O maior Acampamento Terra Livre da história!

Indígenas se mobilizaram em número recorde e dão uma lição de democracia ao governo que trabalha para acabar com os direitos originários

O 14º Acampamento Terra Livre (ATL) terminou hoje (28/4), em Brasília, depois de quatro dias intensos de atividades e protestos, e números históricos. Mais de quatro mil indígenas, de cerca de 200 povos de todas as regiões do país, estiveram presentes, numa grande demonstração de força do movimento indígena. A estimativa inicial era que cerca de 1,6 mil viessem à capital federal. Trata-se do maior ATL já realizado.

“Reafirmamos que não admitiremos as violências, retrocessos e ameaças perpetrados pelo Estado brasileiro e pelas oligarquias econômicas contra nossas vidas e nossos direitos, assim como conclamamos toda a sociedade brasileira e a comunidade internacional a se unir à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais e da mãe natureza, pelo bem estar de todas as formas de vida”, diz o documento final do acampamento.

Policial impede passagem de manifestante durante ATL. Foto: Mídia Ninja / MNI

O texto foi protocolado no Palácio do Planalto, nos ministérios da Educação, Saúde e Justiça. O movimento indígena, no entanto, recusou-se a participar de uma reunião solicitada pelos ministros da Justiça, Osmar Serraglio, e da Casa Civil, Eliseu Padilha. Os dois são políticos ruralistas e os principais articuladores de medidas contra os direitos indígenas no governo federal.

Ao longo da semana, também por causa da pressão da mobilização, a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicou os relatórios de identificação de quatro Terras Indígenas do povo Guarani, uma em Paraty (RJ), e outras três no Vale do Ribeira, em São Paulo, além de uma do povo Pipipã, em Pernambuco. Somadas, as áreas chegam a quase 70 mil hectares.

O movimento indígena brasileiro consolidou a unidade de suas lutas, começou a articular uma aliança internacional com lideranças indígenas de seis países (Panamá, Costa Rica, Guatemala, Equador, Bolívia e Indonésia), fortaleceu o protagonismo das mulheres e jovens indígenas, recebeu o apoio de outros movimentos sociais do país, divulgou como nunca suas reivindicações e a cultura indígena. E deixou um recado duro ao governo Temer: não serão aceitos ataques aos direitos dos povos originários.

Ana Terra Yawalapiti diante de policiais na frente do Congresso. Foto: Mídia Ninja / MNI

Mesas e grupos de trabalho discutiram, entre outros temas, ao longo de quatro dias, a paralisação das demarcações indígenas; o enfraquecimento das instituições e políticas públicas indigenistas; as proposições anti-indígenas que tramitam no Congresso; a tese do “Marco Temporal”, pela qual só devem ser consideradas Terras Indígenas as áreas que estavam de posse de comunidades indígenas na data de promulgação da Constituição (5/10/1988).

 A cobertura do ATL, realizada pelos comunicadores indígenas e parceiros, alcançou 8,5 milhões de pessoas nas redes sociais ao longo de toda a semana somente na página oficial da mobilização. A imprensa nacional e internacional repercutiu as marchas de milhares de indígenas na Esplanada dos Ministérios e divulgou a imagem da faixa com a inscrição “Demarcação Já” nos mastros de bandeiras em frente ao Congresso. Hoje, o mundo conhece mais da luta dos povos indígenas no Brasil.

No início da semana, foi lançado o videoclipe com a participação de um time de mais de 25 artistas renomados que exigem, como diz o título da música, “Demarcação Já”. Estão no grupo Maria Bethania, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Chico César, Carlos Rennó, Lenine, Nando Reis, Zeca Baleiro, Letícia Sabatella, Elza Soares, Zeca Pagodinho, entre outros.  

Katãn Kaingang brinca na frente do Congresso durante protesto. Foto: Luíza Calagian / MNI

O ATL também deu uma aula de democracia ao governo Temer. Na terça (25/4), na primeira marcha da semana, os indígenas foram recebidos com gás lacrimogêneo e balas de borracha na frente do Congresso. No dia seguinte, foram impedidos de entrar no Senado para assistir a uma audiência pública previamente marcada e foram intimidados pela polícia no caminho de ida e de volta ao acampamento. Apesar disso, na quinta (27/4), realizaram mais uma marcha pacífica no centro de Brasília para mostrar sua indignação contra os retrocessos e ameaças aos seus direitos.

Por todos esses motivos, o 14º ATL foi um marco na luta em defesa dos direitos indígenas. E a luta continua.

Indígenas reforçam posição contra o marco temporal a ministros do STF

Documento assinado por quatro advogados indígenas foi entregue à ministra Rosa Weber e ao ministro Dias Toffoli

Uma comitiva de cerca de 30 indígenas participou de audiências com ministros e assessores do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quinta (27). A comitiva, composta por lideranças e advogados indígenas, entregou documentos e firmou sua posição contra o marco temporal ao ministro Dias Toffoli, à ministra Rosa Weber e aos assessores dos ministros Marco Aurélio de Mello e Luís Roberto Barroso.

A presença dos advogados e advogadas indígenas foi marcada presencial e juridicamente: Luiz Henrique Eloy, indígena Terena e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Joênia Batista, advogada Wapichana, Ricardo Weibe, advogado indígena Tapeba, participaram das audiências.  Junto com eles, o advogado indígena Dinamam Tuxá, assinou um documento que foi entregue em nome da Apib aos ministros e assessores.

Em argumentação jurídica assinada pelos quatro advogados indígenas, o documento manifesta a posição dos povos indígenas do Brasil pela demarcação de suas terras. Pede ainda que o STF faça prevalecer “os direitos fundamentais territoriais dos povos indígenas, respeitando-se o princípio fundamental da vedação do retrocesso a direitos fundamentais”.

Também acompanharam a comitiva os advogados e advogadas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Instituto Socioambiental (ISA) e da Fian Brasil.

“O STF é a instância máxima do nosso país, é muito importante que ele tome decisões conforme a Constituição Federal de 1988. Nenhum direito a menos, é isso que nós estamos esperando dessa casa”, afirma Joênia de Carvalho. A advogada foi a primeira indígena a fazer uma sustentação oral no STF, no ano de 2009, durante o julgamento a respeito da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (PET 3388/RR), em Roraima.

Sua presença no STF, junto às lideranças e demais advogados indígenas, foi também simbólica: uma das principais ameaças aos direitos dos povos indígenas na atualidade, a tese do “marco temporal” foi pela primeira vez aplicada no julgamento que admitiu a demarcação contínua de Raposa Serra do Sol.

“O Supremo acertou quando disse que o modelo de demarcação de terras indígenas no Brasil é o modelo de área contínua, ao reconhecer a demarcação conforme os critérios constitucionais. Por outro lado, a gente vem aqui protestar junto com todas as lideranças indígenas do Brasil contra algumas das condicionantes [do julgamento de Raposa Serra do Sol], e contra a má interpretação do marco temporal”, afirma Joênia.

Contra as indicações do próprio acórdão da decisão de Raposa, que dizia que a aplicação do marco temporal não deveria se estender a outras terras indígenas, ministros da Segunda Turma do STF anularam duas demarcações de terras indígenas em 2014. Com base numa interpretação equivocada e restritiva do marco temporal, as decisões afetaram os processos das TIs Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena.

Segundo a tese do marco temporal, conforme adotada pela Segunda Turma do STF, os indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

“A tese é totalmente inconstitucional, a Constituição reconheceu o direito indígena como direito originário e anterior a qualquer outro. Ela não está consolidada, é o posicionamento de alguns ministros. No entanto,  magistrados de primeira e segunda instância estão aplicando o marco temporal, determinando o despejo de comunidades inteiras e anulando processos de demarcação já consolidados”, afirma Luiz Henrique Eloy.

Preocupação das comunidades

Além dos advogados e advogadas indígenas e das organizações de apoio, lideranças indígenas de todas as regiões do Brasil também tiveram espaço para falar aos ministros.

“Estamos vivendo numa situação muito difícil lá no Mato Grosso do Sul por causa da não demarcação das nossas terras. Nós vivemos de violência, de massacre, sendo expulsos de nossas terras por causa deste marco temporal, que não está valendo como lei mas que na prática está funcionando”, afirmou à ministra Rosa Weber o Guarani Kaiowá Elizeu Lopes.

 

Outro ponto abordado nas falas e documentos foi a questão do acesso à justiça para os indígenas, um direito assegurado na Constituição Federal mas que, na prática, é negado em grande parte dos processos que resultam em decisões contrárias as comunidades.

“Vários magistrados não estão admitindo a participação das comunidades indígenas nos processos sob a alegação de que são tuteladas ou que não têm legitimidade para estar em juízo. É uma flagrante inconstitucionalidade, a Constituição Federal já reconheceu o direito dos povos indígenas de estar em juízo e os povos têm seus próprios advogados”, afirma Eloy.

 

Festa indígena na Esplanada dos Ministérios

Em protesto pacífico, indígenas protocolam documentos do ATL no governo e rejeitam encontro com ministros ruralistas

Na tarde desta quinta-feira (27), mais de três mil indígenas saíram em marcha pela Esplanada dos Ministérios em Brasília e protocolaram o documento final da 14ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), referendado num plenária pela manhã.

Indígenas coloriram a Esplanada dos Ministérios com suas cores e danças. Foto: Mídia Ninja / MNI

Apesar do pedido dos ministros Osmar Serraglio (Justiça) e Eliseu Padilha (Casa Civil) de uma reunião com as lideranças, elas decidiram não participar do encontro. “No atual momento, aceitar reunião com os ministros ruralistas seria legitimar tudo o que estão fazendo contra os povos indígenas”, afirmou Kretã Kaingang.

O documento final do ATL foi encaminhado aos ministérios  da Saúde , da  Educação e da Justiça, além do Palácio do Planalto.  O texto condena duramente a paralisação das demarcações de Terras Indígenas, os projetos do Congresso contra os direitos indígenas e o enfraquecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai), entre outros pontos (saiba mais). Alguns documentos específicos também foram entregues ao Ministério da Justiça, como as cartas de reivindicação do povo Mebêngokrê Kayapó e dos Xicrin (PA).

Ato pacífico, policiamento não

Após dois dias de ações violentas das polícias Militar e Legislativa contra os indígenas, a marcha saiu em clima de apreensão. No início da caminhada, uma negociação entre a Polícia Militar e as lideranças indígenas garantiu que o protesto aconteceria de forma tranquila.  A manifestação foi pacífica durante todo o tempo e coloriu o centro de Brasília com as cores, as danças e os cantos tradicionais indígenas.

Líderes indígenas protocolam documento no MJ. Foto: Rafael Nakamura / MNI

“Vamos fazer um ato forte, pacífico. A gente vai circular por essa Esplanada inteira, fazendo os rituais e chamando os encantados”, disse Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), no início da manifestação.

A tropa de choque, o policiamento com cães, a cavalaria e helicóptero acompanharam os indígenas que seguiam caminhando pacificamente. A polícia preparou um esquema de segurança desproporcional, com grande contingente de homens. Alguns portando armamento pesado.

“Eu tô magoada no meu coração. Nós somos semente da terra e quem nos recebe é a polícia”, lamenta Gercília Krahô, do Tocantins.

Enquanto alguns indígenas protocolavam os documentos, as delegações cantavam e dançavam no gramado da Esplanada. “Eu acredito que a resistência e a persistência dos nossos líderes que lutaram pela constituição de 88 está aqui. A cada ato nos fortalecemos mais”, comenta Toninho Guarani.

Policial com armamento pesado sobrevoa passeata. Foto: Mídia Ninja / MNI

No fim da tarde, os indígenas voltaram ao acampamento para finalizar as atividades que acontecem desde segunda. A noite prevê uma intensa programação cultural, com apresentações musicais e a exibição do filme “Martírio”, de Vincent Carelli. Também acontece o lançamento do Mapa Continental dos Guarani.

280 mil Guarani vivem em quatro países, diz pesquisa que será apresentada hoje no ATL

Povo Guarani Mbyá, Rio Grande do Sul. Crédito Renato Santana/Cimi

Você sabe quantos indígenas Guarani existem no mundo? Segundo o Mapa Guarani Continental, ao menos 280 mil pessoas, ao longo de 1,4 mil comunidades em quatro países diferentes – Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai – compartilham uma língua e cultura comuns: o Guarani. O resultado deste trabalho será apresentado nesta quinta-feira, 27, às 19 horas, no 14º Acampamento Terra Livre (ATL), que termina amanhã, em Brasília.

Em três anos de pesquisa, uma equipe voluntária de mais de duzentos indígenas, indigenistas e acadêmicos realizou o levantamento fundiário e demográfico da maior população indígena das terras baixas da América do Sul.

O resultado da investigação virá à apreciação pública em dois formatos: uma publicação  – impressa do Mapa trilíngue – português, espanhol e guarani -, acompanhado de um livro, e uma versão digital do material em português.

As mais de 280 mil pessoas Guarani estão distribuídas em 1461 comunidades, aldeias, bairros urbanos ou núcleo familiares nos quatro países. A maior parte da população Guarani – 85 mil pessoas – vive no Brasil, seguidos de 83 mil na Bolívia, 61 mil no Paraguai e 54 mil na Argentina. Segundo a pesquisa, nos últimos vinte anos, os Guarani estão em processo de crescimento populacional, envolvendo altos níveis de fecundidade.

Utilizando dados atualizados, os mapas indicam onde vivem, como se denominam os locais onde habitam, quantos são, e quais são os ecossistemas naturais em que vivem as populações Guarani.

Para os organizadores do Mapa, a pesquisa ajuda a compreender a “extraordinária capacidade demonstrada pelos vários povos guarani para seguir sendo Guarani, depois de cinco séculos de intensa pressão colonial”. Transitando desde o litoral do Atlântico até a região pré-andina, os Guarani permanecem vivos, “como protagonistas do presente e construtores do futuro”, atualizando e desenvolvendo novos modelos de assentamento em seus territórios ancestrais, hoje cortados pelas fronteiras atuais de diferentes Estados nacionais.

Nesse sentido, o Mapa evidencia as condições em que vivem os Guarani em relação aos Estados, tendo como extremos a severa realidade de espoliação e conflito com produtores de soja, cana e gado no Brasil, e as experiências na Bolívia, onde os Guarani conquistaram o reconhecimento legal da maior parte de seus territórios tradicionais.

A pesquisa também servirá como ferramenta para os indígenas Guarani em suas demandas por territórios e políticas públicas que respeitem sua autonomia como povos que vivem em diferentes países, unidos por vínculos de língua, cosmovisão, história e cultura.

Para o antropólogo e editor do livro do Mapa Guarani Continental, Bartolomeu Meliá, a pesquisa visa “fortalecer a resistência dos Guarani e reafirmar a sua dignidade perante aqueles que querem os excluir”, referindo-se à violência cíclica da sociedade não indígena aos povos Guarani.

Ainda, Meliá defende que “a cultura e a economia Guarani são propostas concretas para outro tipo de sociedade”, e que a sociedade colonial pode aprender com os indígenas: “afinal, os não guarani também podem viver um Ñande Reko – um novo modo de ser, mais justo e igualitário, mais pacífico e livre”.

SERVIÇO

O quê? Apresentação do Mapa Guarani

Onde? Acampamento Terra Livre, na Praça do Ipê, ao lado do Teatro nacional, em Brasília.

Horário? A partir das 19 horas.

Contato para imprensa: Tiago Miotto (55) 99644-2300

 

 

Povos indígenas unificam suas lutas em defesa de seu direitos!

A plenária da manhã da 14ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) reforçou a unificação da luta dos povos indígenas em defesa de seus direitos. O documento final da mobilização, aprovado pela plenária, condena os ataques e ameaças aos direitos originários de forma contundente.

“Denunciamos a mais grave e iminente ofensiva aos direitos dos povos indígenas desde a Constituição Federal de 1988, orquestrada pelos três Poderes da República em conluio com as oligarquias econômicas nacionais e internacionais”, diz o documento (leia a carta na íntegra abaixo).

O documento final do ATL será protocolado em vários ministérios e no Palácio do Planalto, na tarde de hoje (27/4), durante mais uma marcha dos indígenas na Esplanada dos Ministérios. Também está prevista a visita de uma comitiva de líderes indígenas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). À noite, à partir das 19h, segue a programação cultural do acampamento, com uma a apresentação musical e a exibição do filme “Martírio”, de Vincent Carelli.

Mais de quatro mil indígenas participam do acampamento. A expectativa inicial da organização era que um pouco mais de 1,5 mil pessoas estivessem na mobilização. A 14ª edição do ATL é a maior da história e segue até esta sexta (28/4).

DECLARAÇÃO DO 14º ACAMPAMENTO TERRA LIVRE

 Nós, povos e organizações indígenas do Brasil, mais de quatro mil lideranças de todas as regiões do país, reunidos por ocasião do XIV Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília/DF de 24 a 28 de abril de 2017, diante dos ataques e medidas adotadas pelo Estado brasileiro voltados a suprimir nossos direitos garantidos pela Constituição Federal e pelos Tratados internacionais ratificados pelo Brasil, vimos junto à opinião pública nacional e internacional nos manifestar.

Denunciamos a mais grave e iminente ofensiva aos direitos dos povos indígenas desde a Constituição Federal de 1988, orquestrada pelos três Poderes da República em conluio com as oligarquias econômicas nacionais e internacionais, com o objetivo de usurpar e explorar nossos territórios tradicionais e destruir os bens naturais, essenciais para a preservação da vida e o bem estar da humanidade, bem como devastar o patrimônio sociocultural que milenarmente preservamos.

Desde que tomou o poder, o governo Michel Temer tem adotado graves medidas para desmantelar todas as políticas públicas voltadas a atender de forma diferenciada nossos povos, como o subsistema de saúde indígena, a educação escolar indígena e a identificação, demarcação, gestão e proteção das terras indígenas. Além disso, tem promovido o sucateamento dos já fragilizados órgãos públicos, com inaceitáveis cortes orçamentários e de recursos humanos na Fundação Nacional do Índio (Funai) e com nomeações de notórios inimigos dos povos indígenas para cargos de confiança, além de promover o retorno da política assimilacionista e tutelar adotada durante a ditadura militar, responsável pelo etnocídio e genocídio dos nossos povos, em direta afronta à nossa autonomia e dignidade, garantidos expressamente pela Lei Maior.

No Legislativo, são cada vez mais frontais os ataques aos direitos fundamentais dos povos indígenas, orquestrados por um Congresso Nacional dominado por interesses privados imediatistas e contrários ao interesse público, como o agronegócio, a mineração, as empreiteiras, setores industriais e outros oligopólios nacionais e internacionais. Repudiamos com veemência as propostas de emenda constitucional, projetos de lei e demais proposições legislativas violadoras dos nossos direitos originários e dos direitos das demais populações tradicionais e do campo, que tramitam sem qualquer consulta ou debate junto às nossas instâncias representativas, tais como a PEC 215/2000, a PEC 187/2016, o PL 1610/1996, o PL 3729/2004 e outras iniciativas declaradamente anti-indígenas.

Igualmente nos opomos de forma enfática a decisões adotadas pelo Poder Judiciário para anular terras indígenas já consolidadas e demarcadas definitivamente, privilegiando interesses ilegítimos de invasores e promovendo violentas reintegrações de posse, tudo sem qualquer respeito aos mais básicos direitos do acesso à justiça. A adoção de teses jurídicas nefastas, como a do marco temporal, serve para aniquilar nosso direito originário às terras tradicionais e validar o grave histórico de perseguição e matança contra nossos povos e a invasão dos nossos territórios, constituindo inaceitável injustiça, a ser denunciada nacional e internacionalmente visando à reparação de todas as violências sofridas até os dias de hoje.

Soma-se a essa grave onda de ataques aos nossos direitos o aumento exponencial do racismo institucional e a criminalização promovidos em todo o País contra nossas lideranças, organizações, comunidades e entidades parceiras.

Diante desse drástico cenário, reafirmamos que não admitiremos as violências, retrocessos e ameaças perpetrados pelo Estado brasileiro e pelas oligarquias econômicas contra nossas vidas e nossos direitos, assim como conclamamos toda a sociedade brasileira e a comunidade internacional a se unir à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais e da mãe natureza, pelo bem estar de todas as formas de vida.

Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena

Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

 MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA

 

Lideranças indígenas e dos movimentos sociais firmam compromisso com a luta dos povos originários

Microfone aberto no último dia da 14ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL)! Lideranças indígenas brasileiras e estrangeiras, políticos, procuradores, representantes de organizações da sociedade e civil e movimentos sociais estiveram na plenária da manhã para apoiar as reivindicações dos povos indígenas e repudiar a ação truculenta da polícia nos protestos promovidos ao longo da semana, em Brasília.

Mais de quatro mil indígenas participam do acampamento. A expectativa inicial da organização era que um pouco mais de 1,5 mil pessoas estivessem na mobilização. A 14ª edição do ATL foi a maior da história.

O documento final do ATL será protocolado em vários ministérios e no Palácio do Planalto, na tarde de hoje (27/4), durante mais uma marcha dos indígenas na Esplanada dos Ministérios. Também está prevista a visita de uma comitiva de líderes indígenas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). À noite, à partir das 19h, segue a programação cultural do acampamento, com uma a apresentação musical e a exibição do filme “Martírio”, de Vincent Carelli.

Movimentos sociais marcam presença no ATL

Integrantes do Ministério Público Federal (MPF), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outros, estiveram no acampamento.

“Estamos juntos com vocês, lutando ao lado de vocês aonde vocês estiverem, contra as iniciativas do ministro da Justiça, que quer impedir a demarcação das terras. Estamos lutando junto com vocês contra o desmantelamento da Funai [Fundação Nacional do Índio]. Para mim, reconhecer as terras tradicionais é realizar justiça, que é o único modo de conseguir paz.” Luciano Maia, procurador da República

“O ATL é um exemplo de organização e dignidade. Tem mais coragem debaixo de cada barraca de lona do que atrás dos prédios envidraçados aqui em Brasília. A luta dos sem teto, assim como a dos sem terra, é herdeira da luta dos povos indígenas. Os povos indígenas ensinaram todo povo brasileiro a fazer a luta pela terra, ensinaram a resistir bravamente, com coragem e sabedoria”. Guilherme Boulos, MTST

“Vocês não estão sozinhos, não somos apenas 100 povos no ATL. Todos os povos indígenas do mundo estão com vocês”, Cândido Mezua, líder indígena do Panamá

“Hoje, nós temos no Congresso Nacional várias iniciativas de lei para barrar os direitos indígenas. O que eles querem é retroceder a Constituição de 1988. A luta indígena deve ser uma luta de todos!”. Marina Silva, ex-ministra de Meio Ambiente e ex-senadora

“Somos os defensores não apenas das floresta, somos também os defensores da vida, da humanidade e de toda existência desse planeta. Apenas unidos nossas demandas vão ser escutadas a nível de governo. Amigos, vamos seguir nessa luta que não termina hoje.” Eddy Timias, líder indígena do Equador

“Os povos indígenas vão continuar lutando até que as nossas demandas sejam realidade.” Maria Paula, atriz e integrante do Uma Gota No Oceano

“O branco já fez mártires na nossa terra, mas eles não sabem que o sangue que eles derramaram corre em nossas veias e nos fortalece”. Jowanda Macuxi 

“Os primeiros habitantes da terra somos nós. Essa terra não é roubada! Quando meu avô estava vivo, não existia barragens. Hoje existe, mas por que? Vai morrer nós tudo, até os brancos vão morrer desse jeito”. Isabel Xerente

“Eu já estou cansado, daqui pra frente vocês que vão lutar. Não podemos brigar um com o outro, quero que vocês lutem juntos, não pode separar um do outro”. Raoni Metukire

“Cada um vai ter espírito forte, nós indígenas do Brasil inteiro. Demarcação já!” Viseni Wajãpi

“Sabemos que temos muita terra pra ser demarcada, não vamos recuar. Estamos aqui pra lutar, lá na nossa aldeia, tem pessoa passando fome, sofrendo, sem água, que não tem mais floresta. Nós nos alimentamos da terra!” Gilberto Palikur

‘Demarcação Já’

Artistas vão à mobilização indígena para apresentar ao vivo a música que virou sucesso na internet, com mais de 600 mil visualizações

Ao fim desta quarta-feira (26), um dia intenso no Acampamento Terra Livre (ATL) repleto de atividades, discussões, mobilizações, assembleias e mais um episódio de desrespeito policial, os indígenas puderam assistir pela primeira vez ao videoclipe da canção “Demarcação Já!” e aproveitar o show de lançamento da música na voz de Djuena Tikuna, Lirinha, Carlos Rennó, Felipe Cordeiro e do diretor de teatro Zé Celso..

Na segunda-feira, foi lançado o videoclipe da canção, que conta com a participação de mais de 25 artistas, entre eles Gilberto Gil, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Arnaldo Antunes, Elza Soares, Criolo, Lenine, Zélia Duncan, Zeca Baleiro e Nando Reis. O vídeo já conta com mais de 600 mil visualizações e 36 mil compartilhamentos.

Segundo o letrista Carlos Rennó, autor da canção, “essa música é em nome de todos os povos originários do Brasil”. Para o diretor do videoclipe, André D’Elia, o objetivo do projeto é ampliar a voz dos indígenas entre a sociedade: “Esse projeto não é só para falar com aqueles que compartilham dessa luta, mas também com aqueles que não a apoiam”.

Acampamento Terra Livre vibrou com pequeno show de artistas. Foto: Mídia Ninja / MNI

Após a apresentação do clipe, os artistas animaram o público com a versão ao vivo. Conforme a música ia se desenrolando e o refrão “demarcação já” era repetido, o público elevava a sua voz pouco a pouco, até o ponto em que um coro de centenas de pessoas preencheu o acampamento, encerrando a cantoria como um grande protesto – o que é, de fato, a essência do projeto.

Aproveitando o público vibrante, Felipe Cordeiro e Carlos Rennó apresentaram a canção inédita “Hidrelétricas Nunca Mais”, seguidos por Ian Wapichana, com “Índio Vai Para o Céu?” e “Cerrado em Chamas”, e uma parceria de Djuena Tikuna com Lirinha.

Confira a letra completa de “Demarcação Já!”

Já que depois de mais de cinco séculos

E de ene ciclos de etnogenocídio,

O índio vive, em meio a mil flagelos,

Já tendo sido morto e renascido,

Tal como o povo cadiveu e o panará –

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que diversos povos vêm sendo atacados,

Sem vir a ver a terra demarcada,

A começar pela primeira no Brasil                  

Que o branco invadiu já na chegada:

A do tupinambá –                            

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que tal qual as obras da Transamazônica,

Quando os milicos os chamavam de silvícolas,

Hoje um projeto de outras obras faraônicas,

Correndo junto da expansão agrícola,

Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que tem bem mais latifúndio em desmesura

Que terra indígena pelo país afora;

E já que o latifúndio é só monocultura,

Mas a TI é polifauna e pluriflora,

Ah!,

Demarcação já!

Demarcação já!

E um tratoriza, motosserra, transgeniza,

E o outro endeusa e diviniza a natureza:

O índio a ama por sagrada que ela é,

E o ruralista, pela grana que ela dá;

Bah!

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que por retrospecto só o autóctone      

Mantém compacta e muito intacta,

E não impacta e não infecta,

E se conecta e tem um pacto com a mata

–Sem a qual a água acabará –,

Demarcação já!

Demarcação já!

Pra que não deixem nem terras indígenas        

Nem unidades de conservação

Abertas como chagas cancerígenas

Pelas feridas da mineração

E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que tal qual o negro e o homossexual,

O índio é “tudo que não presta”, como quer

Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,

Seu território, herança do ancestral,

E já que o que ele quer é o que é dele já,

                        

Demarcação, tá?               

Demarcação já!

Pro índio ter a aplicação do Estatuto

Que linde o seu rincão qual um reduto,

E blinde-o contra o branco mau e bruto

Que lhe roubou aquilo que era seu,

Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,

Demarcação lá!

Demarcação já!

Já que é assim que certos brancos agem,

Chamando-os de selvagens, se reagem,

E de não índios, se nem fingem reação

À violência e à violação

De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Pois índio pode ter Ipad, freezer,

TV, caminhonete, voadeira,

Que nem por isso deixa de ser índio

Nem de querer e ter na sua aldeia

Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.       

Demarcação já!

Demarcação já!

Pra que o indígena não seja um indigente,

Um alcoólatra, um escravo, um exilado,

Ou acampado à beira duma estrada,

Ou confinado e no final um suicida,

Já velho ou jovem ou – pior – piá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Por nós não vermos como natural

A sua morte sociocultural;

Em outros termos, por nos condoermos –

E termos como belo e absoluto

Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.

Demarcação já!

Demarcação já!

Pois guaranis e makuxis e pataxós

Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;

É quem dentro de nós a gente traz, aliás,

De kaiapós e kaiowás somos xarás,

Xará.

Demarcação já!

Demarcação já!

Pra não perdermos com quem aprender

A comover-nos ao olhar e ver          

As árvores, os pássaros e rios,

A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara  

E a flor de maracujá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Pelo respeito e pelo direito

À diferença e à diversidade

De cada etnia, cada minoria,

De cada espécie da comunidade

De seres vivos que na Terra ainda há,

Demarcação já!

Demarcação já!

Por um mundo melhor ou, pelo menos,

Algum mundo por vir; por um futuro

Melhor ou, oxalá, algum futuro;

Por eles e por nós, por todo mundo,

Que nessa barca junto todo mundo tá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que depois que o enxame de Ibirapueras      

E de Maracanãs de mata for pro chão,

Os yanomami morrerão deveras,

Mas seus xamãs seu povo vingarão,

E sobre a humanidade o céu cairá,

Demarcação já!

Demarcação já!

Já que por isso o plano do krenak encerra

Cantar, dançar, pra suspender o céu;

E indígena sem terra é todos sem a Terra,

É toda a civilização ao léu                                      

E ao deus-dará,

Demarcação já!

Demarcação já!

Sem mais embromação na mesa do Palácio,

Nem mais embaço na gaveta da Justiça,

Nem mais demora nem delonga no processo,

Nem mais parola nem pendenga no Congresso,

Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!

Demarcação já!

Demarcação já!

Pra que nas terras finalmente demarcadas,

Ou autodemarcadas pelos índios,

Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,

Mandantes nem capangas nem jagunços,

Milícias nem polícias os afrontem.

Vrá!

Demarcação ontem!

Demarcação já!

E deixa o índio, deixa os índios lá  

Acampamento Terra Livre propõe aliança entre povos indígenas de diversos países

Lideranças internacionais comparecem à maior mobilização indígena dos últimos anos

 

Representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e lideranças indígenas internacionais reuniram-se, hoje (26/4), no terceiro dia do Acampamento Terra Livre, para discutir a unificação de forças entre povos indígenas de várias regiões do mundo.

Na comitiva indígena internacional, estão representantes de povos do Panamá, Costa Rica, Guatemala, Equador, Bolívia e Indonésia.

“Muitas das coisas que a gente vê em outros países são semelhantes à nossa realidade. Muda o povo, muda a língua, muda a legislação de cada país, mas o propósito da luta é o mesmo”, disse Kléber Karipuna, liderança de base da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasília (Coiab) e da coordenação da Apib.

“Não há nenhum impedimento para que uma aliança entre os povos indígenas na América Latina seja consolidada”, defendeu Paulo Montejo, assessor da Apib.

Entre os diversos pontos comuns que motivam a luta de povos indígenas no Brasil e no mundo, quatro foram destacados: o direito à terra, a liberdade de autodeterminação, a criminalização de lideranças e o acesso a fundos de financiamento para as organizações indígenas.

“Se você sente que isso nos conecta e que isso está errado, vocês são mais do que bem-vindos para se juntar a nós”, destacou Mina Setra, da Indonésia.

Novas reuniões entre lideranças indígenas estrangeiras e brasileiras vão ocorrer até o fim do ATL, nesta sexta (28/4), para discutir a aliança internacional entre povos indígenas.

Munduruku bloqueiam rodovia no Pará por demarcação de terras e contra o desmonte da Funai

Indígenas do Tapajós também participam do Acampamento Terra Livre, em Brasília, e lutam pela proteção de suas terras tradicionais

Cerca de 100 Munduruku do alto e do médio Tapajós, no oeste do Pará, bloquearam, na tarde desta quarta (26), a rodovia Transamazônica (BR-230), em Itaituba, em manifestação contra o desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela demarcação da Terra Indígena Sawre Muybu.

Os povos indígenas do Tapajós foram duramente atingidos pelo corte de recursos e de cargos feitos na Funai feitos pelo governo. A situação vivenciada na região é exemplar do que acontece no resto do Brasil: atualmente, apenas cinco servidores são responsáveis por atender uma população de quase vinte mil indígenas de 13 povos diferentes que vivem ao longo do curso do Rio Tapajós.

Três dos 14 servidores que trabalhavam na Coordenação Regional responsável por atender os povos indígenas do Baixo, Médio e Alto Tapajós foram exonerados. Para piorar a situação, há servidores licenciados nas três Coordenações Técnicas Locais (CTLs) que atendem a região e problemas para garantir a manutenção das sedes da Funai.

Na CTL de Santarém, no baixo Tapajós, apenas dois servidores precisam dar conta de atender diversos povos e, no momento, estão com a sede fechada, porque a Funai não conseguiu pagar o aluguel do prédio onde funcionava a CTL.

Em Jacareacanga (PA), no alto Tapajós, uma CTL foi recentemente fechada e outra, também sem sede, tem apenas um servidor que atualmente está afastado por licença médica.

Em Itaituba (PA), a sede da Coordenação Regional e a CTL que atende ao médio Tapajós, sediada no mesmo local e atualmente sem coordenador, estão com apenas dois servidores na ativa.

“A Funai praticamente não existe mais. Essa reivindicação é para que a Funai continue tendo autonomia e o ministro da Justiça respeite os povos indígenas. Querem acabar com a Funai para acabar com as terras indígenas, porque este é o órgão que demarca nossas terras”, afirma Alessandra Munduruku.

Alessandra Korap Munduruku. Foto: Mídia Ninja/MNI

Há anos, os Munduruku também exigem a publicação da portaria declaratória da Terra Indígena Sawre Muybu, pela qual lutam há muitos anos. A TI Sawre Muybu é uma das cerca de 300 que aguardam, em todo o Brasil, o andamento de alguma das etapas do processo de demarcação.

Em abril do ano passado, o relatório de identificação e delimitação da TI Sawre Muybu foi publicado pela Funai e aguarda, desde então, a publicação de sua Portaria Declaratória, função do Ministério da Justiça. Sem a conclusão da demarcação, entretanto, os indígenas permanecem vulneráveis à ação de fazendeiros, madeireiros, grileiros e garimpeiros e aos mega empreendimentos governamentais – como estradas e hidrelétricas. A Funai, com um contingente mínimo, é incapaz de exercer sua função de fiscalizar as invasões à terra indígena.

“Quando o ministro da Justiça falou que terra não enche a barriga, eu pensei: será que o concreto enche a barriga dele? A terra é onde nós plantamos, onde nós colhemos, de onde tiramos nossas frutas para comer, onde caçamos. A terra enche nossa barriga sim, não só dos indígenas, mas também dos ribeirinhos e até das pessoas da cidade, que consomem o peixe e querem peixe saudável”, critica a Munduruku.

Alessandra participa da delegação de Munduruku e demais indígenas do Tapajós que estão participando do Acampamento Terra Livre (ATL), e acompanha à distância as ações de seus parentes.

“Esse encontro dos povos indígenas está sendo muito bom. A gente Munduruku não conhece os problemas que os outros parentes têm, as lutas deles, e aqui acaba sendo um momento para trocar experiências e nos fortalecer”, avalia a indígena.

Contra os “projetos de morte”

Os Munduruku também manifestam-se contra os projetos de hidrelétricas no Tapajós, chamados por eles de “projetos de morte”, e contra as tentativas do governo de fragilizar a proteção ambiental na região e de abrir as florestas das quais os povos e comunidades tradicionais do Tapajós dependem para sobreviver para a exploração privada. Órgãos ambientais do governo têm apresentado propostas de concessão das Florestas Nacionais (Flonas) de Itaituba I e II, contíguas à TI Sawre Muybu, à exploração de madeireiros. Recentemente, povos indígenas e comunidades tradicionais do Tapajós impediram uma audiência que trataria do leilão destas florestas.

Também preocupa os Munduruku a Medida Provisória (MP) 756/2016, que propõe a transformação de outra Flona da região, a do Jamanxim, que incide diretamente sobre a TI Sawre Muybu, em uma Área de Preservação Ambiental (APA).

Ao contrário das Flonas, as APAs permitem a existência de propriedades privadas em seu interior. Como a TI Sawre Muybu ainda não está demarcada, existe a possibilidade de que pessoas reivindiquem títulos sobre a terra indígena, aumentando a destruição da área e impedindo que os indígenas tenham acesso ao seu território. Na prática, a APA não protege a floresta.

Aprovada em comissão mista do Congresso, a Medida Provisória (MP) 756/2016, ainda tem que passar pelos plenários da Câmara e do Senado.

Os Munduruku afirmam que permanecerão mobilizados até que obtenham alguma resposta a respeito de suas reivindicações.

“Se eles não querem que os indígenas tranquem a BR, que nos respeitem. Que o governo demarque a Sawre Muybu e não faça mais hidrelétricas”, afirma Alessandra Munduruku.

Nesta semana, Juarez Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawre Muybu, e Arnaldo Kaba Munduruku, cacique geral dos Munduruku, estão em Nova York denunciando estas mesmas questões em espaços da Organização das Nações Unidas (ONU).

Saúde indígena na pauta do Acampamento Terra Livre

Indígena participa do grupo temático sobre saúde. Foto: Mídia Ninja / MNI

No terceiro dia da 14ª edição do Acampamento Terra Livre, as lideranças indígenas se dividiram em seis grandes grupos de trabalho temáticos. O que debateu o tema da saúde indígena foi um dos mais numerosos e movimentados. Representantes de várias regiões também contaram suas realidades locais, demandas e reivindicações.

Uwira Xakriaba, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) de Altamira, no Pará, relata que a ingerência política faz com que pessoas ocupem cargos estratégicos sem nenhum conhecimento da saúde indígena, apenas por apadrinhamento político.

“Coordenadores distritais escolhidos por deputados A ou B caem de paraquedas, não fazem seu trabalho de gestão e inviabilizam nosso trabalho de controle social. Esse é um entrave. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) precisaria ter autonomia”, reitera. “Nosso sistema devia trabalhar com prevenção e promoção da saúde, mas na verdade funciona como bombeiro apagando incêndio. Ela desarticula nossos modelos tradicionais de saúde”, afirma.

Para os participantes dos grupos, o maior desafio da política de recursos humanos da Sesai é viabilizar o apoio à capacitação dos profissionais indígenas. Eles também apontaram a necessidade de contratar e valorizar os profissionais indígenas indicados e residentes nas comunidades. Também foi colocada a importância de processos de seleção dos profissionais de forma diferenciada levando em consideração a cultura de cada povo.

Em outubro, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, tentou promover alterações no subsistema de saúde sem consultar as populações indígenas. Poucos dias após publicar as portarias 1.907/16 e 2.141/16, teve de voltar atrás e revogá-las. As medidas retiravam a autonomia administrativa e financeira da Sesai e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). A revogação ocorreu depois de um movimento nacional de resistência, com ocupação de DSEIs e rodovias.