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Ministro Dias Toffoli recebe lideranças indígenas no STF

Lideranças indígenas reuniram com Dias Toffoli. Foto: Carolina Fasolo - Mobilização Nacional Indígena
Lideranças indígenas reuniram com Dias Toffoli. Foto: Carolina Fasolo – Mobilização Nacional Indígena

As lideranças indígenas Wagner Krahô Kanela, do Tocantins, Valdelice Veron Guarani-Kaiowá e Lindomar e Paulino Terena, do Mato Grosso do Sul, foram recebidos pelo ministro José Dias Toffoli, na tarde dessa quarta-feira (15/4), no Supremo Tribunal Federal (STF), para tratar do reconhecimento dos direitos territoriais indígenas.

Há o risco de serem confirmadas, no Plenário do Supremo, decisões da 2a Turma que anulam portarias declaratórias de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos Guarani-Kaiowá e Terena, no Mato Grosso do Sul, e Canela-Apãnjekra, no Maranhão. As decisões baseiam-se na tese do “marco temporal”, que condiciona o direito indígena à ocupação do território na data da promulgação da Constituição de 1988.

“Como poderíamos estar na terra em 88 se expulsaram a gente e nos mandaram para as reservas? Não tivemos nem a chance de nos defender nesse processo”, questiona Lindomar Terena.

O ministro recebeu um memorial sobre a Terra Indígena Limão Verde, do povo Terena, uma das que tiveram portaria declaratória invalidada. “É uma área em que não tem mais conflitos e os fazendeiros já foram indenizados. Ficamos preocupados porque essas decisões despertam ainda mais violências contra nós”, alertou Paulino Terena.

Documentos juntados ao memorial comprovam que a área foi registrada em nome da União, em 2007, e que o posseiro e autor da ação contra os indígenas recebeu uma indenização de cerca de R$ 500 mil, ainda em 2001. Todos os proprietários que tinham títulos de boa-fé incidentes sobre a Terra Indígena também receberam indenizações.

Constam ainda no memorial o Relatório Figueiredo e o capítulo indígena da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que sistematizam o esbulho as expulsões e violências sofridas pelos povos indígenas, de 1946 a 1988, praticadas por particulares e principalmente pelo Estado. Relatora da CNV, Maria Rita Kehl também protocolou um documento no processo denunciando as violações aos direitos humanos dos povos indígenas.

“Não queremos todo o Mato Grosso do Sul, só esses pedacinhos que para nós é sagrado”, disse Valdelice Veron, do povo Guarani-Kaiowá. “Guaiviry, Taquara, Passo Piraju, Panambizinho, Guyraroká… nessas terras, onde tem as árvores sagradas, fazíamos o ritual de furação de lábio, chamado kunumi pepy. Hoje só podemos fazer em dois lugares por causa do perigo dos pistoleiros. Só que tudo isso não está escrito porque nós não sabemos mexer com os códigos de vocês ainda. Nós queremos entender esses papeis, só que é difícil pra nós. Mesmo assim eu tenho que falar português. Eu tenho que pensar em Kaiowá e falar pro senhor em português. Eu que tenho que entender o senhor. Eu que tenho que entender o papel do não índio, eu que tenho que decodificar”, afirmou Valdelice ao ministro.

Toffoli é da 2a Turma do STF e deve votar – juntamente com Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lucia e Teori Zavascki – recurso apresentado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) contra a decisão relativa à Terra Indígena Limão Verde. Os ministros devem votar ainda o pedido de ingresso da comunidade indígena no processo. Relator do processo, Zavascki deverá decidir sobre os embargos divergentes do Ministério Público Federal, que, se aceitos, devem ser julgados pelo Plenário do Supremo.

“Queremos pedir seu apoio para que os outros ministros não sigam uma decisão como essa no Plenário, o que prejudicaria todos os povos. Olhem nossa situação enquanto indígenas, tudo o que passamos e o quanto fomos massacrados. Queremos garantir não só a nossa sobrevivência, mas também das nossas futuras gerações”, disse Wagner Krahô Kanela no encontro com Toffoli.

O ministro pontuou que o Judiciário não é o melhor caminho para solucionar problemas como esse. “Na Justiça você não tem meio termo, ou ganha um ou ganha outro, o que não resolve o conflito. O ideal é sempre que o Estado intervenha criando uma solução que seja arbitrada”, disse.

“Senhor ministro, nós temos história, nós temos memória! Em 1953, meus avós, bisavós, foram arrancados da terra e jogados em reservas. Ninguém perguntou para o povo indígena se queria ou não. O meu pai foi assassinado por pistoleiros. Eles é que chegam primeiro quando sai uma liminar de despejo. Queimam a nossa casa, estupram nossas filhas, fazem tudo de ruim com a gente”, denunciou Valdelice Veron.

“O pouco que temos eles queimam e jogam num caminhão, senhor ministro. Depois é que chega a polícia. Isso é uma ferida na alma que jamais vai sarar. Hoje chamam os Kaiowá de arredios, porque até nossas crianças a gente tem que ensinar a correr, a se esconder no mato, a não chorar. Pra não ser pego”, emocionou-se Veron. “Eu venho trazer o clamor, o grito dessas crianças, dessas mulheres, desses idosos, dessas nossas lideranças que são humilhadas quando sai uma liminar de despejo. Estamos acampados por nossos direitos”.

“Audiências da PEC 215 podem servir para mais ataques racistas”, diz liderança indígena

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Lideranças indígenas Guarani Kaiowá e Ñandeva da Aty Guasu e do Conselho Terena, povos do Mato Grosso do Sul, além de dirigentes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), estiveram no Ministério da Justiça, no início da tarde desta sexta-feira, 28, para reforçar denúncia diante dos ataques racistas dos deputados Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS) (veja aqui) e demonstrar preocupação diante da Comissão Especial da PEC 215.

“Os ataques racistas dos deputados ruralistas ocorreram numa audiência pública da Câmara Federal. Para a PEC 215, os ruralistas já solicitaram cerca de 20 audiências. Tememos que estas audiências sirvam para mais uma vez sermos atacados de forma racista, com ódio”, destaca Lindomar Terena.

O grupo foi ouvido por representantes da Secretaria Nacional de Segurança e da Assessoria Especial de Assuntos Indígenas, organismos do ministério. Demandas territoriais, além de protestos contra a Portaria 303, também foram tratadas no encontro.

“Vivenciamos uma vergonhosa pactuação dos poderes do Estado e dos donos ou representantes do capital, em detrimento dos direitos constitucionais dos nossos povos. Uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação, racismo e extermínio dos povos originários”, diz trecho de carta-denúncia protocolada junto ao ministério.

Leia na íntegra:

AO EXCELENTISSIMO SENHOR

JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO

MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

 

Estimado Senhor Ministro,

Nós, lideranças indígenas abaixo assinadas, em nome

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, do Conselho da Grande Assembleia  Guarani Kaiowá (Aty Guassu) e do Conselho do Povo Terena, mobilizados em Brasília – DF, viemos por este meio denunciar à vossa excelência a intensificação dos ataques promovidos contra os direitos dos nossos povos, com grande preocupação neste ano eleitoral, por distintas forças econômicas e políticas da sociedade e do Estado brasileiro, que tentam perpetuar, a qualquer custo o modelo de desenvolvimento prioritariamente agroexportador que viabilize seus interesses de poder, acumulação e lucro, e de apropriação e espoliação dos nossos territórios.

Vivenciamos uma vergonhosa pactuação dos poderes do Estado e dos donos ou representantes do capital, em detrimento dos direitos constitucionais dos nossos povos. Uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação, racismo e extermínio dos povos originários, que busca legalizar o assalto e a usurpação dos territórios indígenas e suas diversas riquezas. Daí o empenho desses inimigos em impedir de qualquer forma a demarcação das poucas terras que nos sobraram com a invasão colonial.

Fazem parte dessa campanha:

1. As audiências públicas promovidas em distintas regiões do país pela Frente Parlamentar Agropecuária, com o propósito de dar legalidade à inconstitucional PEC 215, que busca inviabilizar a efetivação dos direitos territoriais indígenas, quilombolas e as unidades de conservação. Por outra parte, ditas audiências, tem se constituído em verdadeiros palcos de incitação ao crime, ao ódio, ao racismo e à violência contra os nossos povos e outros segmentos marginalizados da população, tal como aconteceu em 29 de novembro de 2013, no Munícipio de Vicente Dutra-RS. Denunciamos particularmente os discursos proferidos pelos deputados Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS), com impropérios absurdos e inaceitáveis contra homossexuais, prostitutas, quilombolas e, especialmente, contra os povos indígenas. Entregamos para seu conhecimento, apuração e punição desses parlamentares vídeo que reúne na íntegra essas falas que no nosso entendimento constituem crime, atentado aos direitos humanos e desrespeito ao estado de direito.

2. A Portaria Nº 27, de 7 de fevereiro de 2014, do Advogado-geral da União-AGU,  Luís Inácio Lucena Adams, que determina à Consultoria-Geral da União – CGU e à Secretaria-Geral de Contencioso – SGCT a análise da adequação do conteúdo da Portaria AGU nº 303, de 16 de julho de 2012, publicada no Diário Oficial da União, Seção 1, de 17 de fevereiro de 2012, aos termos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos embargos de declaração opostos na Petição Nº. 3388.

A artimanha visa evidentemente que a polêmica e impugnável Portaria 303, já em vigor de fato, se torne lei de direito, conforme reivindicam a partir de 2012 os representantes do agronegócio e a bancada ruralista aos quais o ministro Adams é um fiel subserviente

Considerando que a mesma é uma afronta à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e responsável pelo agravamento da insegurança jurídica e social, das ações de violência, perseguições, ameaças e assassinatos cometidos contra os povos e comunidades indígenas promovidas por invasores de suas terras reivindicamos do governo Dilma a sua imediata e definitiva revogação.

Da mesma forma reivindicamos a revogação de outros instrumentos publicados pelo Poder Executivo tais como a Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas, a Portaria Interministerial 419 de 28 de outubro de 2011, que restringe o prazo para que órgãos e entidades da administração pública agilizem os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas, e o Decreto nº 7.957, de 13 de março de 2013, que institui instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.

3. A estas arremetidas somam-se a voraz vontade da bancada ruralista de rasgar a Constituição Federal que garante os direitos dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam. Utilizam-se para isso de distintas iniciativas legislativas dentre as quais destacam-se a PEC 215, o PLP 227, e o PL 1610 da mineração em terras indígenas.

Diante deste quadro de ameaças e afrontas aos direitos dos nossos povos agudizadas visivelmente em regiões como Mato Grosso do Sul, Amazonas, sul da Bahia, entre outros, pedimos ao governo Dilma, especialmente ao ministério que a vossa excelência preside, o atendimento às nossas demandas aqui apresentadas, priorizando imediatamente a demarcação das nossas terras, cuja falta contribui ao incremento e agravamento do atual quadro de violência contra os nossos povos.

Atenciosamente.

Indígenas ocupam sede da AGU e exigem a revogação da Portaria 303

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Pela revogação da Portaria 303, a sede da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília (DF), foi ocupada no final da tarde desta quinta-feira, 29, por 40 indígenas dos povos Terena, Guarani Kaiowá e Ñandeva. A ação ocorreu sem conflitos e conforme as lideranças do movimento uma vigília de cunho ritualístico seguirá noite adentro.

“Reivindicamos a revogação da portaria porque os ministros do STF foram taxativos na posição de que as condicionantes impostas a (Terra Indígena) Raposa Serra do Sol (Petição 3388) não se estendem para as demais terras indígenas do país”, afirma Lindomar Terena.

O advogado-geral da União, ministro Luiz Inácio Adams, declarou à imprensa, ainda durante o julgamento da Petição 3388, em outubro do ano passado, que independente da decisão do STF a Portaria 303 entraria em vigor. Nos meses seguintes, porém, interlocutores do governo federal afirmaram às lideranças indígenas que Adams faria ajustes à portaria.

“Não se trata de ajustes, mas sim de revogação. Lá na ponta (regiões) a Portaria 303 vem sendo usada como justificativa para ataques contra nossos povos. Dizem que não, mas sabemos que ela está em vigor desde antes do julgamento de Raposa pelo STF”, declara Lindomar.

A revogação da Portaria 303, inclusive, vem servindo de empecilho para a efetivação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Entre seus pontos, a portaria garante a entrada, sem consulta prévia aos povos indígenas, de empreendimentos, inclusive do agronegócio, e bases militares no interior dos territórios tradicionais.

“Como pode o governo federal querer regulamentar a Convenção 169 com uma portaria que ataca o que diz a própria convenção? Nunca nos fechamos para o diálogo, mas como dialogar nestes termos? Então as demarcações quase não ocorrem, a Funai é deixada de lado e até mesmo o STF é desafiado”, analisa Lindomar.

Ampla ofensiva

Com a publicação do acórdão da Petição 3388, a Portaria 303 entrou em vigor e até o momento não foi revogada, suspensa ou sofreu qualquer alteração. Em dezembro do ano passado, todavia, a ofensiva contra o direito territorial dos povos indígenas seguiu: a instalação da Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215.

A instalação da comissão foi uma represália da bancada ruralista ao recuo do governo federal em alterar o Decreto 1775, que regulamenta a demarcação de terras indígenas. A minuta da proposta de alteração vazou para a imprensa e o ministro José Eduardo Cardozo, depois de protestos nacionais dos povos indígenas, optou por segurar as modificações.

“Somos frutos e raízes desta terra, mas o governo federal judia da gente. Estamos cansados de sermos mortos, violentados. As terras indígenas no Mato Grosso do Sul e no Brasil todo deveriam ser demarcadas, mas quando o governo não faz nada ele entrega para quem nos expulsou delas”, diz Getúlio Juca Guarani Kaiowá, representante da Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani e Kaiowá.