Lideranças indígenas enfrentam governo e fazem denúncias em fórum da ONU

O governo brasileiro bem que tentou esconder, mas lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) levaram ao Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), na tarde desta sexta-feira, 24, em Nova York (EUA), a realidade das comunidades país afora. Lindomar Terena, por volta das 17h, horário de Brasília, leu uma carta da Apib dirigida à mesa diretora do Fórum – leia a carta na íntegra. A repercussão do pronunciamento foi tamanha que virou debate.

A carta gerou protestos de representantes do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, que enviou uma comensal para rebater no Plenário . “O nosso pronunciamento gerou um debate de 30 minutos. O governo respondeu a carta dizendo que a realidade dos povos indígenas é difícil em todo o mundo e desafiou os demais países a apresentarem números maiores de demarcações de terras indígenas. Disse ainda que reconhece os problemas, mas que estão trabalhando para a solução. De que país essa gente estava falando eu não sei”, afirma Sônia Bone Guajajara, da Apib, presente no Fórum.

Conforme a Guajajara, a vice-presidente do Fórum, Ida Nicolaisen, disse que ficou espantada com as denúncias dos indígenas do Brasil. E surpresa. “O governo federal vende aqui fora que está tudo bem, os povos vivem em harmonia com o projeto governamental. Para o governo brasileiro foi um constrangimento, porque inclusive eles tinham acabado de lançar os jogos mundiais”, complementa Sônia. Antes do bloco da tarde, nesse que é o 14º Período de Sessões do Fórum, o governo brasileiro lançou os Jogos Mundiais Indígenas, previsto para acontecer no 2º semestre, em Palmas (TO).

“A nossa fala contradiz tudo o que eles estão mostrando. Para os participantes também ficou evidente essa manipulação. A vice-presidente afirmou com todas as letras que a situação do Brasil não pode mais uma vez ser deixada de lado, que a ONU precisa pressionar o governo a demarcar terras, melhorar a situação”, ressalta Sônia.

Demarcações
Para Eliseu Guarani Kaiowá, membro da delegação, as demarcações são pauta central dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul e no país. “É duro viver entre o veneno da soja e as balas dos pistoleiros; entre a cerca e o asfalto, enquanto o governo diz que está tudo bem. Faz clima de festa. Um desrespeito isso”, diz.

Eliseu já andou meio mundo. Passou por vários países da Europa, América Latina, foi aos Estados Unidos outras vezes. Em seu tekoha – “lugar onde se é”, para os Guarani Kaiowá –, o Kurusu Ambá, vive com a cabeça a prêmio. É assim que funcionam as coisas para os indígenas que lutam por terra no cone sul do Mato Grosso do Sul – e é assim em praticamente todo o país. “Podem me matar quando eu voltar, posso nem ver as terras demarcadas, mas vamos lutar. Na ONU podemos denunciar fora do país, para mostrar a nossa realidade, o que vivemos dia a dia”, afirma Eliseu. A PEC 215, as reintegrações de posse, os assassinatos e as lideranças desaparecidas foram outros pontos abordados.

De acordo com o pronunciamento da delegação de lideranças indígenas do Brasil, 18 terras indígenas estão na mesa da presidente Dilma Rousseff aguardando homologação. Já na mesa do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, 12 terras, sem nenhum impedimento jurídico, aguardam a publicação da Portaria Declaratória. “Então não vamos acreditar que este governo tem comprometimento conosco porque no último dia 19 de abril homologou três terras na Amazônia, sendo que uma foi obrigada pelas condicionantes da UHE Belo Monte”, pontua Sônia Guajajara.

O Fórum segue até a próxima sexta-feira (31) e as exposições serão voltadas ao acesso à Justiça dos povos indígenas.

TÍMIDA RESPOSTA DO GOVERNO FEDERAL NÃO AGRADA POVOS E ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS

Foto: Maqueli Quadros / MNI
        Foto: Maqueli Quadros / MNI

A “resposta positiva” esperada pelos dirigentes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib e seus aliados, após reunião no Palácio do Planalto com o ministro Miguel Rossetto, em 16 de abril, último dia do Acampamento Terra Livre – que reuniu na esplanada dos ministérios mais de 1,5 mil lideranças indígenas do país inteiro, resumiu-se ao anúncio pelo governo federal da homologação de três terras indígenas na região norte do Brasil: TI Arara, habitada por povos Arara e Juruna, no município de Senador José Porfírio, no Pará; TI Mapari, habitada pelo povo Kaixana, nos municípios de Fonte Boa, Japurá e Tonantins, no Amazonas; e TI Setemã, habitada pelo povo Mura, nos municípios de Borba e Novo Aripuanã, no Amazonas.

As medidas certamente constituem um ato de justiça para com os povos favorecidos, depois de 26 anos da Constituição Federal, que determinou demarcar todas as terras indígenas num prazo de 5 anos. No entanto, pela localização dessas áreas, o ato prova a perene submissão do governo Dilma aos interesses do latifúndio e do agronegócio, entre outros poderes econômicos, que tomaram conta de espaços de decisão nos distintos âmbitos do Estado e nas regiões Sul, Centro-Oeste e Nordeste do país.

Plausível seria se, além das áreas agora homologadas, o governo federal assegurasse a demarcação e homologação de terras indígenas localizadas nessas outras regiões, inclusive na Amazônia, onde estão hoje instaladas situações de conflito, violência e criminalização de lideranças indígenas, a mando dos donos ou representantes das madeireiras, dos grandes empreendimentos, do latifúndio e do agronegócio e, por vezes, de agentes do Poder Público.

A Apib lamenta mais uma vez esta tímida e lacônica resposta, que não consegue esconder a decisão política de paralisar as demarcações das terras indígenas, em nome de um suposto “ajuste” de direitos, que só favorece aos donos do capital e inimigos históricos dos povos indígenas.

A Apib convoca, por fim, os povos e organizações indígenas a resistirem na defesa de seus territórios, custe o que custar, pelo bem-viver das suas atuais e futuras gerações.

Brasília – DF, 21 de abril de 2015.

Mobilização Nacional Indígena

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Indígenas levam reivindicações à Comissão de Direitos Humanos da Câmara

Graves violações contra as comunidades indígenas do país foram levantadas na tarde de ontem (16), pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, em sessão dedicada à questão indígena e ao Acampamento Terra Livre (ATL). “Abril para nós é sempre. Nunca acabou”, diz Eliseu Guarani-Kaiowá.

A procuradora da República Deborah Duprat observa os espaços vazios no plenário. Sempre foi difícil encontrar lugares vazios nessas ocasiões. Me pergunto se isso não representa a hostilidade do Congresso contra os povos indígenas”, questiona Deborah, coordenadora da 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República (PGR). O raciocínio de Deborah nos leva ainda para a PEC 215 e as dezenas de projetos legislativos contra os indígenas.

Os problemas são estruturais. “O Legislativo está se descuidando do importante papel que recebeu na sequência da Constituição, que é o de justamente pluralizar as decisões, ouvir. Boas leis não se farão se os interessados não forem ouvidos pelo processo legislativo. Nem a Convenção 169 é respeitada”, destaca Deborah. Há 15 anos a PEC 215 tramita, sem nunca seus interessados terem levado em consideração a opinião dos povos indígenas.

O presidente da Comissão, deputado Paulo Pimenta (PT/RS), viajará às aldeias Guarani-Kaiowá (MS). Solicitará ainda ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, uma audiência pública com lideranças indígenas para tratar de assuntos pertinentes à Corte Suprema. “A minha disposição será em ajudar e dar o máximo de visibilidade para a luta dos indígenas”, diz.

Na avaliação da procuradora da República “os demais poderes da República estão imobilizados, refratários à questão indígena. As poucas conquistas de 1988 estão ameaçadas. São temas que não interessam apenas aos indígenas, mas a toda sociedade. Mas eu sinto a sociedade mobilizada de forma favorável e espero que isso seja um sinal de esperança aos direitos desses povos”.

No Mato Grosso do Sul não existem direitos humanos”. A frase é de uma liderança indígena com mais de três atentados sofridos, um tiro de arma de fogo recebido na perna e sete meses longe da família e da aldeia por conta das ameaças sofridas. Paulino Terena, todavia, não se intimida. Segue na luta.

Por sete meses eu fiquei longe de casa, com um tiro na perna, andando de muleta, botaram fogo no meu carro, jogaram combustível no meu corpo. Iam botar fogo em mim. Tudo isso porque brigamos pelos nossos direitos, pela nossa terra”, declara Paulino. O jeito de falar não é nervoso, apesar do contexto de reintegrações de posse, ameaças e confinamento que vivem os Terena.

CPI: o escracho

O presidente da comissão avalia ser importante os parlamentares conhecerem de perto essa situação. O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, acredita que tal iniciativa é importante porque “a provocação (dos ruralistas) é tamanha que estava agendado para agora, às 14h30, o protocolo de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar fraudes nos processos de demarcações de terras feitos pela Funai e Incra”.

O diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai Jaime Siqueira ressaltou o trabalho criterioso dos relatórios do órgão indigenista. “Não é assim, apenas reivindicar a terra. Tem um processo longo e detalhista; técnico, rigoroso”, explica. Siqueira defende o fortalecimento da Funai. “Encontramos enormes dificuldades de cumprir sua missão, de ir para as terras indígenas. A Funai encontra-se com poucos servidores, com poucos recursos”, destaca.

Ao reafirmar a posição da Funai contra a PEC 15 e qualquer projeto que retire direitos indígenas, Siqueira aponta que quando a discussão das políticas públicas acontece “o Estado brasileiro não tem o hábito de consultar as comunidades previamente para implementá-las”. Patrícia Chagas, coordenação geral de promoção aos direitos sociais da Funai, destaca: “Registradores e cartórios se recusam a emitir os documentos para os indígenas. Os indígenas ficarem invisíveis no Estado atende aos interesses de quem os ataca”.

Reivindicações

Destacou-se durante a sessão o relato de indígenas ameaçados de morte. “Estou no Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, mas não há segurança nenhuma. Fazemos boletins de ocorrência que não são encaminhados. Não tem segurança para os índios. Os fazendeiros podem matar, porque o governo não nos protege”, afirma Viáfora Xakriabá.

O presidente da Comissão encaminhou que irá tratar dessas e outras questões apresentadas pelos indígenas. Além disso, vai fortalecer a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas nas batalhas contra a retirada dos direitos indígenas.

Temer diz desconhecer paralisação das demarcações de Terras Indígenas

Foto: Lunaé Parracho / Mobilização Nacional IndígenaO vice-presidente Michel Temer (PMDB), durante audiência com lideranças indígenas na tarde desta quinta-feira (16/4), disse desconhecer a paralisação das demarcações de terras indígenas no país. No momento existem 21 processos demarcatórios totalmente concluídos, sem impedimentos administrativos ou jurídicos, que aguardam há anos apenas a homologação da presidente da República. “Vou falar com a presidente Dilma, não estou sabendo desses processos paralisados, mas vou dizer que eu os recebi, para que, se for o caso, dar sequência a essas demarcações”, declarou Temer.

Sonia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), lembrou outros 12 processos paralisados no Ministério da Justiça, também sem nenhum impedimento. “Todos estão parados por conta de uma decisão política. De todos os governos do período democrático, esse foi o que menos demarcou as terras indígenas”, alertou. “Os processos precisam ser retomados, porque a situação é muito ruim em todo o país. Em Mato Grosso do Sul vemos a violência, o povo na beira da estrada e os assassinatos todos os dias, assim como no sul do Brasil; o nordeste, em constante luta pela retomada de seu território; a Amazônia, onde todas as terras indígenas sofrem graves situações de invasão, de exploração de madeira e minério”.

Sonia apresentou, juntamente com as lideranças Ceiça Pitaguary, Cleber Karipuna, Neguinho Truká, Ubirajara Sompré e Sandro Tuxá, as principais reivindicações do movimento indígena, como a extinção da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000. “Nós somos 6, mas estamos trazendo a voz de 900 mil indígenas. Queremos pedir ao senhor que articule com os parlamentares do seu partido e com os líderes de outros partidos para votar contra a PEC 215, porque se essa medida for aprovada, esse governo e essa legislatura serão marcados como o governo que assassinou a vida dos povos indígenas nesse país”, disse Sonia ao vice-presidente, que comprometeu-se a transmitir a “preocupação” dos povos ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ).

Foi colocada ainda a necessidade de mudança na matriz energética do país. “Ao adotar o modelo da construção de hidrelétricas, o governo também está matando a cultura, a vida, a biodiversidade de vários povos e espécies que estão nesses lugares”, lembrou Sonia. “Essa questão do poder energético aí eu confesso que não sei dar uma resposta nesse momento”, disse Temer. “Agora, quero dizer uma coisa, eu estou aqui na articulação política geral do governo, mas há setores determinados. É a Secretaria-Geral que cuida disso”. O movimento indígena, no entanto, não recebeu resposta do Palácio do Planalto em relação às reivindicações apresentadas no documento entregue na manhã de quarta-feira (15/4) ao ministro Miguel Rosseto. Michel Temer assegurou que conversará com o ministro.

Os indígenas repudiaram a declaração da presidente Dilma que, em coletiva de imprensa na quarta-feira à mídia alternativa, disse que não existe movimento indígena unificado. “Ao declarar isso ela comete um equívoco grave no seu pronunciamento, porque nós estamos aqui com representantes das cinco regiões do país, com mais de 200 povos indígenas diferentes. Somos um total de 305 povos e estamos aí em cerca de 200. E quando a luta é pela garantia do território, essa nossa unidade é o que prevalece. E se ela (Dilma) se manifesta ao Acampamento Terra Livre declarando a retomada da demarcação de terras, então ela sim, estará atendendo à unidade dos indígenas desse país”, disse Sonia Guajajara.

Os senadores João Capiberibe (PSB/AP), Paulo Rocha (PT/PA) e a deputada Janete Capiberibe (PSB/AP) participaram da audiência. João Capiberibe acredita que a reunião com Temer pode facilitar um encontro dos povos indígenas com Dilma Rousseff. “Estamos trabalhando para que aconteça, principalmente pra que ela entenda a necessidade de homologar os 21 processos que estão prontos para serem homologados”.

Em dia de solenidades, indígenas recebem apoio de parlamentares mas são constrangidos no Congresso

Esta quinta-feira (16), último dia do Acampamento Terra Livre, que começou em Brasília (DF) na segunda-feira, foi marcada por duas sessões solenes, uma na Câmara e outra no Senado, em homenagem ao Dia do Índio. Dispostos a dialogar com os parlamentares das casas onde tramitam propostas legislativas que atacam seus direitos, os indígenas passaram por vários constrangimentos.

Pela manhã, na Câmara, apenas 180 indígenas do Acampamento Terra Livre (ATL) foram autorizados pela mesa diretora da Câmara Federal a participar da sessão no Plenário Ulysses Guimarães. A expectativa era a de que entrassem pelo menos 700 indígenas no Plenário, número que foi reduzido, nas negociações, para 500. Na rampa de entrada para o Congresso, o grupo foi barrado por força policial e dividido em delegações – o que levou muitos a retornar ao acampamento, indignados com o tratamento que receberam naquela que é conhecida como a Casa do Povo.

A sessão teve início, às 10h, com dois outros episódios constrangedores. A ausência do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), e a censura a um filme sobre as lutas dos povos em Brasília que seria exibido no início da homenagem. Preparado pela Mobilização Nacional Indígena, o documentário trata da PEC 215, razão pela qual acabou censurado.

Apesar de terem iniciado a sessão com cantos e danças dos povos Pataxó Hãhãhãe, Kayapó, Munduruku e Guajajara – logo após a execução do Hino Nacional –, os indígenas não foram tão privilegiados quanto os parlamentares na distribuição das falas.

Sonia Guajajara reconheceu em seu discurso a importância da sessão como um ato democrático, mas criticou de pronto o fato de haver tanto preconceito contra os indígenas na Casa. “Não entendemos por que querem nos invisibilizar. Por que o acordo com aqueles que matam, destroem, roubam? Não podemos permitir que o agronegócio e o capitalismo sejam maiores que a vida. Pedimos respeito aos nossos familiares”, criticou, lembrando que outros projetos anti-indígenas, como o PLP 227/2012 e o PL 1610/96, tramitam na Câmara e no Senado.

O cacique Raoni Metuktire, que, junto com Sonia, era a única liderança a compor a mesa da sessão, pediu que a Casa continue aberta aos indígenas, como aconteceu durante a Constituinte. “Hoje em dia os deputados só querem fazer esses projetos de lei que afetam os indígenas e quilombolas. Eu não aceito esse projeto de lei da PEC 215”, discursou a liderança Kayapó, acompanhado de um tradutor de seu povo.

Alguns deputados destacaram a importância de uma sessão de homenagem aos povos indígenas, depois de a Câmara ter se fechado aos indígenas tantas vezes. Outros afirmaram que a Casa não fazia mais que sua obrigação e que uma concessão de fato seria o arquivamento da PEC, lembrando que tramitam na Câmara apenas dois projetos legislativos favoráveis aos direitos indígenas. Poucos parlamentares participaram da sessão; quase todos membros da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas (veja a lista), que vestiram a camiseta da Mobilização Nacional Indígena com os dizeres “PEC 215 Não”.

João Tapajós, do Pará, reclamou da restrição ao tempo de fala dos representantes indígenas por região; Davi Kopenawa, xamã do povo yanomami completou: “O branco não deixa falar muito. Ele não quer resolver, por isso que ele não quer deixar liderança falar a verdade”.

Kopenawa foi um dos últimos a falar ao plenário, já quase esvaziado: “Essa casa é a casa da cobra grande. A cobra grande está aqui. Nós queremos matar essa cobra grande; matar, queimar e enterrar para não nascer mais aqui. Fizeram essa lei, sem consulta com ninguém, para matar o nosso povo”. Já o cacique Aritana Yawalapiti, do Xingu, determinou: “Para mim essa PEC já morreu”.

Neguinho Truká pediu que os parlamentares deem menos atenção à PEC desengavetem a tramitação do Estatuto do Índio: “Caso contrário, nós estaremos só nos manifestando e vindo aqui em atos solenes”, frisou. A liderança, que lembrou as demandas dos povos de todos os estados do nordeste, foi duro: “Quando ocupamos essa casa em 2013, ouvimos do presidente que essa era uma casa inviolável. Inviolável é o direito do povo brasileiro, que tem sido negociado aqui dentro. Nós vamos fechar estradas, derrubar torres, ocupar hidrelétricas!”.

Apesar da humilhação na Câmara, Lindomar Terena avalia que foi importante ver os parlamentares afirmando o compromisso com os povos indígenas. No nosso entendimento, isso supera o que a gente passou. A nossa expectativa é que de fato essas coisas sejam colocadas em prática”.

“Não é festa, é cobrança”

No Senado, foi a vez de objetos sagrados, como mbarakás, serem barrados. Os indígenas que se dirigiram ao Plenário para a sessão que começaria às 15h foram obrigados a deixá-los no saguão de entrada do Senado. “O mbaraká [chocalho sagrado] é a fala de ñanderu!”, bradou o cacique Tito Vilhalva, liderança guarani kaiowá. Depois de pressão do movimento indígena, os mbaraká foram liberados.

No início da sessão, aos gritos de “Demarcação já!”, os indígenas demonstraram que não aceitaram o convite para festejar, mas sim para pressionar ainda mais os parlamentares. O presidente Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), assim como Cunha, também não esteve presente na sessão.

Um dos primeiros a falar, senador Vicentinho Alves (PR/TO) discursou sobre sua proposta de criação da Secretaria Nacional dos Povos Indígenas, que já está com parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A proposta foi imediatamente refutada por Sônia Guajajara, reiterando o caráter arbitrário da política, que não levou em consideração a representatividade dos povos indígenas na sua constituição. “Gostaria que Vossa Excelência, em um ato de simplicidade, retirasse a proposta. A Secretaria sequer foi discutida com as nossas organizações e nossas base”, discursou Neguinho Truká.

Sonia lembrou que os indígenas foram barrados ao entrarem na Câmara dos Deputados mais cedo, ainda que tivessem autorização, e apontou para o fato que estão dispostos a dialogar com os parlamentares, mas estão atentos para as suas manobras políticas: “A gente vem, fala e escuta, mas nem sempre deve confiar. Eles falam pra gente uma coisa e agem contra os nossos interesses”.

Sonia faz referência à reunião no final do dia de ontem (15) entre o senador do PSDB, Aécio Neves, com Marina Silva, em que reafirmou seu compromisso de ser contra a PEC 215/00, mas no mesmo dia votou contra os interesses dos povos indígenas na votação do PL 7335/14, que trata do conhecimento tradicional e do patrimônio genético. “O PL foi aprovado na Câmara sem o nosso conhecimento, articulado e construído com o setor empresarial. Ontem no Senado foi justamente o voto do senador Aécio Neves que fez a diferença para aprovação do texto sem as nossas considerações”, ressaltou.

Flávio Chiarelli, presidente da Funai, lembrou do relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em dezembro do ano passado, em que foram denunciadas as mortes de mais de 8000 indígenas no período da Ditadura Militar. “Não podemos repetir erros do passado. A Funai foi criada sob uma lógica integracionista e assistencialista com o seguinte pensamento: vamos acabar com os povos indígenas; enquanto não acabamos, oferecemos uma esmolinha aqui, outra ali, confinando em pequenos pedaços de terra”.

Após a fala do presidente do órgão, Pirakumã Yawalapiti disse que a Funai precisa ser fortalecida mas não deixou de cobrar o presidente: “A Funai sumiu, toda administração está sucateada e não tem recursos. Nós temos que levantar a Funai. O que tem dentro da Funai é patrimônio indígena. O presidente da Funai não tem mais força porque não visita a gente. Quem pode dar força ao presidente são os povos indígenas”.

No Senado, Neguinho Truká cobrou que os parlamentares presentes não se limitem a fazer alterações no texto da PEC 215, mas que barrem a proposta, e foi ovacionado pelas lideranças indígenas presentes: “Mataram a gente com a Bíblia e com a espada, e hoje matam com leis”, denunciou. Davi Kopenawa fazendo coro ao parente Truká disse que é preciso destruir a PEC 215: “Eu não quero morrer outra vez como morremos 500 anos atrás”.

Ministro Dias Toffoli recebe lideranças indígenas no STF

Lideranças indígenas reuniram com Dias Toffoli. Foto: Carolina Fasolo - Mobilização Nacional Indígena
Lideranças indígenas reuniram com Dias Toffoli. Foto: Carolina Fasolo – Mobilização Nacional Indígena

As lideranças indígenas Wagner Krahô Kanela, do Tocantins, Valdelice Veron Guarani-Kaiowá e Lindomar e Paulino Terena, do Mato Grosso do Sul, foram recebidos pelo ministro José Dias Toffoli, na tarde dessa quarta-feira (15/4), no Supremo Tribunal Federal (STF), para tratar do reconhecimento dos direitos territoriais indígenas.

Há o risco de serem confirmadas, no Plenário do Supremo, decisões da 2a Turma que anulam portarias declaratórias de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos Guarani-Kaiowá e Terena, no Mato Grosso do Sul, e Canela-Apãnjekra, no Maranhão. As decisões baseiam-se na tese do “marco temporal”, que condiciona o direito indígena à ocupação do território na data da promulgação da Constituição de 1988.

“Como poderíamos estar na terra em 88 se expulsaram a gente e nos mandaram para as reservas? Não tivemos nem a chance de nos defender nesse processo”, questiona Lindomar Terena.

O ministro recebeu um memorial sobre a Terra Indígena Limão Verde, do povo Terena, uma das que tiveram portaria declaratória invalidada. “É uma área em que não tem mais conflitos e os fazendeiros já foram indenizados. Ficamos preocupados porque essas decisões despertam ainda mais violências contra nós”, alertou Paulino Terena.

Documentos juntados ao memorial comprovam que a área foi registrada em nome da União, em 2007, e que o posseiro e autor da ação contra os indígenas recebeu uma indenização de cerca de R$ 500 mil, ainda em 2001. Todos os proprietários que tinham títulos de boa-fé incidentes sobre a Terra Indígena também receberam indenizações.

Constam ainda no memorial o Relatório Figueiredo e o capítulo indígena da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que sistematizam o esbulho as expulsões e violências sofridas pelos povos indígenas, de 1946 a 1988, praticadas por particulares e principalmente pelo Estado. Relatora da CNV, Maria Rita Kehl também protocolou um documento no processo denunciando as violações aos direitos humanos dos povos indígenas.

“Não queremos todo o Mato Grosso do Sul, só esses pedacinhos que para nós é sagrado”, disse Valdelice Veron, do povo Guarani-Kaiowá. “Guaiviry, Taquara, Passo Piraju, Panambizinho, Guyraroká… nessas terras, onde tem as árvores sagradas, fazíamos o ritual de furação de lábio, chamado kunumi pepy. Hoje só podemos fazer em dois lugares por causa do perigo dos pistoleiros. Só que tudo isso não está escrito porque nós não sabemos mexer com os códigos de vocês ainda. Nós queremos entender esses papeis, só que é difícil pra nós. Mesmo assim eu tenho que falar português. Eu tenho que pensar em Kaiowá e falar pro senhor em português. Eu que tenho que entender o senhor. Eu que tenho que entender o papel do não índio, eu que tenho que decodificar”, afirmou Valdelice ao ministro.

Toffoli é da 2a Turma do STF e deve votar – juntamente com Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lucia e Teori Zavascki – recurso apresentado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) contra a decisão relativa à Terra Indígena Limão Verde. Os ministros devem votar ainda o pedido de ingresso da comunidade indígena no processo. Relator do processo, Zavascki deverá decidir sobre os embargos divergentes do Ministério Público Federal, que, se aceitos, devem ser julgados pelo Plenário do Supremo.

“Queremos pedir seu apoio para que os outros ministros não sigam uma decisão como essa no Plenário, o que prejudicaria todos os povos. Olhem nossa situação enquanto indígenas, tudo o que passamos e o quanto fomos massacrados. Queremos garantir não só a nossa sobrevivência, mas também das nossas futuras gerações”, disse Wagner Krahô Kanela no encontro com Toffoli.

O ministro pontuou que o Judiciário não é o melhor caminho para solucionar problemas como esse. “Na Justiça você não tem meio termo, ou ganha um ou ganha outro, o que não resolve o conflito. O ideal é sempre que o Estado intervenha criando uma solução que seja arbitrada”, disse.

“Senhor ministro, nós temos história, nós temos memória! Em 1953, meus avós, bisavós, foram arrancados da terra e jogados em reservas. Ninguém perguntou para o povo indígena se queria ou não. O meu pai foi assassinado por pistoleiros. Eles é que chegam primeiro quando sai uma liminar de despejo. Queimam a nossa casa, estupram nossas filhas, fazem tudo de ruim com a gente”, denunciou Valdelice Veron.

“O pouco que temos eles queimam e jogam num caminhão, senhor ministro. Depois é que chega a polícia. Isso é uma ferida na alma que jamais vai sarar. Hoje chamam os Kaiowá de arredios, porque até nossas crianças a gente tem que ensinar a correr, a se esconder no mato, a não chorar. Pra não ser pego”, emocionou-se Veron. “Eu venho trazer o clamor, o grito dessas crianças, dessas mulheres, desses idosos, dessas nossas lideranças que são humilhadas quando sai uma liminar de despejo. Estamos acampados por nossos direitos”.

Indígenas reafirmam a presidente da Câmara que resistirão contra PEC 215

Indígenas manifestaram repúdio à PEC 215 durante encontro nessa quarta-feira (15) com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ).  (Fábio Nascimento / MNI)
Indígenas manifestaram repúdio à PEC 215 durante encontro com Eduardo Cunha. Fábio Nascimento / MNI

Na tarde desta quarta-feira (15), 25 representantes da Mobilização Nacional Indígena e 5 da Frente Nacional de Lutas (FNL) entregaram ao presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a carta política do 11º Acampamento Terra Livre (ATL). No documento está a posição dos povos indígenas contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, em tramitação numa Comissão Especial da Câmara.

Cunha se comprometeu com os indígenas a não usar a prerrogativa presidencial de levar a proposta para votação no plenário e disse que não há pressa para votá-la. O peemedebista afirmou que a instalação da Comissão Especial faz parte do rito de cada nova legislatura, e que isso não significa que seja a favor ou contra a PEC 215.

Todavia, não mencionou que, dois dias antes de instalar a comissão, filiou-se à Frente Parlamentar da Agropecuária. Por conta disso, a posição de Cunha não inspirou confiança entre os indígenas. “Já se passaram quase 30 anos da promulgação da Constituição. Na época determinaram que em cinco anos todas as terras indígenas deveriam ter sido demarcadas. Esse prazo não foi respeitado e nem a Constituição está sendo. A própria casa que a criou quer desfazê-la. É uma vergonha”, afirmou o cacique Nailton Pataxó Hã-hã-hãe.

Analisando o passado da colonização, quando a coroa portuguesa criou leis para caçar seu povo, cacique Babau Tupinambá frisou que a atual conjuntura envolvendo os quase 100 projetos de lei ou PECs contra os povos indígenas no Congresso Nacional remontam essa mesma intenção genocida. “Porque o território é a base da vida dos povos indígenas”, disse. Para Babau, os ruralistas defendem que os indígenas não produzem. “Fomos sempre agricultores. Essa terra sempre foi rica porque plantamos nela, mas não desse jeito depredador do agronegócio”.

A PEC 215 completa este ano 15 anos de existência na Câmara. Nunca foi bem vista pelos indígenas, que sempre a rechaçaram. “Nós não queremos que a demarcação deixe de ser um processo administrativo para virar um processo político. Isso interessa aos ruralistas, financiados pelo agronegócio”, atacou Marcos Xukuru. Ao que Roberto Tupiniquim completou: “A Constituição não está sendo desrespeitada por nós, mas pelos ruralistas, pelos brancos. Nunca desrespeitamos as leis dos brancos, mas o branco desrespeita as próprias leis que criam. Os conhecedores das leis as desrespeitam”.

De forma emocionada, Rosane Kaingang relatou a vida de indígenas sob lonas, às margens de rodovias, sofrendo assassinatos, vendo a morte de crianças e estupros. “O senhor (Eduardo Cunha) é evangélico. Nossos povos têm religião forte. Então sabemos da missão de Deus para nós: cuidar um dos outros. Para o caixão o senhor não vai levar seus carros, apartamentos e dinheiro. Faça o certo. O Brasil precisa ser bom para todos e todas”, encerrou.

Unidade na luta  

Integrantes da Frente Nacional de Lutas (FNL) estiveram ao lado dos indígenas na reunião. Acrescentaram apenas duas demandas: a regulamentação da Lei do Trabalho Escravo que permite a desapropriação de terras para fins de reforma agrária em caso de propriedades flagradas mantendo trabalhadores em situação análoga à escravidão e contra Projeto de Lei que não permite a desapropriação em caso de terras improdutivas.

A aliança entre sem terras e povos indígenas possui um ponto em comum. “Está tudo vinculado à terra. Lutamos pela demarcação das terras indígenas e quilombolas e lutamos para que as terras improdutivas venham para a reforma agrária. Só será possível isso com a unidade dos movimentos, com esse entendimento, de unidade na luta”, disse José Rainha, liderança da FNL.

“O Congresso Nacional sempre foi conservador, porque é da elite. O governo do PT se vendeu para o projeto da burguesia. Não podemos esperar nada desses lugares. Para se fazer mudança estrutural, só com o povo na rua”, analisa o líder camponês. “Esse país não mudou nada. É a casa grande contra a senzala. Nossos inimigos são comuns, donos das terras, da mídia, de tudo”, concluiu Rainha.

Parlamentares visitam acampamento

Logo após a audiência no Congresso, sete parlamentares da Frente de Apoio aos Povos Indígenas, lançada no mês passado, visitaram o Acampamento Terra Livre e manifestaram seu apoio à Mobilização Nacional, posicionando-se contra a PEC 215, a paralisação das demarcações pelo Executivo e as recentes decisões anti-indígenas do STF. A ex-senadora e ex-candidata à presidência da República, Marina Silva, também esteve presente.

O deputado Ságuas Moreira (PT/MT), presidente da Frente, criticou a proposta não só porque transfere a prerrogativa de demarcar terras indígenas do Executivo para o Legislativo, mas também por ser inconstitucional. “A questão da PEC é a garantia do direito à terra, é a garantia de demarcação e ampliação de terras indígenas, é a garantia da vida dos povos indígenas. Não há vida paras povos indígenas se suas terras não forem garantidas. Se passar por aqui, ela deverá ser vetada ou embargada pelo STF, mas não podemos confiar nisso”, alertou.

O único senador presente, João Capiberibe (PSB/AP), destacou a importância da articulação dentro do Congresso para que, durante a Mobilização Nacional Indígena, os povos fossem recebidos em uma sessão solene pelo poder Legislativo; a sessão acontecerá nesta quinta-feira (16), às 15h. “Amanhã vai ser uma satisfação muito grande tê-los lá. Eu acho um absurdo a presidente Dilma estar sentada em cima de 20 processos de homologação de terras indígenas. Só falta assinar”, destacou o senador. Janete Capiberibe (PSB/AP), deputada federal, complementou: “Vocês conquistaram o direito de entrar pela porta da frente”.

Érica Kokay (PT/DF) reiterou a importância do Acampamento e da abertura do Congresso, nessa quinta, aos indígenas: “Tomem este gramado, tomem os corredores do Congresso e o Plenário Ulysses Guimarães com a Constituição no peito. Não podemos permitir que a bancada do boi domine o progresso”. Nilto Tatto (PT/SP) lembrou que os ataques se estendem a quilombolas e populações tradicionais: “Só vamos conseguir segurar projetos como a PEC 215 se vocês estiverem permanentemente vigiando Brasília”.

Edimilson Rodrigues (PSOL/PA) foi enfático: “Se a PEC 215 for aprovada, terão que passar por cima dos cadáveres do nosso povo”. Padre João (PT/MG) lembrou que uma minoria no Judiciário, encabeçada pelo Ministro Gilmar Mendes, também tem posto entraves aos avanços na demarcação de terras.

Em seu discurso, Marina Silva lembrou o direito dos indígenas à diferença: “Alguns brasileiros podem ser brasileiros apenas no quadradinho de um apartamento de um arranha-céu. Mas uma coisa é certa: só dá pra ser índio se tiver uma terra do tamanho do direito que é ter a sua autonomia, ter a sua espiritualidade, ter vida respeitada na sua forma de viver, ser e estar no mundo”.

Representando a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Paulo Pimenta (PT/RS), também membro da Frente, assumiu o compromisso de visitar os cinco cantos do Brasil para acompanhar de perto as situações de conflito denunciadas pelos indígenas. Também esteve presente a deputada Elisiane Gama (PPS/MA).

 

Depois de marcha indígena na Esplanada, Miguel Rosseto recebe lideranças

Ministro Miguel Rosseto recebeu lideranças indígenas (Maqueli Quadros / MNI)
Ministro Miguel Rosseto recebeu lideranças indígenas (Maqueli Quadros / MNI)

“Exigimos que o seu governo cumpra os compromissos de campanha manifestados na Carta aos Povos Indígenas do Brasil, divulgada em 23 de outubro de 2014. Reivindicamos que a senhora presidente, Dilma Rousseff, assine os decretos de homologação de mais de 20 terras indígenas que estão sobre sua mesa, uma vez que estas estão sem qualquer impedimento judicial e/ou administrativo para o ato”. Essa foi a principal mensagem da carta protocolada e entregue ao ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Miguel Rosseto, na manhã de hoje (15/4), durante audiência no Palácio do Planalto com representantes indígenas das cinco regiões do país.

O ministro recebeu as lideranças depois do ato organizado pelo grupo de cerca de 1,5 mil indígenas de mais de 200 povos que participam, até esta quinta (16/4), da 11ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), na Esplanada dos Ministérios, uma das principais atividades da Mobilização Nacional Indígena em 2015 (leia abaixo).

No documento, os indígenas também reivindicam que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, publique as portarias declaratórias de Terras Indígenas que aguardam sua assinatura e que a Fundação Nacional do Índio (Funai) publique os Relatórios Circunstanciados de Identificação de terras, concluídos e até hoje engavetados. Junto ao documento, as lideranças anexaram a Carta Compromisso assinada pela presidente em 2014 com uma série de promessas para os povos indígenas.

Durante a reunião, Rosseto ouviu o depoimento das lideranças. Entre os pedidos, também foi exigido um compromisso do governo para articular a derrubada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que, entre outros pontos, transfere para o legislativo o poder sobre as demarcações das terras indígenas, o que significa entregar aos ruralistas, principais inimigos dos povos indigenas, a decisão sobre seus territórios tradicionais. O sucateamento da Funai também foi um dos temas abordados.

Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), reiterou a falta de compromisso do Executivo com os povos indígenas e afirmou que a paralisação da demarcação das terras está ligada a uma decisão política de não enfrentamento aos parlamentares ruralistas. “Enquanto isso, os projetos de lei avançam, a gente continua sofrendo e os conflitos aumentam”, declarou Sônia.

A falta de diálogo da presidente foi um dos pontos mais marcantes em todas as falas das lideranças. “Eu li para cada uma das pessoas no nosso acampamento a Carta Compromisso. Eu disse que ela ia olhar pra a gente. Enquanto isso, o DNIT [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte] diz que nós não podemos ficar nos acampamentos, mas se voltamos para nossas terras, pistoleiros nos encontram, matam nossas lideranças e estupram nossas filhas”, denunciou Valdelice Veron, membro da Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani-Kaiowá (MS).

Lindomar Terena, representante do Conselho do Povo Terena e integrante da Apib, lembrou as recentes decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que afetam as terras indígenas ao definir o marco temporal como parâmetro para as demarcações. Segundo esse entendimento, só seriam consideradas terras indígenas aquelas que os povos ocupavam na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Em outras palavras, os indígenas que estavam fora de suas terras tradicionais, ainda que em função de terem sido expulsos, não teriam direito à elas.

“Meu pai morreu na luta. Nós estamos preparados para a luta e nossos filhos também. Eu acreditei nesse partido [PT], hoje tenho vergonha”, declarou Kretã Kaingang, da coordenação da Apib. De acordo com ele, os indígenas não são covardes e não irão se intimidar diante do que o governo está fazendo com os povos indígenas. Já Rosana Puruborá, representando o sul do Amazonas e noroeste do Mato Grosso, deu uma caneta ao ministro para que fosse entregue à presidente. “Se é por falta de caneta, nós damos uma para que assine a demarcação das nossas terras”, disse.

Rosseto garantiu que tanto a carta quanto as demandas apresentadas pelo grupo chegariam à presidente e assumiu o compromisso de procurar a mobilização ainda hoje para dizer se a presidente receberia as lideranças ou não. Ele reafirmou que a Presidência é contra a PEC 215 e que estaria fazendo todo o esforço no sentido de evitar a sua aprovação. Ele também garantiu que é uma preocupação de Dilma Rousseff definir imediatamente a presidência da Funai, cujo titular hoje é interino.

O ato

“Primeiro as bordunas e depois os arqueiros. Logo atrás as mulheres guerreiras!”, dizia o responsável por organizar o ato que saiu por volta das 11h em direção ao Palácio do Planalto, para audiência com Rosseto. Maria Leusa Munduruku, carregando no colo sua filha Ana Luíza, reiterou a necessidade da semana de mobilização: “É muito importante a gente estar se manifestando pra mostrar pro governo que os povos indígenas ainda existem no Brasil. É importante a gente estar junto na luta contra a PEC 215 e declarando ‘não’, que chega dessa violência, para garantir o futuro dos nossos filhos”.

Em meio a gritos de “Fora PEC 215!” a marcha seguiu por aproximadamente uma hora e, ao chegar na frente do Palácio, os quase 1,5 mil indígenas dançaram, rezaram e fizeram o toré (dança tradicional), também em protesto às recentes medidas da 2ª Turma do STF que anularam as portarias declaratórias de três terras indígenas no ano passado – Guyrakorá, Porquinhos e Limão Verde, dos povos Guarani-Kaiowá, Canela Apanyekrá e Terena, respectivamente.

Márcio Kaingang levava uma cópia da Constituição nas mãos: “A gente tá aqui pra garantir o Artigo 231 e 232. É por isso que eu sempre seguro a Constituição na mão nos protestos”, explica.

A mobilização promove manifestações em vários ponto do País. Eliseu Lopes, liderança Guarani-Kaiowá de Kurusu Amba lembra que ontem (14/4) ocorreu o travamento de diversas rodovias no Mato Grosso do Sul, impedindo o escoamento dos produtos do agronegócio (leia mais). Sobre a morosidade nos processos de regularização fundiária das terras indígenas de sua região, Eliseu avalia: “Nós estamos fazendo a demarcação por nossas próprias mãos, porque pelo governo a gente já esperou muito e até hoje nada”.

A situação das terras em São Paulo foi lembrada por Marcos dos Santos Tupã, coordenador da Comissão Guarani Yvyrupa. A população Guarani Mbya da aldeia Itakupe, localizada na Terra Indígena Jaraguá, vive sob a iminência de um processo de reintegração de posse movido pelo ex-deputado federal Tito Costa. A aldeia fica dentro dos limites dos 532 hectares já reconhecidos como terra indígena Guarani, mas cuja Portaria Declaratória ainda não foi assinada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “Na Itakupe a comunidade está sendo ameaçada. Nós estamos aqui, a Comissão Guarani Yvyrupa, junto com o movimento indígena pra lutar e não podemos nunca parar batalhar por nossos direitos”, disse Marcos Tupã.

Mobilização Nacional Indígena espalha-se em atos pelo país com reivindicações do ATL

Enquanto o Acampamento Terra Livre (ATL) reúne mais de 1,5 mil indígenas em Brasília, a semana de Mobilização Nacional Indígena acontece em todo o país com atos e encontros para reivindicar e debater os direitos indígenas atacados por projetos de lei, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, a anulação de portarias declaratórias de Terras Indígenas por decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a paralisação das demarcações, entre outros. A PEC 215 transfere do governo federal para o Congresso a atribuição de oficializar Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios quilombolas.

“Essa articulação demonstra a unidade dos povos indígenas na luta por seus direitos. Não há terras tradicionais garantidas. O movimento indígena precisa seguir na rua, em aliança com outros grupos que sofrem os mesmos ataques: quilombolas, sem terras, comunidades tradicionais, sem teto”, enfatiza Babau Tupinambá.

Confira abaixo a mobilização nos estados

Bahia

Uma marcha está em curso na cidade de Salvador e envolve os povos Pataxó, Pataxó Hã-hã-hãe, sem terras, quilombolas e mais uma gama diversificada de organizações dos movimentos sociais. Conforme Fábio Titiá Pataxó Hã-hã-hãe, mais de 2 mil pessoas fazem parte do protesto itinerante que percorre órgãos públicos baianos.

O movimento reivindica a reforma agrária, demarcação de terras indígenas e quilombolas, condena a PEC 215 e a retirada dos direitos de indígenas, dos trabalhadores do campo e da cidade. “Concluímos que é necessária essa aliança porque todos estão tendo direitos negados”, declara Fábio Titiá.

Na avaliação das lideranças da marcha, só com mobilização na rua será possível garantir os direitos desses grupos. Durante a tarde desta quarta-feira (15/4), a marcha segue para a Assembleia Legislativa do estado. Uma audiência com o governador da Bahia foi solicitada.

“A marcha vem crescendo, com o apoio da sociedade de Salvador. Um movimento muito bonito”, encerra Fábio Titiá.

Paraíba

Mais de mil indígenas Potiguara fecharam na manhã desta quarta-feira (15/4), a rodovia BR-101, na altura do município de Rio Tinto, litoral norte do estado.

As reivindicações envolvem a PEC 215, demarcação das terras indígenas, a Portaria 303 da Advocacia Geral da União, que tenta legalizar o esbulho das terras indígenas pelo Estado e pela inciativa privada, homologação da Terra Indígena Monte Mor e a desintrusão dos seus invasores. Também está na pauta a conclusão da demarcação da Aldeia Taepi, com 14 mil hectares, invadida por usinas de cana.

“Vemos uma total falta de respeito com a população indígena. A PEC 215 é um genocídio contra os povos indígenas. As decisões do STF de rever portarias de declaração é até pior. Por isso estamos reunidos e mobilizados”, diz o cacique geral Sandro Potiguara.

A criminalização dos Potiguara também está na pauta. O cacique Josivan Potiguara foi assassinado, em 2012, o cacique Aníbal Potiguara levou sete tiros, em 2011, e o cacique Sandro Potiguara só não terminou assassinado porque não estava em casa quando os pistoleiros foram procurá-lo.

Os caciques Bel e Alcides, além de Aníbal e Sandro, também estão sob constantes ameaças, e por isso fazem parte do Programa de Defensores de Direitos Humanos. Outros caciques ainda estão ameaçados e os Potiguara reivindicam que eles também façam parte do programa. “Pedimos justiça pelos atentados e assassinatos ocorridos. Os processos estão parados na Polícia Federal. A impunidade nos torna mais vulneráveis”, defende cacique Bel.

Outro problema são as usinas de cana-de-açúcar dentro do território tradicional. “As usinas Monte Alegre e Agican impedem a demarcação da Aldeia Taepi e jogam o vinhoto em nossos rios, onde pescamos o camarão, o peixe, que fazem parte da nossa tradição desde sempre. Usam também outros indígenas para nos ameaçar, para impedir a luta”, diz Bel.

Rondônia

No município de Vilhena e por todo estado estão previstos diversos protestos, desde trancamento de rodovias e entrega de lista de reinvindicações em órgãos públicos federais.

“Precisamos de melhorias dentro da Funai [Fundação Nacional Indígena]. O governo a abandonou, e a Funai não atende os índios. Os brancos trabalham com horário e regras que não se encaixam para os indígenas”, Lino Sabané.

A Grande Nação Nambikwara, os povos Aikanã, Kauazá e Oro Waran Xejein participarão dos atos tendo na pauta a posição contrária à criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena, a terceirização da pasta e a PEC 215. “Que não rasguem a Constituição Federal. Me parece que essa é a intenção”, diz Sabané.

Os indígenas pedem ainda ao governo federal apoio para enfrentar madeireiros e grileiros. “Não temos proteção para enfrentar esses invasores. Essa semana de mobilizações não pode parar no resto do ano”, encerra Sabané.

Maranhão

Mais de 100 indígenas do povo Gamela fecharam a rodovia estadual MA-014, na altura do município de Viana, a cerca de 900 quilômetros da capital São Luiz. “Latifundiários nos ameaçam de prisão, de morte. Nos sentimos com medo, mas como guerreiros não vamos sair. Diz que mata, mas dizemos que não mata”, afirma Antônio Carlos Gamela.

Nascidos e criados na Terra Indígena Gamela, cujo processo de demarcação está paralisado, os indígenas viram as fazendas chegando aos poucos. A área foi tomada na base da grilagem. “A grilagem na terra é intensa e a demarcação está paralisada. Os interesses de políticos ali são fortes. Deputados e ex-governadores possuem terras em nossa área”, diz José Oscar Gamela.

Na área, tomada por fazendas, existem 42 aldeias, totalizando perto de 10 mil indígenas. “Com a PEC 215, as constantes reintegrações de posse, enfim, com o que o governo, o Congresso Nacional e o Judiciário vêm fazendo, a situação só tende a piorar. Somos guerreiros, vamos resistir”, explica o líder indígena Antônio Carlos.

Rio Grande do Sul

No Rio Grande do Sul, as ações do movimento indígena ocorreram em aliança com os quilombolas. Juntos eles conseguiram impedir a aprovação de um Projeto de Lei (PL) inconstitucional em tramitação na Assembleia Legislativa que pretende impedir demarcações de terras indígenas e quilombolas que afetem pequenos agricultores ou pecuaristas.

“O estado não pode legislar sobre terras indígenas ou quilombolas, impedindo demarcações. Isso é inconstitucional, um completo absurdo”, afirma Kretã Kaingang. Nesta quarta-feira (15/4), uma audiência pública ocorrerá na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre, para tratar do PL e de um outro projeto, que proíbe o uso de animais em rituais da religião afro.

Minas Gerais

Os povos indígenas organizaram uma agenda que começa nesta quinta-feira (16/4), com I Mutirão dos Povos Indígenas e Populações Tradicionais do Norte de Minas Gerais, que segue até o dia 19. O evento ocorrerá na aldeia Brejo Mata Fome, município de São João das Missões. Devem participar 400 indígenas e 100 aliados.

Nos dias 17 e 18/4, acontece a Festa Indígena Pataxó, na Aldeia Gerú Tucunã Pataxó, Distrito de Felicina, município de Açucena. Espera-se a presença de 200 indígenas e 300 aliados. Ainda no dia 18, seguindo até 19, acontece a Festa Indígena Maxakali, na Aldeia Verde, município de Ladainha. Cerca de 300 indgenas e 100 aliados devem participar. Os eventos vão discutir pautas do Acampamento Terra Livre.