Declaração da mobilização indígena nacional em defesa dos territórios indígenas

ABRIL INDÍGENA 2013 – Esse modelo agroextrativista exportador é altamente dependente da exploração e exportação de matérias-primas, em especial de commodities agrícolas e minerais

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Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib

Nós, mais de 700 representantes de 121 povos e várias organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, reunidos em Brasília –DF, no período de 15 a 19 de abril de 2013, considerando o grave quadro de ameaças  de  regressão a que estão submetidos os nossos direitos assegurados pela Constituição Federal e tratados internacionais como a Convenção 169 de Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, nos declaramos mobilizados em defesa desses direitos, principalmente o direito sagrado às nossas terras, territórios tradicionais e bens naturais, tratados hoje como objetos de cobiça, produtos de mercado e recursos a serem apropriados a qualquer custo pelo modelo neodesenvolvimentista  priorizado pelo atual governo e as forças do capital que tomaram por assalto o Estado, com as quais pactua governabilidade para a continuidade de seu projeto político.

Esse modelo agroextrativista exportador é altamente dependente da exploração e exportação de matérias-primas, em especial de commodities agrícolas e minerais. Para viabilizar o modelo, o governo busca implementar, a qualquer custo, as obras de infra-estrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão. Isso supõe e potencializa sobremaneira a disputa pelo controle do território no país, e explica o fato de os setores político-econômicos, representantes do agronegócio, das mineradoras, das grandes empreiteiras e do próprio governo se articularem para avançar, com o intuito de se apropriar e explorar os territórios indígenas, dos quilombolas, dos camponeses, das comunidades tradicionais e  das áreas de proteção ambiental.

Objetivos do ataque aos direitos territoriais indígenas

A ofensiva contra os territórios indígenas por parte dos poderosos tem os seguintes objetivos:

1) inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios;

2) reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados;

3) invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos nossos povos.

Instrumentos utilizados para reverter os direitos territoriais dos povos indígenas

Para atingir os objetivos de ocupar e explorar os territórios indígenas, esses poderes econômicos e políticos aliados com setores do governo e da base parlamentar recorrem a instrumentos político-administrativos, jurídicos, judiciais e legislativos, conforme identificamos abaixo.

Objetivo 01 – inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios.

1) Proposta de Emenda Constitucional 215/00 (PEC 215): de autoria do deputado federal Almir Sá (PPB/RR), cuja admissibilidade foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados em março de 2012. O relator, deputado federal Osmar Serraglio (PMDB/PR), então vice-líder do governo na Câmara, apensou a esta matéria outras 11 PECs que tramitavam na referida Comissão. Com isso, a PEC 215/00, sendo aprovada, alterará os artigos 49, 225 e 231 da CF transferindo a competência das demarcações do Executivo para o Legislativo nacional e, em última instância, determinará: a) que toda e qualquer demarcação de terra indígena ainda não concluída deverá ser submetida à aprovação do Congresso Nacional; b) que as áreas predominantemente ocupadas por pequenas propriedades rurais que sejam exploradas em regime de economia familiar não serão demarcadas como terras tradicionalmente ocupadas por povo indígena; c) que as Assembléias Legislativas sejam obrigatoriamente consultadas em casos de demarcação de terras indígenas em seus respectivos estados; d) que a demarcação de terras indígenas, expedição de títulos das terras pertencentes a quilombolas e definição de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público sejam regulamentados por uma lei e não mais por um decreto como ocorre atualmente; e) que será autorizada a permuta de terras indígenas em processo de demarcação litigiosa, ad referendum do Congresso Nacional.

Lamentavelmente, ás vésperas das comemorações do Dia do Índio, o presidente da Câmara, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), autorizou a criação de Comissão Especial Temporária que deverá analisar esta maléfica PEC.

2) Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 038/99: de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PMDB/RR), que aguarda inclusão na ordem do dia para ser votada pelo plenário do Senado. Caso seja aprovada, conforme o voto em separado do senador Romero Jucá (PMDB/RR), alterará os artigos 52, 225 e 231 da Constituição Federal (CF) estabelecendo competência privativa do Senado Federal para aprovar processo sobre demarcação de terras indígenas.

3) Portaria 2498, de autoria do Poder Executivo. Publicada no dia 31 de outubro de 2011, pelo Ministério da Justiça, determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas. Esta portaria tem como pano de fundo uma interpretação equivocada, por parte do Executivo, de Condicionante estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Petição 3388, única e exclusivamente relativa ao caso da Terra Raposa Serra do Sol, cujo julgamento ainda não transitou em julgado.

4) Visível inoperância nas demarcações de terras indígenas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) “não tem autorização”, ou seja, está proibida pela Presidência da República, de criar novos Grupos de Trabalho para estudos de identificação e delimitação de terras, o que revela uma situação de subserviência do governo brasileiro às demandas do agronegócio cujos representantes vêm pedindo, em audiências com Ministros de Estado, uma moratória nas demarcações sob o pretexto de se aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Petição 3388.

5) Judicialização das demarcações, articulada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e pelos sindicatos a ela filiados. A medida incentiva os não-indígenas invasores de terras indígenas a questionarem judicialmente todo e qualquer procedimento administrativo que visa o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas. A demora no julgamento desses processos por parte do judiciário vem resultando em atrasos ainda maiores nas demarcações das terras indígenas.

Objetivo 02: reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados.

1) Portaria 303: de iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), publicada no dia 17 de julho de 2012. Esta Portaria manifesta uma interpretação extremamente abrangente, geográfica e temporal quanto às condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3388), estendendo a aplicação delas a todas as terras indígenas do país e retroagindo sua aplicabilidade. A portaria determina que os procedimentos já “finalizados” sejam “revistos e adequados” aos seus termos.

Além disso, determina que sejam “revistos” os procedimentos de demarcação em curso e impõe limites severos aos direitos de usufruto exclusivo dos povos sobre suas terras, previsto na Constituição Federal, e à aplicação da consulta prévia, livre e informada prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A aplicação da Portaria 303/12 está suspensa, mas prevista para entrar em vigor no dia seguinte à publicação do acórdão do julgamento dos Embargos de Declaração da Petição 3388 pelo STF. Uma eventual decisão do STF que corrobore os termos estabelecidos pela Portaria, ampliaria profundamente a instabilidade jurídica e política vivida pelos povos indígenas e, na prática, significaria a conflagração de conflitos fundiários ainda mais graves envolvendo a posse das terras indígenas, inclusive a reabertura de conflitos anteriormente superados.

Objetivo 03: invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos povos indígenas.

1. Decreto nº 7.957, de autoria do Poder Executivo, publicado no dia 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.

2. Portaria Interministerial 419/11, de autoria do Poder Executivo. Publicada em 28 de outubro de 2011, regulamenta a atuação de órgãos e entidades da administração pública com o objetivo de agilizar os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas. Neste sentido: a) concede prazo irrisório de 15 dias para que a Funai se manifeste em relação a determinada obra que atinge terra indígena no país; b) determina que o governo só irá considerar como Terra Indígena atingida por uma determinada obra de infra-estrutura aquela que tiver seus limites estabelecidos pela Funai, ou seja, cujo Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação tenha sido publicado nos Diários Oficiais da União e do respectivo estado federado. Este último ponto é especialmente danoso aos povos indígenas – reconhecidamente inconstitucional -, uma vez que desconsidera o fato de que o procedimento administrativo de demarcação de terra indígena é ato apenas declaratório do direito dos indígenas sobre suas terras tradicionais. Com a portaria 419, para efeito de estudo de impactos causados pelos empreendimentos, o governo desconsidera a existência de aproximadamente 370 terras indígenas ainda não identificadas e delimitadas no Brasil.

3. Projeto de Lei (PL) 1610/96, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR). O Projeto dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os arts. 176 e 231 da Constituição Federal. Em fase final de tramitação, aguarda parecer da Comissão Especial. Relatório preliminar divulgado, no segundo semestre de 2012 pelo deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), é extremamente maléfico aos interesses dos povos indígenas. Caso a lei seja aprovada na forma do relatório em questão, dentre muitos outros aspectos problemáticos, destacamos: a) Não será admitido o direito de veto dos povos. Com isso, o direito de consulta prévia, livre e informada será transformado em mero ato formal, denominado “consulta pública”. A vontade dos povos não terá qualquer influência sobre a continuidade do processo de exploração mineral na própria terra. Nesse caso, inclusive, recupera o princípio da tutela, abominado pela Constituição, ao definir que uma comissão formada por não-índios decidirá sobre o que é melhor para os povos indígenas; b) Nenhuma salvaguarda constitucional é explicitada. Com isso, a exploração mineral poderá ocorrer em todo e qualquer espaço no interior da terra indígena. Não há qualquer referência que proíba a lavra de recursos minerais incidentes sob monumentos e locais históricos, culturais, religiosos, sagrados, de caça, de coleta, de pesca ou mesmo de moradia dos povos. Isso, como é evidente, oferece risco incalculável à sobrevivência física e cultural dos povos.

4. Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 237/13: de autoria do deputado Nelson Padovani (PSC/PR), busca alterar o art. 176 da Constituição, permitindo a posse de terras indígenas por produtores rurais. A PEC 237/13 acrescenta parágrafo à Constituição para determinar que a pesquisa, o cultivo e a produção agropecuária nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios poderão ocorrer por concessão da União, ao agronegócio. Aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.

5. Projeto de Lei (PL) 195/11: de autoria da Deputada Rebecca Garcia (PP/AM), prevê a instituição de sistema nacional de redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD+). Em flagrante desrespeito ao princípio constitucional que prevê usufruto exclusivo das terras pelos próprios povos indígenas, o PL elege, dentre outras, as terras indígenas como objeto de projetos de REDD+. Aguarda constituição de Comissão Temporária Especial na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

6. Substituição do Direito pela Compensação/Mitigação: a omissão do governo brasileiro na efetivação de políticas públicas, tais como de saúde e educação, dentre outras, vem influenciando dezenas de povos a aceitarem projetos de exploração de seus territórios como forma de obter compensações/mitigações para responder as demandas criadas pelo abandono do Estado.

Diante deste grave quadro de violações aos nossos direitos, principalmente territoriais, declaramos de uma só voz:

1. Repudiamos toda essa série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que busca destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças dos nossos povos, durante o período da constituinte.

2. Não admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, sobretudo se considerarmos que o passivo de terras a demarcar é ainda imenso. Das 1046 terras indígenas, 363 estão regularizadas; 335 terras estão em alguma fase do procedimento de demarcação e 348 são reivindicadas por povos indígenas no Brasil, mas até o momento a Funai não tomou providências a fim de dar início aos procedimentos de demarcação.

3. Exigimos do Poder executivo a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades. Do Legislativo, reivindicamos que o Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Henrique Alves (PMDB/RN), anule a decisão de constituir a Comissão Especial da PEC 215, que afronta a autonomia dos poderes e submete o nosso destino à vontade dos poderes econômicos que hoje dominam o Congresso Nacional. Exigimos ainda o engavetamento de quaisquer outras iniciativas que busquem legalizar a violência contra os nossos povos e a usurpação dos nossos territórios e bens fornecidos pela Natureza, como a PEC 237/13 e o PL 1610/96. Do Judiciário, reivindicamos agilidade no julgamento de casos que retardam a demarcação das nossas terras, submetendo os nossos povos e comunidades a situações de insegurança jurídica e social.

4. Reivindicamos do Governo brasileiro políticas públicas efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios indígenas. Não admitimos que os nossos direitos sejam “atendidos” por meio de compensações decorrentes da exploração dos nossos territórios, pois estas medidas têm caráter efêmero e perduram tão somente enquanto perdurar a exploração.

5. Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos assumidos em distintas instâncias e processos de diálogo com o movimento indígena, tal como a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), onde foram trabalhados o Projeto de Lei 3571/08, que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista e as Propostas para a elaboração de um novo Estatuto dos Povos Indígenas, que não contaram com o envolvimento da bancada governamental para sua devida tramitação e aprovação.

6. Reafirmamos, por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as nossas vidas, em defesa dos nossos territórios e da mãe natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações.

7. Chamamos, por fim, aos nossos parentes, povos e organizações, e aliados de todas as partes para que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.

Brasília-DF, 16 de abril de 2013.

Foto: Valter Campanato/ABr

Carta do movimento indígena para a bancada do governo da Comissão Nacional de Política Indigenista

Que o ministro da Justiça emita as portarias declaratórias das sete terras indígenas para as quais não há nenhuma pendência técnica que impeça o avanço do procedimento

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Senhores e Senhoras Membros da Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI e demais convidados e presentes,

Considerando o regimento da CNPI, em especial o que trata do objetivo dessa comissão. Considerando que esta reunião extraordinária tem o objetivo de avançar nas demandas apresentadas sucessivas vezes nas últimas reuniões da CNPI e  condensadas em Carta para a presidenta Dilma, a qual se comprometeu com os lideres indígenas a avançar na implementação dos nossos direitos, inclusive determinando aos seus ministérios auxiliares e em especial ao Ministério da Justiça maior empenho nesse sentido. Reafirmamos que o tema “terra” é imprescindível e prioritário aos povos indígenas, mas tem se apresentado uma serie de entraves e investidas de retrocesso aos direitos territoriais.  Considerando que os procedimentos de regularização fundiária das terras indígenas estão respaldadas na Constituição Federal e no Decreto 1775/96, sendo este os instrumentos legais que devem orientar os procedimentos demarcatórios: é necessário estabelecer prazos e ter a seriedade em responder aos povos indígenas sobre a implementação de seus direitos.

Portanto, após receber as informações prestadas pela Funai sobre a questão fundiária, discutir em grupos regionais, analisar a situação administrativa, política e jurídica das terras indígenas nos Brasil, recomendamos:

– Que a FUNAI emita até a próxima reunião da CNPI, proposta para o início de outubro, as portarias de delimitação das três terras indígenas para as quais não há nenhuma pendência técnica que impeça o avanço do procedimento. A saber, TI Tapeba (CE), TI Mato Castelhano (RS) e TI Kaxuyana/Tunayana (PA).

– Que no mesmo prazo o ministro da Justiça emita as portarias declaratórias das sete terras indígenas para as quais não há nenhuma pendência técnica que impeça o avanço do procedimento.

– Que no mesmo prazo a Presidência da República emita os decretos de homologação das quinze terras indígenas para as quais não há nenhuma pendência técnica que impeça o avanço do procedimento.

– Que no mesmo prazo a Presidência da República emita os decretos de desapropriação das duas terras indígenas para as quais não há nenhuma pendência técnica que impeça o avanço do procedimento.

– Que a FUNAI não paralise os oitenta e três estudos de identificação e delimitação que estão em curso, além dos vinte e sete processos de demarcação física e os quarenta e dois processos de pagamento de benfeitorias (ver anexo) e traga prazos concretos para a finalização de cada um deles na próxima reunião da CNPI.

– Que a FUNAI traga na próxima reunião a lista da totalidade das terras reivindicadas para as quais não há nenhum processo administrativo instaurado, para que as comparemos com nossas próprias listas, também em anexo, e estabeleça prazos concretos para a criação de GTs para essas terras.

Reiteramos que a metodologia para o avanço nas mesas de diálogo já foi acordado em plenária, e elas devem ter espaço na própria CNPI, sem a redução da bancada.

Ouvindo que o governo é contrário à PEC 215 e PLP 227, esperamos empenho para rejeição dessas propostas no Congresso Nacional, pois caso aprovadas podem acabar com nossos direitos. Da mesma forma, as 19 condicionantes discutidas pelo STF no caso Raposa Serra do Sol, não estão julgadas e nem transitada em julgada, portanto a Portaria 303 da AGU não faz sentido devendo ser revogada em definitivo.

Como ato simbólico com os Povos Indígenas, esperamos um sinal do Estado Brasileiro que quer ter um dialogo sério e transparente, por isso reiteramos o pedido de criação do Conselho Nacional de Política Indigenista por Decreto Presidencial, seguindo a resolução da ultima reunião da CNPI, como medida justa e necessária.

Atenciosamente,

Bancada Indígena da CNPI, APIB, e demais lideranças e organizações indígenas convidadas

Brasília, 23 de agosto de 2013

Foto: Retomada Terena, Terra Indígena Buriti, Mato Grosso do Sul. Ruy Sposati/Cimi

Charge

Charge

A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ou Geisel, tal como o gosto dos que sofrem na mão da ministra, decidiu suspender as demarcações de terras indígenas no Paraná, com base em slides da Embrapa. Em declarações, Gleisi disse que os ‘slides’ da Embrapa – claro, ela não revelou que eram slides – apontavam para a inexistência de indígenas, sendo que os existentes eram do Paraguai. O que é mentira e em breve a verdade aparecerá comprovada. A usina de Itaipu, erguida pelos militares golpistas entre 1975 e 1982, com início no tacão de ferro do milico Ernesto Geisel, foi construída sob os mesmos argumentos. Alagou tekohas Guarani e até hoje reflete impactos de morte na vida dos indígenas.

Em tempo: na língua alemã, a palavra geisel significa coice ou refém.

PL 1610/96 e a Mineração à força

Nova invasão das Terras Indígenas e a reativação do projeto integracionista do antigo Serviço de Proteção dos Índios

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Daniel Calazans Pierri, CTI,

de Brasília (DF)

Tramita em regime de urgência no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1610/96, de autoria do Senador Romero Jucá, que pretende “regulamentar” a mineração em terra indígenas. A bancada ruralista, depois de destruir o Código Florestal, se arma cada vez mais contra os direitos indígenas. Segundo ficou claro na manifestação dos deputados Padre Ton (PT-RO) e Édio Lopes (PMDB) à Comissão Nacional de Política Indigenista (Veja mais), a expectativa do Congresso e de parte do Governo é ver aprovado o Projeto o mais rápido possível, sem qualquer alteração significativa no texto.

Unem-se de maneira inequívoca nesse tema o interesse dos ruralistas, que possuem eles próprios uma série de empresas de mineração, e o programa desenvolvimentista do Governo Dilma que cada vez mais volta-se para uma primarização retrógrada da economia. Todos sabem que as hidrelétricas que Dilma impõe com seu trator político na Amazônia servirão sobretudo para fornecer energia aos projetos de mineração, para os quais o PL 1610/96 é uma peça chave. Além de Belo Monte (cujo atropelamento dos índios e dos condicionantes determinados pelo processo de licenciamento teve repercussão internacional), a bola da vez será o Complexo de Tapajós, cujo licenciamento já se inicia no mesmo ritmo que Belo Monte, numa clara falta de disposição do núcleo central do Governo no que tange ao respeito dos direitos indígenas e ambientais.

Mas voltando ao assunto, que na verdade é o mesmo, o PL 1610/10, além de desvirtuar a proposta do Estatuto dos Povos Indígenas por  separar a mineração dos outros temas de real interesse para os índios, também desvirtua completamente o conteúdo proposto para o capítulo de mineração  do EPI . Em primeiro lugar porque o projeto dos ruralistas não prevê o direito de que as comunidades indígenas tenham palavra final sobre as propostas de mineração no interior de suas próprias terras. Ou seja, consulta-se os índios, mas se eles não quiseram vai à força. Como foram e serão as hidrelétricas, mas com um impacto ainda mais devastador, porque o PL também não prevê qualquer porcentagem limite de exploração das Terras Indígenas. A rigor, se quiserem podem minerar todo subsolo de uma Terra Indígena, sem respeitar nem o veto do índios.

Se é verdade que há o interesse de algumas poucas comunidades indígenas em ter assegurada a “participação nos resultados da lavra” em suas terras, outros tantos povos são frontalmente contrários à exploração mineral em suas terras, inclusive por razões relacionadas à suas concepções cosmológicas, que deveriam ser respeitadas segundo o Artigo 231 da Constituição Federal, que garante aos índios o respeito à “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”, além dos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.

Para citar dois exemplos emblemáticos, lembremos que o povo Yanomami tem como principal bandeira a luta contra a mineração em suas terras. Na última assembléia da “Hutukara Associação Yanomami” foi firmado um pacto contra a mineração na Terra Yanomami manifestando no documento final (Veja aqui), que diz na primeira pessoa do plural:  “sabemos da cobiça das mineradoras pelo que Omama, o nosso criador, achou por bem esconder no fundo da terra.”

Como sabemos pelos trabalhos do antropólogo Bruce Albert1, que o demonstram através dos relatos de Davi Kopenawa, a mineração é para o povo Yanomami um elemento que pode resultar na “queda do céu”, uma vez que a retirada do minério pode enervar ao criador Omama. Vários povos dentro e fora da amazônia possuem concepções semelhantes, como por exemplo os Wajãpi2, do Amapá, que também lutaram contra o garimpo em suas terras por enxergarem na destruição ambiental provocada tanto pelo garimpo como pela mineração, uma destruição dos esteios que sustentam o mundo.

Apenas pelo fato do PL 1610/96 não prever o direito ao veto soberano dessas comunidades indígenas para as quais a mineração é inaceitável do ponto de vista de seus “usos, costumes e tradições” trata-se de uma medidia inconstitucional, que não poderia ser aprovada, e deve ser combatida judicialmente caso o seja.

Mas isso não é tudo. Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 foi um marco para os direitos indígenas no sentido de romper com o modelo integracionista que vigorou até então, e instituir uma legislação fraternal, como disse o ex-Ministro Ayres Britto, que deveria ter como base a proteção e promoção dos direitos indígenas e não a tutela.

Ocorre que em inúmeros aspectos, o teor da proposta e o relatório preliminar do deputado relator da Comissão Especial da Camara, Sr. Édio Lopes, faz ressurgir das cinzas modelos de atuação do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), cuja função era explicitamente a de “integrar os índios à comunhão nacional”. Outro motivo pelo qual o projeto é francamente inconstitucional.

Em todo o período do SPI, e também durante a atuação da FUNAI do regime militar, os Postos Indígenas eram pensados unicamente a partir de sua “viabilidade econômica”, sem qualquer respeito aos “usos, costumes e tradições” dos índios. Em toda parte, como no interior do Paraná, do Rio Grande do Sul, São Paulo e Mato Grosso, para citar alguns exemplos, os índios eram obrigados a trabalhar como bóias-frias e toda a renda obtida nessas plantações (cujo regime de trabalho era muitas vezes análogo à escravidão, não dispensando do uso da tortura) passava diretamente ao orçamento do órgão indigenista, pagando a conta da suposta ‘proteção’, sem dispensar um pingo de dinheiro público.

E aí que está a questão. A outra fonte de renda do orçamento do SPI e sobretudo da FUNAI do regime militar era a venda da madeira das ‘reservas indígenas’, que além de tudo resultou no no enriquecimento ilícito de muitos funcionários corruptos. Para quem não acredita, que veja no Youtube o filme de Sérgio Bianchi, Mato Eles?, que retrata a atuação da FUNAI na década de 1970 no antigo Posto Indígena de Mangueirinha, no interior do Paraná.

Em breve, a Comissão Nacional de Política Indigenista deve divulgar a Ata da sua 19ª Reunião Ordinária, ocorrida entre os últimos dias 3 e 9 de dezembro. A partir dela, será possível comparar em primeira mão as falas do deputado Édio Lopes com essas que o filme de Sérgio Bianchi testemunha. O que propõe Édio Lopes é que a mineração compulsória nas terras indígenas torne as comunidades indígenas “sustentáveis economicamente”. Afinal, “índio não trabalha” e por isso “há índios morrendo de fome em cima de riquezas minerais”, disse o deputado à bancada da CNPI. E a participação das lavras de que trata a Constituição Federal vai diretamente para as comunidades indígenas? Só um pouco, boa parte vai para a que a União possa fazer “projetos” com os povos indígenas, já que muitos “não vão saber gastar”, como dizia o Deputado. O que prega o PL 1610/96, em outras palavras, é que o orçamento das ações do Estado para os povos indígenas seja custeado pela mineração, exatamente como o SPI fazia através da venda da madeira das terras indígenas.

Trata-se evidentemente de uma tentativa descarada de invasão das terras indígenas, desrespeitando aquelas comunidades que não querem nem mineração e nem participação nas lavras, e fazendo voltar pela janela o que a Constituição Federal havia expulsado pela porta da frente: o projeto integracionista do SPI.

O movimento indígena é unânime, porém, em enfatizar que mineração só se discute dentro do marco de um novo Estatuto dos Povos Indígenas, para que seja realmente promovido o que prega a Constituição Federal e respeitado o direito ao veto. E o que cabe à sociedade civil, é apoiá-los na resistênca a essa nova invasão.

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ALBERT, Bruce (2002). “O ouro canibal e a queda do céu: uma crítica xamânica da economia política da natureza”. Série Antropologia 174. Brasília: UNB.

GALLOIS, Dominique Tilkin (1989) “O Discurso Wajãpi sobre o Ouro: um Profetismo Moderno” in Revista de Antropologia. São Paulo. FFLCH/USP.

Foto: Mineração em Terra Indígena. Arquivo Cimi

Autores do PLP 227 são financiados por empresas beneficiadas pelo teor do projeto

A aprovação do PLP 227 interessa diretamente setores empresariais nacionais e internacionais, que vêem nas terras indígenas campo fértil e promissor para a exploração de suas áreas produtivas, atreladas massivamente às commodities

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Renato Santana, Cimi,

de Brasília (DF)

Ao menos seis dos maiores grupos empresariais nacionais e estrangeiros da rede do agronegócio, mineração e da indústria de armamentos investiram R$ 1 milhão 395 mil nas campanhas eleitorais – 2010 – de nove dos 17 deputados federais que assinaram o PLP 227. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – confira abaixo a lista completa de doadores das campanhas dos 17 parlamentares autores do PLP 227.

Veja a lista completa dos deputados e seus financiadores aqui.

Outras dezenas de empresas e multinacionais de grãos, agrotóxicos, frigoríficos, mineradoras e construtoras estão também figuradas entre as principais doadoras dos parlamentares que assinaram o PLP 227. Em tempos onde integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária denunciam supostos interesses escusos de organizações indigenistas e ONG’s ambientais, sem nunca denominar quais, as cifras demonstram na prática quem tem que se explicar em matéria de interesses.

O PLP 227, em tramitação e gestado no ano passado, pretende criar lei complementar ao artigo 231 da Constituição Federal – “Dos Índios” – apontando exceções ao direito de uso exclusivo dos indígenas das terras tradicionais, em caso de relevante interesse público da União. Dentre as tais exceções, conforme o PLP 227, está a exploração dos territórios indígenas pela rede do agronegócio, empresas de mineração, além da construção de empreendimentos ligados aos interesses das esferas de governo – federal, estadual e municipal.

A aprovação do PLP 227 interessa diretamente setores empresariais nacionais e internacionais, que vêem nas terras indígenas campo fértil e promissor para a exploração de suas áreas produtivas, atreladas massivamente às commodities. Esses grupos comerciais financiaram parte ou o total das campanhas políticas dos parlamentares que propuseram o PLP 227. Como diz o ditado, quem paga a orquestra diz qual é a música a ser tocada. A prática não prova o contrário, a observar que os 17 deputados federais são conhecidos opositores dos direitos indígenas em suas atividades parlamentares e profissionais.

A multinacional estadunidense Cosan, produtora de biocombustíveis e que mantinha usinas de cana em terras indígenas no Mato Grosso do Sul, investiu R$ 150.000,00 nas campanhas eleitorais de Luiz Carlos Heinze (PP/RS), franco opositor das demarcações de terras indígenas, Giovanni Queiroz (PDT/PA), latifundiário paraense, Roberto Balestra (PP/GO), grande proprietário de terras no centro-oeste, e Moreira Mendes (PSD/RO), relator do PLP 227 e também latifundiário com interesses econômicos voltados ao agronegócio.

Porém, essa é apenas a ponta do iceberg. A multinacional JBS, maior frigorífico do mundo notificado em 2011 pelo Ministério Público Federal (MPF) por comercializar animais criados na Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante, despejou nos cofres das campanhas eleitorais R$ 420.000,00. A Gerdau, cujo proprietário, Jorge Gerdau, ganhou em 2011 um gabinete bem ao lado da sala da presidente Dilma Rousseff para aconselhar o governo, investiu R$ 160.000,00.

Já a Seara, do grupo internacional Marfrig, dos mais destacados na rede do agronegócio, R$ 75.000,00. A Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições doou 230.000,00. A holandesa Bunge, gigante mundial do agronegócio fundada no século XIX e que chegou ao Brasil na segunda década do século XX, depositou nos deputados do setor R$ 360.000,00.

Os reais interessados

Tornou-se comum, no Congresso Nacional, parlamentares ruralistas, ligados às redes do agronegócio e latifúndio, tomarem uso da palavra nas tribunas da Câmara e Senado federais para atacar organizações indigenistas e ONGs ambientais. As acusações são homogêneas e se concentram em supostos interesses escusos, por vezes ligados a grupos internacionais, que ameaçam a soberania nacional e o desenvolvimento do país.

O último a vociferar tais acusações foi o deputado federal Moreira Mendes (PSD/RO), beneficiado com recursos da indústria de armas, Cosan e JBS. O parlamentar se indignou com um dia de combate ao PLP 227 nas redes sociais, afirmando que recebeu mais de 200 mensagens acusando-o de querer o fim do artigo 231 da Constituição. Chamou os manifestantes de “agourentos” e se referiu a organizações indigenistas e ONG’s como detentoras de interesses escusos. Não apontou quais interesses seriam. A senadora Kátia Abreu (PSD/TO) também já adotou tal recurso de oratória, inúmeras vezes, relacionando organizações indigenistas, Funai e Ministério Público Federal (MPF) como símbolos dos batidos interesses ocultos.

Para os mais exaltados, é até mesmo o caso de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o que, ou quem, está por trás das demarcações de terras indígenas. Vale tudo no jogo de interesses, muito longe de ser apenas das empresas financiadoras das campanhas. Paulo César Quartiero (DEM/RR) era um dos rizicultores, os chamados arrozeiros, que detinha área dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O parlamentar chegou a ser preso pela Polícia Federal acusado de comandar um ataque a tiros contra comunidade indígena.

Veja a lista completa dos deputados e seus financiadores aqui.

Foto: Patrícia Bonilha/Cimi

Parecer Jurídico contra o PLP 227

Parecer Jurídico contra o PLP 227

Conforme o parecer, empreendimentos ligados a prefeituras e governos estaduais, exploração de riquezas realizadas por empresas privadas e o uso do solo por grupos ligados ao setor do agronegócio não podem ser considerados de interesse público da União, na medida em que não são atos da União. Além disso, o texto ressalta que os deputados constituintes “fixaram sólido e rígido arcabouço jurídico-constitucional no sentido de não admitir quaisquer atos que impliquem restrições à posse permanente e ao usufruto exclusivo dos índios”.

Juristas pedem a parlamentares rejeição à PEC 215: “Absolutamente inconstitucional”, dizem

“A proposta afeta uma regra jurídica fundamental: a separação dos poderes. A PEC propõe que o Congresso passe a aprovar ou ratificar a demarcação. Isso é um ato administrativo, do Poder Executivo”, disse o jurista Dalmo Dallari

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Renato Santana, Cimi,

de Brasília (DF)

Os juristas Dalmo de Abreu Dallari e Carlos Frederico Marés pediram aos deputados e deputadas federais que rejeitem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000. “Espero que tenham lucidez para rejeitar a PEC. Estaremos atentos. Se forem adiante vamos ao Supremo (Tribunal Federal – STF) e à Corte Interamericana contra esse escândalo”, enfatizou Dallari.

Apresentada pela bancada ruralista, a PEC 215, à espera de criação de comissão especial, pretende que o Congresso Nacional autorize ou não demarcações e homologações de terras indígenas, quilombolas e áreas de preservação ambiental. Toma por base a tese da temporalidade, ou seja, as comunidades que estavam até a Constituição de 1988 na terra têm direito a ela; nos demais casos não.

Ambos definiram a PEC 215 como “absolutamente inconstitucional” durante audiência pública na Comissão de Participação Legislativa, Câmara Federal, no último dia 13 de agosto. Participaram do debate a liderança indígena Sônia Bone Guajajara, o autor da proposta, o ex-deputado Amir Sá, de Roraima, o relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR) e Marivaldo Pereira, assessor do Ministério da Justiça.

Diante de um auditório tomado por cerca de 150 indígenas de mais de uma dezena de povos, e sob a mediação do deputado federal Lincoln Portela (PR/MG), Dalmo Dallari, atuante no processo constituinte, apontou que a PEC 215 é multiplamente inconstitucional, mas se ateve a três pontos, os quais o jurista considerou os mais graves e fundamentais. Opinião compartilhada por Marés.

“A proposta afeta uma regra jurídica fundamental: a separação dos poderes. A PEC propõe que o Congresso passe a aprovar ou ratificar a demarcação. Isso é um ato administrativo, do Poder Executivo (…) é o típico caso de se usar a aparência de legalidade para se avançar sobre o direito dos outros. A separação dos poderes é justamente para não se permitir isso”, explica Dallari, professor da Universidade de São Paulo (USP).

Ex-procurador estadual do Paraná e ex-presidente da Funai, Marés frisou que ato administrativo é um conceito jurídico e ato único. “O legislativo não tem que dizer qual é a terra dos povos indígenas, mas que os povos têm direito a ela”, disse. Conforme o jurista, a Constituição de 1988 garantiu o direito originário dos povos indígenas sobre suas culturas, sociedades e terras.

“Direito originário é um direito de sempre e no caso das terras independe de demarcação, que é o simples ato de dizer que a terra vai daqui até ali. O direito é a terra. A maldição da PEC é retirar esse direito. Os deputados são eleitos não para fazer atos técnicos, mas políticas e as políticas estão na Constituição”, destacou Marés de forma enfática. O jurista lembrou que enquanto os parlamentares querem legislar atos administrativos, o Estatuto dos Povos Indígenas, que é uma política pública, segue nas “gavetas do Congresso” há pelo menos duas décadas.

Terras inalienáveis  

Dalmo Dallari apresentou a segunda questão que avalia ser de extrema gravidade na PEC 215. De acordo com a proposta, as terras indígenas ficam inalienáveis apenas depois que o Congresso confirmar a demarcação. “A Constituição Federal não deixa dúvida de que as terras indígenas são inalienáveis. O direito não depende da demarcação. É inconstitucional. As terras são inalienáveis e isso não depende do Congresso”, afirmou o jurista. Para Dallari, o desrespeito nesse ponto é “escandaloso”. Ao que Marés complementou dizendo que a PEC 215 representa um retrocesso não apara 1987, antes da Constituição, mas para o século XIX, quando não se tinha direito algum.

“A Constituição não oferece como direito a demarcação, mas a terra! Quando a proposta diz que as terras ficam inalienáveis apenas depois do Congresso dizer, não há mais direitos originários. Não é verdade que essa PEC reconhece os direitos do artigo 231 (Dos Índios), como dizem seus defensores, porque a proposta acaba com ele”, atacou Marés. O jurista que pior que inconstitucional é o fato da proposta ferir a dignidade do povo brasileiro de que se é um direito deve ser garantido.

“A lógica dessa PEC é dificultar as demarcações. Atribuir esses atos ao Congresso é negar o direito de se reconhecer o direito. A proposta é uma maldição que continua para as próximas gerações, porque só pode existir terra indígena depois que o Congresso aprovar. A PEC quer refazer o direito e acabar com o direito anterior”, declarou Marés.

Por fim, para os juristas, a demarcação é um ato administrativo e, tal como a PEC 215 propõe, é inconstitucional que o procedimento possa ser ratificado ou não pelo Congresso: “É um absurdo porque significa tirar um direito que já é do índio. O processo todo que envolve a demarcação é um ato jurídico perfeito, não tem razão de o Congresso rever ou ratificar”, defendeu Dallari.

Na opinião do jurista, “por mais que os deputados queiram, ou melhor, ouso dizer, por mais que o agronegócio queira não é possível de fazer. Vivemos um momento de grande pressão do agronegócio. Mais terras é que o desejam, e a PEC 215 atende a isso, pois é mais dinheiro para o setor, mas e o povo? Será de fato bom para o povo?”.

Foto: Laila Menezes/Cimi

Violência contra os povos indígenas: uma realidade crescente

Foram cometidos 60 homicídios contra indígenas no Brasil em 2012. O maior número ocorreu em Mato Grosso do Sul, que contabilizou 37 casos

Mobilização indígena durante Acampamento Terra Livre 2012, no Rio de Janeiro, durante a Cúpula dos Povos
Mobilização indígena durante Acampamento Terra Livre 2012, no Rio de Janeiro, durante a Cúpula dos Povos. Foto: Renato Santana/Cimi 

Nathália Clark, Greenpeace,

de Brasília (DF)

A maioria das formas de violência cometidas contra os povos indígenas aumentou em 2012. Um crescimento de 237% foi constatado somente no ano passado na categoria “violência contra a pessoa”, que engloba ameaças de morte, homicídios, tentativas de assassinato, racismo, lesões corporais e violência sexual, quando comparado com os casos registrados em 2011. A categoria “vítimas de violência” teve um aumento de 76%. Os dados foram trazidos à tona em relatório lançado pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

Segundo a pesquisa, foram cometidos 60 homicídios contra indígenas no Brasil no ano passado, o que representa nove mortes a mais do que no ano anterior. O maior número ocorreu em Mato Grosso do Sul, que contabilizou 37 casos, seguido de Maranhão e Bahia, com sete e quatro casos, respectivamente. Segundo o Cimi, nos últimos dez anos ocorreram cerca de 563 assassinatos de índios em todo o país.

A omissão do poder público, a morosidade nos processos de regularização fundiária, os confinamentos de grandes populações em pequenas reservas e a situação de isolamento estão entre as categorias mais praticadas contra as comunidades tradicionais. A pesquisa aponta também que a falta de respeito aos direitos dos indígenas como parte do povo brasileiro está no cerne de todas as violações.

Aliada a todos os tipos de violência sistematizados está a diminuição acentuada do ritmo das demarcações de Terras Indígenas no Brasil. A degradação ambiental realizada em territórios indígenas, em sua maioria já demarcados, mas que são invadidos por não índios e têm seus recursos naturais explorados ilegalmente – principalmente madeira –, também figuram como uma das principais causa.

“Onde há disputa de terra há violência e violação de uma série de outros direitos. Nos últimos tempos, após a aprovação do novo Código Florestal, houve um aumento significativo e visível da retirada ilegal de madeira e do assédio contra territórios indígenas”, concluiu a antropóloga Lúcia Helena Rangel, coordenadora do relatório.

Constam no relatório casos como o dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e o daOperação Eldorado, em novembro de 2012, que levou dezenas de agentes da Polícia Federal e soldados da Força Nacional à aldeia Teles Pires, do povo Munduruku. Na ocasião, o indígena Adenilson Kirixi Munduruku foi morto com dois tiros nas pernas e um na testa. Ainda impune, o crime revela como a violência contra as comunidades tradicionais tem partido de quem deveria defendê-las: o Estado.

Outra causa que contribue para a violência vivida pelos povos em suas aldeias são a política desenvolvimentista do governo, que enxerga os indígenas como obstáculo ao progresso. “Nós vamos acusar o governo por omissão sempre que alguma coisa seja feita contra os povos indígenas. O resultado concreto da vinda dos Munduruku em Brasília para a reunião com o governo foi mínima”, afirmou Dom Erwin Kräutler, presidente do Cimi.

“Na Amazônia, a violência, o trabalho escravo, a opressão contra os povos tradicionais e o desmatamento são íntimos e caminham de mãos dadas. O governo precisa de políticas públicas específicas e contundentes voltadas para essas populações. Mas o cenário que temos hoje é que nem mesmo os direitos já garantidos pela Constituição aos indígenas têm sido respeitados. O preocupante quadro atual de violência no campo é uma realidade concreta, e alerta para a necessidade de o govermno responder a isso, recolocando a pauta na agenda de debate, junto com as outras reivindicações legítimas que estão nas ruas”, defendeu Kenzo Jucá, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace.