do STF seja em favor dos direitos originários dos povos indígenas e, portanto, contra a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país poderão ter o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos judiciais seriam imediatamente resolvidos. As 310 terras indígenas que estão estagnadas em alguma etapa do processo de demarcação, assim como outras 537 que ainda não tiveram nenhuma providência do Estado para proceder com sua identificação, já não teriam, em tese, nenhum impedimento para que seus processos administrativos fossem concluídos.

Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar o esbulho e as violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas. Esta decisão ainda poderá incentivar um novo processo de invasão e esbulho possessório a terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na amazônica.

Os povos indígenas podem participar do julgamento?

O relator do caso, ministro Edson Fachin, defendeu a ampla participação de todos os setores interessados no tema, dada a importância da matéria. Tal participação pode se dar partir da figura do amicus curiae – termo em latim que significa “amigo da corte” e que permite que pessoas, entidades ou órgãos com interesse e conhecimento sobre o tema contribuam subsidiando o tribunal. Por esse caminho, comunidades e organizações indígenas deverão estar habilitadas a contribuir com o processo.

Além disso, a própria comunidade Xokleng também deve pedir sua admissão como parte no processo, tendo em vista que é diretamente afetada por ele e que o direito de acesso à justiça foi assegurado aos povos indígenas na Constituição de 1988.

Ministro diz que STF poderá intervir se demarcações forem paralisadas

Por Mobilização Nacional Indígena

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Roberto Barroso indeferiu, ontem (23), o pedido de liminar do PSB para suspender os artigos da Medida Provisória (MP) 870/2019 e da série de decretos editados em janeiro que transferiram para o Ministério da Agricultura as competências de demarcar as Terras Indígenas e opinar sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos que afetem esses territórios. As duas atribuições pertenciam à Fundação Nacional do Índio (Funai). A medida faz parte da reforma ministerial realizada pelo governo Bolsonaro em seus primeiros dias.

O pedido de liminar foi incluído na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PSB. O plenário do tribunal ainda vai analisar o mérito da ação.

Para negar a liminar, o ministro justificou que o Executivo tem o direito de reorganizar o desenho administrativo dos ministérios,o que foi feito por meio da MP e dos decretos. A reforma ministerial faria parte da “competência discricionária do Chefe do Executivo Federal” e, por si só, não afetaria os direitos indígenas, segundo Barroso. Para ele, portanto, o STF não pode interferir no caso sob pena de comprometer o princípio da separação dos poderes.

A presença indígena em Brasília visa sensibilizar os ministros do STF diante de uma conjuntura sem saídas políticas. Foto: Mídia Ninja

Apesar disso, Barroso reforçou que o governo deve garantir o direito dos índios às suas terras e avançar nas demarcações. “A Constituição de 1988 garante aos povos indígenas o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, atribuindo à União o dever de demarcá-las (art. 231). Essa competência não é discricionária, mas vinculada, não estando sujeita a opções políticas”, afirma o texto da decisão.  

O ministro deixou claro que o Judiciário poderá agir se as demarcações forem paralisadas. “A União, por meio do MAPA, está obrigada a promover tais demarcações, e a recusa em realizá-las efetivamente implicaria um comportamento inconstitucional”, segue o ministro.

“É fundamental que a atuação do MAPA na matéria seja acompanhada com cuidado, contrastando-se a série histórica das demarcações, sob o regime constitucional de 1988, com as novas demarcações empreendidas pelo Ministério. Caso reste comprovado, no mundo real, que a transferência de atribuições promovida pela MP 870/2019 implicou a frustração das demarcações ou da garantia do usufruto dos índios à terra, estará justificada a intervenção deste Tribunal”, reforça a decisão.

“A decisão é explícita ao dizer que a demarcação de terras é ato vinculado e que o Mapa está obrigado a cumprir a Constituição e demarcar as terras. Qualquer paralisação ou juízo político sobre o assunto estarão sujeitos a controle do Judiciário. O ordenamento jurídico permite, inclusive, responsabilização pessoal do agente público que descumpre a legislação”, comenta a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula Batista.  

“A decisão reforça o direito originário dos índios às terras que são de sua ocupação tradicional. Reforça o que está na Constituição. Reforça o dever da União de cumprir o que diz o artigo 231 da Constituição, inclusive quanto ao dever de proteger as Terras Indígenas”, afirma o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rafael Modesto.   

O Congresso Nacional apresenta um labirinto aos povos indígenas: aumentou a bancada parlamentar aliada, mas Câmara e Senado seguem com maioria subserviente aos seus inimigos. Foto: Leonardo Milano/Mídia Ninja

Acampamento Terra Livre 2019

A decisão de Barroso foi dada às vésperas do início da 15ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a principal mobilização dos povos indígenas do país. O ATL foi instalado na manhã de hoje, ao lado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Os indígenas começaram a instalar tendas e barracas de madrugada, em frente ao Congresso, como foi feito durante muitos anos, mas tiveram de sair do local por pressão da PM.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o acampamento, preferiu aceitar a nova localização para evitar qualquer tipo de tensionamento com a polícia e reforçar o caráter pacífico da mobilização.

Na semana passada, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, publicou uma portaria autorizando o uso da Força Nacional na Esplanada e na Praça dos Três Poderes por mais de um mês, a pedido do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com a desculpa de “desencorajar” atos de violência. De acordo com a Apib, não há nenhuma justificativa para a medida, uma vez que o ATL acontece há quinze anos em Brasília, de forma pacífica, sem nenhum incidente grave. A articulação divulgou uma nota criticando a portaria (leia aqui).  

A estimativa é de que quatro mil indígenas, de todas as regiões do país, participem do acampamento. Estão previstas atividades culturais, plenárias, atos e protestos até a próxima sexta (26) (veja a programação).

Em sua 15ª edição, ATL começa na Esplanada dos Ministérios e por pressão da PM vai para a Praça dos Ipês

Indígenas mudam ATL para a Praça dos Ipês após pressão da Polícia Militar do Distrito Federal. Crédito da foto: Mídia Ninja

Por Mobilização Nacional Indígena

O 15º Acampamento Terra Livre (ATL) começou na manhã desta quarta (24), na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, mas depois de pressão da Polícia Militar do Distrito Federal, as delegações foram forçadas a deixar o local e se dirigir à Praça dos Ipês, ao lado do Teatro Nacional. As negociações transcorreram durante a manhã, após a chegada dos indígenas no final da madrugada.

“Há um ambiente ruim para os povos indígenas criado pelo presidente Jair Bolsonaro. Não podíamos entrar nesse conflito com a polícia antes da abertura oficial do ATL. Viemos de muito longe, dias de viagem, e voltar para casa sem o nosso encontro avaliamos como ruim. Preferimos dar um passo atrás, mostrar que nosso objetivo não é a violência, e dar dois passos pra frente depois”, declarou Sandro Tuxá.   

As delegações do país começaram a chegar na terça (23). No final da madrugada de hoje, iniciaram a instalação de barracas e tendas, em frente ao Congresso. A movimentação foi pacífica, sem nenhum tipo de incidente, apesar do governo federal ter esperado as delegações com a Força Nacional de Segurança Nacional após falas mentirosas do presidente Jair Bolsonaro, numa tentativa de incitar a população contra os indígenas.  

Povos indígenas apresentam seus rituais e danças durante o ATL. Foto: Mídia Ninja

A expectativa é de que estejam na capital federal, até sexta (26), cerca de quatro mil índios de todas as regiões do país. O objetivo é discutir a situação dos direitos indígenas e das  principais políticas públicas destinadas aos povos indígenas. As lideranças reivindicam o cumprimento de seus direitos garantidos na Constituição, em especial, a retomada imediata das demarcações das Terras Indígenas (TIs).

A mobilização exige que a Fundação Nacional do Índio (Funai) volte a ser subordinada ao Ministério da Justiça e que também volte a ter as atribuições de demarcar essas áreas e opinar sobre o licenciamento ambiental de projetos que afetem essas populações. As lideranças não aceitam, ainda, a proposta do governo de municipalizar ou estadualizar o atendimento de saúde das comunidades.

Os Kayapó, desde os anos 80, clicados com o Congresso Nacional ao fundo: diplomatas contra um governo intolerante. Foto: Mídia Ninja

O governo Bolsonaro entregou ao Ministério da Agricultura, comandado por políticos ruralistas historicamente contrários aos direitos indígenas, as competências de demarcar as TIs e opinar sobre os licenciamentos que envolvam os territórios indígenas. Já a Funai foi esvaziada e está hoje subordinada ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, comandado pela polêmica pastora Damares Alves. Bolsonaro já afirmou inúmeras vezes que não demarcaria “nem mais um centímetro de TIs”. Também já se referiu várias vezes aos povos indígenas de forma depreciativa.

Ao longo do dia, acontecem protestos em 12 países em solidariedade aos povos indígenas no Brasil. Em especial, estão sendo organizados atos em frente às embaixadas brasileiras.

Vigília no STF

Hoje à noite está prevista uma vigília em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) para sensibilizar os ministros da corte em relação a diversos casos que envolvem o reconhecimento de TIs. Os participantes do acampamento pretende dançar, cantar e realizar rituais. Amanhã pela manhã acontece uma audiência conjunta das comissões de Meio Ambiente e Direitos Humanos da Câmara para discutir a situação dos direitos indígenas. Uma comitiva de lideranças vai participar do evento. Estão previstas, ainda, plenárias, debates, atos públicos e atividades culturais no acampamento (veja a programação).

Na semana passada, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, publicou uma portaria autorizando o uso da Força Nacional na Esplanada e na Praça dos Três Poderes por mais de um mês, a pedido do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com a desculpa de “desencorajar” atos de violência. De acordo com a coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), não há nenhuma justificativa para a medida, uma vez que o ATL acontece há quinze anos em Brasília, de forma pacífica. A Apib divulgou uma nota criticando a portaria (leia aqui).  

Madrugada tomada pelos povos indígenas na Esplanada dos Ministérios. Foto: Mídia Ninja

No início da manhã, viaturas da polícia começaram a se posicionar em frente ao Congresso. Por volta das 8:30, já havia 90 viaturas posicionadas no local, incluindo carros da tropa de choque e cavalaria. No meio da manhã, o clima continuava tranquilo.

Pouco depois, o ministro Sérgio Moro esteve perto da mobilização, mas para acompanhar uma cerimônia de lançamento de uma operação das polícias militares do país. Ele deixou o evento sem falar com as lideranças indígenas. Questionado sobre as reivindicações dos índios, Moro respondeu apenas que o acampamento era uma “manifestação pública como outra qualquer” e que não estava ali para falar do assunto.

A Apib vem tentando dialogar com o governo, mas sem sucesso. Ainda durante o período de transição, a articulação pediu uma audiência com representantes da nova administração, mas que foi negada.

“O ATL é a maior assembleia indígena do país. Estamos aqui para reivindicar nossos direitos de forma pacífica. Tudo o que decidem aqui em Brasília afeta nossa base: autorizar mineração nas Terras Indígenas, não demarcar as TIs, tirar a saúde indígena, a educação. Temos o direito de estar aqui”, diz Alessandra Korap, do povo Munduruku.

“Queremos realizar nossa assembleia e nivelar informações, discutir os temas que o próprio governo tem pautado no Congresso e nos outros poderes. Vamos desenvolver atividades culturais, intercâmbios e atos e também dialogar com os poderes”, informa Mário Nicácio, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). “Como sempre, nossas mobilizações, desde nossas aldeias, são baseadas no diálogo, no entendimento,  no esclarecimento. Como sempre, estamos abertos para o diálogo”.

Regularização de duas TIs, mudança na Funai e Parecer 001: o que o governo Temer fez no Abril Indígena

Por Mobilização Nacional Indígena (MNI)

No contexto onde há 836 terras indígenas a serem demarcadas no Brasil, e com mais um presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) imposto e deposto pela bancada ruralista, em pleno Abril Indígena, a publicação do Relatório Circunstanciado da TI Pankará e a homologação da TI Baía do Guató não melhoraram a imagem de um governo que em dois anos aprofundou a crise da política indigenista estatal com marco temporal, cortes orçamentários, loteamento da máquina pública a partidos aliados e precarização do direito à terra.

A TI Baía do Guató foi homologada com 20 mil hectares no Pantanal matogrossense. Já a TI Pankará teve a demarcação de 15 mil hectares no Sertão pernambucano. “A felicidade foi muito grande porque em 2003 sequer éramos reconhecidos enquanto povo indígena, vivíamos fazendo ritual escondido… atrás da pedra, como papai costuma dizer, mas a gente sabe que ainda não é garantia porque o governo é fraco em proteger nosso direito”, afirma Manoelzinho Limeira Pankará. O indígena brinca: “Agora mais 15 anos pra homologar”.

Para os povos indígenas, as duas boas notícias sobre a regularização territorial, comemoradas timidamente em rituais nas aldeias, se perdem na extensa lista de notícias ruins e incertezas. “Além das invasões territoriais, o objetivo dos ruralistas, apoiado pelo governo Temer, é reverter até homologações. A terra Potiguara de Monte Mor já sofreu dois pedidos de revisão”, diz o cacique Sandro Potiguara, da Paraíba.

No dia 26 de abril, a homologação da TI do povo Guató foi anunciada por um representante do Ministério da Justiça (MJ) presente no segundo dia de reuniões com lideranças indígenas na Advocacia-Geral da União (AGU). Em pauta o Parecer 001/2017, que no dia anterior foi alvo de protestos por parte dos 3 mil indígenas presentes no Acampamento Terra Livre (ATL) 2018. Este parecer impõe à administração pública do Poder executivo, em termos concretos, o marco temporal como parte das condicionantes da TI Raposa Serra do Sol, tese onde só teriam direito às suas terras aquelas comunidades que estavam em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

“Acreditamos que é uma estratégia. Por que não homologou antes? Então teve o protesto na AGU, a pressão, a negativa do governo em anular o Parecer 001 e como uma forma de não ficar tão ruim oferecem uma homologação. O nosso direito acaba sendo usado como barganha, moeda de troca, jogada pra mídia”, pontua Kretã Kaingang, da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul). Conforme revelou o Instituto Socioambiental (ISA), a TI Baía do Guató era uma das quatro demarcações que aguardam apenas a assinatura do presidente da República para serem homologadas.

Mais cedo, na ensolarada manhã do mesmo 26 de abril, penúltimo dia do ATL 2018, os indígenas protocolaram um documento no MJ no qual repudiam a paralisação das demarcações de terra durante o governo Temer. Os indígenas foram recebidos pela Polícia Federal, as informações sobre a presença do ministro Torquato Jardim se desencontraram neste dia, e somente após uma longa negociação permitiram o protocolo do documento levado em nome da marcha – simplesmente a mais importante do país no âmbito da questão indígena.

O ministro Jardim se tornou um articulador importante para impedir que as engrenagens constitucionais estejam em pleno funcionamento para os povos indígenas. Muito embora tenha assinado as portarias declaratórias de apenas duas TIs: Tapeba (CE), que já está sofrendo duras investidas políticas e judiciais, e a Jurubaxi-Téa (AM). Por outro lado, revogou a portaria declaratória que revisou os limites da TI Jaraguá (SP) de menos de dois hectares, então a menor do país, para cerca de 532 hectares. Uma decisão liminar da Justiça Federal suspendeu a medida do ministro.

De tal forma que governo de Michel Temer publicou três portarias declaratórias, suspendeu outra e homologou uma demarcação. Este é o pior desempenho nos dois primeiros anos de um governo desde a redemocratização. Neste meio tempo, ratificou a Portaria 001 e entregou a Funai para o PSC, partido evangélico e da base da bancada ruralista. “O governo Temer resolveu fazer o que nunca havia sido feito, que é o processo inverso de demarcação, a ‘desdemarcação’, que retira um reconhecimento que já havia sido feito”, comenta David Karai Popyguá, liderança Guarani da TI Jaraguá, em São Paulo.

Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), conforme a carta final do ATL 2018, “completados 30 anos da Constituição Federal de 1988, que consagrou a natureza pluriétnica do Estado brasileiro, os povos indígenas do Brasil vivem o cenário mais grave de ataques aos seus direitos desde a redemocratização do país. Condenamos veementemente a falência da política indigenista, efetivada mediante o desmonte deliberado e a instrumentalização política das instituições e das ações que o Poder Público tem o dever de garantir”. Conforme declaração da indígena Sônia Guajajara, durante o ATL, o governo possui tendências genocidas alimentadas por uma conjuntura de baixa democracia.

“É preciso ressaltar que tudo faz parte de uma estratégia com ares democráticos para cometer o arbítrio de períodos de exceção, caso dos regimes militares. O CNPI (Conselho nacional de POlítica Indigenista) era um canal de diálogo e participação dos povos indígenas junto ao governo federal que simplesmente não é mais convocado. Nele discutimos inclusive as terras em fase de demarcação e homologação. Evidente que não demarcar as terras indígenas é parte de uma ação maior”, pontuou durante o ATL o assessor político da Apib, o indígena Paulino Montejo.

Um empresário na Funai

Em dois anos de gestão Temer, três presidentes esquentaram a cadeira da Funai. Antonio Costa, um pastor evangélico, foi o primeiro. O segundo foi o general Franklimberg Ribeiro de Freitas. Indicados pelos ruralistas, nenhum dos dois agradou o exigente apetite pela refeição mais comum no cardápio da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA): as terras indígenas. Paralisar não basta. Costa e Freitas foram depostos atirando, apontando a ingerência ruralista no órgão indigenista.

Para tentar matar a fome insaciável pelos territórios tradicionais, desta vez a bancada escolheu um empresário do ramo alimentício que tem como hobby cargos de segundo e terceiro escalão em ministérios, autarquias e agências federais variadas. Wallace Moreira Bastos foi nomeado pelo ministro Torquato Jardim tendo no currículo a profissão de pregoeiro e investimentos em franquias como a lanchonete Girafas, a Casa do Pão de Queijo e outros estabelecimentos do ramo.

“Não conhecemos essa pessoa, nunca ouvimos falar, mas o principal é que a indicação vem de políticos contrários ao que a Funai tem como missão: atender aos interesses dos povos indígenas garantidos pela Constituição. Para gente, se trata da desarticulação completa do órgão indigenista”, afirmou Dinamã Tuxá, da coordenação da Apib. Para a liderança indígena, a intenção dos ruralistas é atingir um objetivo antigo: as diretorias da Funai envolvidas nos procedimentos demarcatórios.

A bancada parlamentar do agronegócio voltou-se, em 2013, à tomada de cargos da Funai. Missão dificultada durante a gestão de Dilma Rousseff, apesar da relação de proximidade de seu governo com o agronegócio. “O que temos de acabar é com aquele papelucho”, disse o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), na época, durante debates da Comissão de Constituição e Justiça sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215.

O “papelucho” referido pelo ruralista é o instrumento dos estudos que embasam os relatórios administrativos de demarcação das terras indígenas. São esses documentos, conforme procedimento previsto na Constituição e no Decreto 1775/1996, que definem se há ou não ocupação tradicional do território reivindicado por um povo, bem como o tamanho da terra. “De alguma forma é para comemorar muito esta homologação e esta demarcação. Parece que se tornarão cada vez mais raras. Só nos resta continuar retomando, autodemarcando”, diz Kleber Karipuna.