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Caso de repercussão geral no STF pode definir o futuro dos povos indígenas do Brasil

Por Mobilização Nacional Indígena 

Num contexto em que ataques e ameaças dificultam as relações com o governo federal, e no legislativo projetos e bancadas contrários aos povos indígenas se sobressaem no Congresso Nacional, os olhares e as esperanças de garantir que seus direitos constitucionais não sejam desfigurados se voltam ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em abril, o STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, caso que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. Por isso, no prazo de um ano, a Suprema Corte poderá dar uma solução definitiva aos conflitos envolvendo terras indígenas no país, e garantir um respiro às comunidades que se encontram, atualmente, pressionadas por poderosos setores econômicos.

Por este motivo, no 15º Acampamento Terra Livre (ATL), os povos indígenas decidiram realizar uma vigília em frente ao STF, para chamar a atenção à luta por justiça histórica e em defesa de seus direitos originários.

Entenda do que se trata esse julgamento e o que está em jogo.

Indígenas detêm esperanças de que o STF faça justiça. Foto: Webert da Cruz/Mídia Ninja

Do que trata o RE 1.017.365?

O Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), é um pedido de reintegração de posse movido pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Farma) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, que ocupam uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional. A terra em disputa é parte do território Ibirama-Laklanõ, que foi reduzido ao longo do século XX. Os indígenas nunca deixaram de reivindicar a área, que foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.

Por que esse julgamento é importante?

Em decisão publicada no dia 11 de abril, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a repercussão geral do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese que servirá de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário. Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre terras tradicionais que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, a Suprema Corte admite, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

O julgamento tem data marcada?

Não, ainda não há uma data para que o caso Xokleng seja julgado. Há, entretanto, um prazo para ele ser julgado: quando um recurso tem sua repercussão geral reconhecida pela Corte, o julgamento deve acontecer dentro de um ano, a contar da publicação da decisão – no caso Xokleng, isso ocorreu no dia 11 de abril.

O que está em jogo?

No limite, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra. Há, em síntese, duas teses principais que se encontram atualmente em disputa: de um lado, a chamada “teoria do indigenato”, uma tradição legislativa que vem desde o período colonial e que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário – ou seja, anterior ao próprio Estado. A Constituição Federal de 1988 segue essa tradição e garante aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Do outro lado, há uma interpretação mais restritiva, que pretende restringir os direitos dos povos indígenas às suas terras ao reinterpretar a Constituição com base na tese do “marco temporal”.

O que é marco temporal?

A tese do marco temporal defende uma interpretação mais restritiva dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Nessa interpretação, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração dos territórios indígenas, os povos só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, ou que estivessem sob disputa física ou judicial. Na avaliação de indigenistas, juristas, lideranças indígenas e do Ministério Público Federal (MPF), essa é uma tese perversa, pois legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988. Além disso, essa posição ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por seus direitos.

Que consequências esse julgamento pode ter para os povos indígenas?

Caso a decisão do STF seja em favor dos direitos originários dos povos indígenas e, portanto, contra a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país poderão ter o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos judiciais seriam imediatamente resolvidos. As 310 terras indígenas que estão estagnadas em alguma etapa do processo de demarcação, assim como outras 537 que ainda não tiveram nenhuma providência do Estado para proceder com sua identificação, já não teriam, em tese, nenhum impedimento para que seus processos administrativos fossem concluídos.

Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar o esbulho e as violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas. Esta decisão ainda poderá incentivar um novo processo de invasão e esbulho possessório a terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na amazônica.

Os povos indígenas podem participar do julgamento?

O relator do caso, ministro Edson Fachin, defendeu a ampla participação de todos os setores interessados no tema, dada a importância da matéria. Tal participação pode se dar partir da figura do amicus curiae – termo em latim que significa “amigo da corte” e que permite que pessoas, entidades ou órgãos com interesse e conhecimento sobre o tema contribuam subsidiando o tribunal. Por esse caminho, comunidades e organizações indígenas deverão estar habilitadas a contribuir com o processo.

Além disso, a própria comunidade Xokleng também deve pedir sua admissão como parte no processo, tendo em vista que é diretamente afetada por ele e que o direito de acesso à justiça foi assegurado aos povos indígenas na Constituição de 1988.

Ministro diz que STF poderá intervir se demarcações forem paralisadas

Por Mobilização Nacional Indígena

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Roberto Barroso indeferiu, ontem (23), o pedido de liminar do PSB para suspender os artigos da Medida Provisória (MP) 870/2019 e da série de decretos editados em janeiro que transferiram para o Ministério da Agricultura as competências de demarcar as Terras Indígenas e opinar sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos que afetem esses territórios. As duas atribuições pertenciam à Fundação Nacional do Índio (Funai). A medida faz parte da reforma ministerial realizada pelo governo Bolsonaro em seus primeiros dias.

O pedido de liminar foi incluído na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PSB. O plenário do tribunal ainda vai analisar o mérito da ação.

Para negar a liminar, o ministro justificou que o Executivo tem o direito de reorganizar o desenho administrativo dos ministérios,o que foi feito por meio da MP e dos decretos. A reforma ministerial faria parte da “competência discricionária do Chefe do Executivo Federal” e, por si só, não afetaria os direitos indígenas, segundo Barroso. Para ele, portanto, o STF não pode interferir no caso sob pena de comprometer o princípio da separação dos poderes.

A presença indígena em Brasília visa sensibilizar os ministros do STF diante de uma conjuntura sem saídas políticas. Foto: Mídia Ninja

Apesar disso, Barroso reforçou que o governo deve garantir o direito dos índios às suas terras e avançar nas demarcações. “A Constituição de 1988 garante aos povos indígenas o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, atribuindo à União o dever de demarcá-las (art. 231). Essa competência não é discricionária, mas vinculada, não estando sujeita a opções políticas”, afirma o texto da decisão.  

O ministro deixou claro que o Judiciário poderá agir se as demarcações forem paralisadas. “A União, por meio do MAPA, está obrigada a promover tais demarcações, e a recusa em realizá-las efetivamente implicaria um comportamento inconstitucional”, segue o ministro.

“É fundamental que a atuação do MAPA na matéria seja acompanhada com cuidado, contrastando-se a série histórica das demarcações, sob o regime constitucional de 1988, com as novas demarcações empreendidas pelo Ministério. Caso reste comprovado, no mundo real, que a transferência de atribuições promovida pela MP 870/2019 implicou a frustração das demarcações ou da garantia do usufruto dos índios à terra, estará justificada a intervenção deste Tribunal”, reforça a decisão.

“A decisão é explícita ao dizer que a demarcação de terras é ato vinculado e que o Mapa está obrigado a cumprir a Constituição e demarcar as terras. Qualquer paralisação ou juízo político sobre o assunto estarão sujeitos a controle do Judiciário. O ordenamento jurídico permite, inclusive, responsabilização pessoal do agente público que descumpre a legislação”, comenta a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula Batista.  

“A decisão reforça o direito originário dos índios às terras que são de sua ocupação tradicional. Reforça o que está na Constituição. Reforça o dever da União de cumprir o que diz o artigo 231 da Constituição, inclusive quanto ao dever de proteger as Terras Indígenas”, afirma o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rafael Modesto.   

O Congresso Nacional apresenta um labirinto aos povos indígenas: aumentou a bancada parlamentar aliada, mas Câmara e Senado seguem com maioria subserviente aos seus inimigos. Foto: Leonardo Milano/Mídia Ninja

Acampamento Terra Livre 2019

A decisão de Barroso foi dada às vésperas do início da 15ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a principal mobilização dos povos indígenas do país. O ATL foi instalado na manhã de hoje, ao lado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Os indígenas começaram a instalar tendas e barracas de madrugada, em frente ao Congresso, como foi feito durante muitos anos, mas tiveram de sair do local por pressão da PM.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o acampamento, preferiu aceitar a nova localização para evitar qualquer tipo de tensionamento com a polícia e reforçar o caráter pacífico da mobilização.

Na semana passada, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, publicou uma portaria autorizando o uso da Força Nacional na Esplanada e na Praça dos Três Poderes por mais de um mês, a pedido do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com a desculpa de “desencorajar” atos de violência. De acordo com a Apib, não há nenhuma justificativa para a medida, uma vez que o ATL acontece há quinze anos em Brasília, de forma pacífica, sem nenhum incidente grave. A articulação divulgou uma nota criticando a portaria (leia aqui).  

A estimativa é de que quatro mil indígenas, de todas as regiões do país, participem do acampamento. Estão previstas atividades culturais, plenárias, atos e protestos até a próxima sexta (26) (veja a programação).