Mobilizado em Brasília, movimento indígena quer impedir retrocessos do governo Bolsonaro

Por Mobilização Nacional Indígena 

Intenção de paralisar completamente a demarcação de terras indígenas, agora sob responsabilidade da ruralista Tereza Cristina no Ministério da Agricultura, saída da FUNAI da competência do Ministério da Justiça para o recém-criado Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, ameaça de municipalização da saúde, convocação da Força Nacional e nenhuma disponibilidade para diálogo.

No 15º ano, o Acampamento Terra Livre enfrenta um cenário ainda mais duro que nos anos anteriores. Jair Bolsonaro foi eleito com um discurso contra os povos indígenas, o que inclui mentiras divulgadas para todo o país por meio de suas redes sociais. Por isso, o 15º ATL ganha contornos ainda mais urgentes e a coletiva de imprensa que lançou a mobilização na tarde desta quarta (24) mostrou isso.

“Não vamos nos render às ameaças de governo autoritário algum. Estamos aqui para mostrar que os povos originários estão de pé”, declarou Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Apib, diante das câmeras e microfones da imprensa nacional e estrangeira.

Para Sônia, o governo Bolsonaro é uma tragédia na política indigenista, que sofreu um desmonte completo e o discurso do presidente, de “integrar” os povos, é o mesmo da ditadura, que matou pelo menos 8 mil indígenas de acordo com os dados da Comissão Nacional da Verdade.

“Lamento por quem se deixa enganar pela promessa de explorar os territórios. O bem viver só acontece se tivermos demarcação. Temos 5 séculos de experiência em resistência e vamos continuar resistindo. Queremos o direito de continuar sendo o que somos, com identidade preservada”, afirmou Sônia.

A coordenadora da Apib também se posicionou contra a MP 870 e a decisão do ministro Luiz Roberto Barroso de que ela não representa uma ameaça aos direitos indígenas, divulgada hoje.

Jornalistas e indígenas durante a coletiva de imprensa na abertura do ATL 2019. Foto: Mídia Ninja

Enfrentar as mudanças climáticas é uma luta de todos

Outra questão importante abordada para todo o mundo foi as mudanças climáticas, desprezadas tanto por Bolsonaro, que dispensou a possibilidade de o Brasil sediar a próxima COP, quanto por Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, que gosta de dizer que “isso é coisa para se preocupar daqui 500 anos”. Uma bobagem prontamente desmentida por Sônia, lembrando o papel fundamental dos povos indígenas em mitigar o aquecimento global e preservar a floresta.

“O problema climático não é marxista como o governo diz. Estamos gritando para que o mundo perceba isso. A sociedade precisa entender essa conexão. A causa é humanitária e civilizatória. A luta é de todos”, afirmou Sônia.

Mobilização internacional e permanente

As lideranças da Apib lembraram que, além do Brasil, mais de 12 países estão mobilizados prestando solidariedade aos povos indígenas, da América Central e dos EUA até a Ásia, o que torna o ATL uma das maiores mobilizações indígenas do mundo. Uma delegação do Brasil denunciou o governo Bolsonaro na ONU em fórum permanente sobre questões indígenas.

Desde o início de 2019 os povos originários do Brasil não dão trégua aos retrocessos anunciados por Bolsonaro: manifestações ocorreram em janeiro e em março por todo o país, clamando por nenhuma gota a mais de sangue indígena e obrigando o Ministério da Saúde a voltar atrás na sua intenção de municipalizar a saúde indígena.

Audiência com o presidente do Senado e agendas previstas

Mário Nicácio, da Coiab, ressaltou que os líderes da Apib se reuniram hoje com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que sinalizou um possível apoio na pauta tratada. No entanto, todas as tratativas com parlamentares não alteram em nada a mobilização, que conta com agendas no STF, na Câmara dos Deputados, com o governo do Distrito Federal e outros.

Confira a programação até sexta (26) e acompanhe as novidades no Facebook e Twitter.

XV Acampamento Terra Livre – 2019: Resistimos há 519 anos

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Mobilização Nacional Indígena do Brasil (MNI) divulgaram o texto base do ATL 2019, um guia político que reflete as discussões dos povos indígenas desde as aldeias até a capital federal

Foto: Pablo Albarenga/Mídia Ninja

Há 519 anos, nós, povos indígenas do Brasil, sofremos golpes e mais golpes. As forças políticas e econômicas colonizadoras, caracterizadas pelo projeto expansionista e exploratório, invadiram os nossos territórios, massacraram os nossos povos, arrasaram e se apossaram das nossas terras e riquezas, dizimaram culturas, línguas e alternativas civilizatórias, cometeram etnocídio e genocídio, crimes de lesa humanidade.

Passaram-se cinco séculos, e os nossos povos que sobreviveram a essa barbárie continuam na mira do projeto exterminador. Tudo, na tentativa de se apossar e dilapidar, mais uma vez, os territórios e bens naturais que conseguimos preservar ao longo desse período, que passou pela colônia, a monarquia, o surgimento da República, da ditadura militar, e no Brasil contemporâneo. A usurpação, o esbulho e a violência contra os nossos povos continuam, e se intensificam, assumindo maior brutalidade, no atual governo.

Nós conquistamos, na Constituição de 1988, o reconhecimento do direito à diferença, aos nossos usos, costumes, línguas, crenças e tradições e o direito originário às terras que tradicionalmente ocupamos.

A nossa existência, porém, incomoda. Somos considerados obstáculos que precisam ser removidos para que possa imperar o projeto expansionista do agronegócio e do extrativismo minerário, petrolífero, madeireiro e do assalto aos bens hídricos e da biodiversidade. O governo Bolsonaro recorre a medidas jurídico-administrativas inconstitucionais, sejam estas portarias, decretos ou medidas provisórias, que legitimam e reforçam o uso da violência por parte de forças públicas de segurança, de pistoleiros ou mesmo de supostos proprietários rurais contra os nossos povos e comunidades.

Foto: Jacy Santos/Mídia Ninja

Nesse sentido, o governo atual, em menos de quatro meses de mandato, atacou os direitos indígenas com as seguintes medidas.

  1. Editou a Medida Provisória (MPV) 870/19, com a qual pretende inviabilizar de vez o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas. O governo transferiu a Funai do Ministério da Justiça para o então recém criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (Decretos 9660/19 e 9673/19). Seguindo adiante com o desmonte, Bolsonaro entregou a atribuição de demarcar terras indígenas – identificação, delimitação, demarcação e registro – para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sob comando de representantes do latifúndio e do agronegócio. Para esta secretaria do Ministério da Agricultura também seguiu a manifestação estatal sobre processos de licenciamento ambiental de empreendimentos com impacto sobre essas terras (Decreto 9667/19). Essa afronta ao nosso direito originário continua. O Incra oficiou a Funai para que retire do Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) as terras indígenas que não estejam homologadas e/ou regularizadas. Ou seja, o Incra quer retirar todas as terras indígenas que estão em processo de demarcação das bases de dados oficiais para que proprietários rurais possam conseguir crédito e consolidar atividades dentro das terras indígenas.
  2. Para o movimento indígena está evidente a intenção do governo em descontinuar o Decreto 1775/96, promovendo alterações nos procedimentos de demarcação das terras indígenas. O próprio presidente da República tem declarado que não demarcará mais nenhum centímetro de terra indígena e que pretende rever demarcações consolidadas. A mesma postura se aplica inclusive aos quilombolas, que também possuem um enorme passivo em termos de reconhecimento de seus territórios.
  3. O governo tem assumido publicamente um discurso integracionista, que reitera a visão de que os povos indígenas não precisam de terras, a não ser que assumam o viés produtivista do agronegócio e disponibilizem os seus espaços de vida para o mercado de terras ou para o arrendamento, usurpando assim o direito de posse e usufruto exclusivo assegurado pela Constituição Federal. O propósito, na verdade, é entregar as terras e territórios indígenas à exploração predatória dos solos e riquezas que elas abrigam aos detentores das corporações nacionais e internacionais do agronegócio e da mineração. Enfim, investir no processo de transformação da terra em mercadoria.
  4. A visão integracionista e, pior, assimilacionista e divisionista do governo Bolsonaro serve também ao seu interesse de acabar com as políticas públicas diferenciadas, duramente conquistadas por nós nos últimos 30 anos. Isso se reflete, por exemplo, na tentativa do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, de municipalizar ou estadualizar a política de atenção básica à saúde indígena, principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país. O ministro só voltou atrás após reação contundente dos povos e organizações indígenas mobilizados contra essa proposta no Brasil inteiro. Nessa mesma direção o governo extinguiu a Coordenação Geral de educação Escolar Indígena da estrutura administrativa do MEC, juntamente com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). No ano em que a ONU celebra o Ano Internacional das Línguas Indígenas, o Brasil dá sinal de retrocessos na política de educação diferenciada, sem nenhuma proposta para melhorar a infraestrutura das escolas Indígenas e de promover a formação de professores indígenas, entre outras reivindicações do movimento indígena. Essa visão integracionista está na base do entendimento do governo de que somos incapazes, e portanto, objetos de manipulação de pessoas e instituições alheias aos nossos povos e organizações. O Governo desrespeita assim a nossa condição de sujeitos de direito e a nossa autonomia reiterada pela Constituição Federal.
  5. Para inviabilizar a participação dos povos e organizações indígenas na discussão, formulação e fiscalização das políticas públicas que lhes dizem respeito, o Governo Bolsonaro decidiu publicar, no dia 11 de abril, o Decreto Nº 9759/19 que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal” (conselhos, comitês, comissões, grupos, fóruns etc.). Dentre outras instâncias de participação conquistadas pelo movimento indígena, agora extintas, destaca-se o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI).
  6. O governo Bolsonaro mantém em vigor o inconstitucional Parecer 001/17 da Advocacia Geral da União (AGU), mesmo ele estando totalmente deslegitimado e desqualificado por recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso Laklanõ (Recurso Extraordinário 1.017.365), que reconheceu não haver posicionamento pacificado desta Corte acerca da interpretação do Artigo 231 quanto ao conceito de terra tradicionalmente ocupada.
Foto: Jacy Santos/Mídia Ninja

O projeto governamental de querer dizimar os povos indígenas se materializa dia a dia ao negar, inclusive, o direito de ir e vir não apenas em espaços institucionais, mas também em vias públicas, violando flagrantemente o nosso direito constitucional de nos manifestar. É com esse propósito que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) ordenou ao Ministro da Justiça, Sérgio Moro, autorizar o uso da Força Nacional de Segurança na praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, por 33 dias, para intimidar que os povos se juntem para realizar a sua grande Assembleia Nacional anual – o Acampamento Terra Livre.

A esses ataques do Executivo somam-se as dezenas de iniciativas legislativas que tramitam no Congresso Nacional, sob comando principalmente da bancada ruralista. A maioria desses projetos de lei ou emendas constitucionais é voltada a suprimir os nossos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988. Entre tantas, destacamos o PL 1610/96, que trata da mineração em terras indígenas, a PEC 215/00, que pode ser votada a qualquer momento no plenário da Câmara, e o PL 6818/13, que tramita apensado ao PL 490/17 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desta mesma casa legislativa. Essas iniciativas pretendem inviabilizar as demarcações, abrir os territórios indígenas para a exploração e aniquilar o direito de consulta, livre, prévia e informada assegurado pela Convenção 169 da OIT.

O desmonte na área ambiental também é bastante evidente, com interferências nos processos de fiscalização de ilícitos, desarticulação de setores importantes do Ministério do Meio Ambiente e paralisação de processos de criação de Unidades de Conservação. A Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI), que já vinha sofrendo um processo de inanição, dificultando sua implementação, certamente será completamente engavetada.

Para agravar esse cenário, reforçado pelo discurso de ódio, tem aumentado, nos territórios, a violência contra nossas comunidades, a criminalização de nossas lideranças e as práticas ilícitas e criminosas de invasão, loteamento, venda de lotes, desmatamento, roubo de madeira, garimpagem e tentativas para arrendamento de nossos territórios, expondo-nos a uma crescente insegurança jurídica, política, econômica, ambiental e social.

Dessa forma, em menos de quatro meses o governo Bolsonaro tenta desmontar 30 anos de conquistas na política indigenista, que, mesmo ainda insuficientes, significaram avanços nas distintas áreas de interesse dos povos: demarcação, saúde e educação indígena diferenciadas, gestão e proteção territorial e ambiental, participação e controle social.

Neste cenário extremamente grave, de múltiplas agressões sofridas por nós, os ministros do STF tem uma responsabilidade fundamental: não permitir e legitimar uma reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras tradicionais, estabelecido pelo Artigo 231 da Constituição Federal.

Foto: Pablo Albarenga/Mídia Ninja

Acompanhamos com imensa atenção e expectativa o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, considerado de Repercussão Geral, por meio do qual o STF definirá sua posição acerca das teses do Indigenato (Direito Originário) ou do Fato Indígena (Marco Temporal). Nossa atenção e expectativa se justifica porque a decisão a ser tomada pelos ministros do STF neste processo judicial será aplicada ao caso concreto da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, em Santa Catarina, e também a todas as terras indígenas do Brasil que estejam ou que venham a estar em disputa por meio de processos judiciais semelhantes em todas as instâncias do Poder Judiciário.

De acordo com a interpretação do Marco Temporal, nossos povos somente teriam direitos às suas terras se estivessem na posse física delas no dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, ou se estivessem em conflito de fato ou possessório pela terra na mesma data. Essa interpretação do Artigo 231 da Constituição Federal legitima e legaliza as expulsões e as demais violações e violências cometidas, inclusive no passado recente. Consiste, ainda, numa poderosa e perigosa sinalização, para os históricos e novos invasores das terras indígenas, de que os mecanismos da violência, dos assassinatos seletivos de lideranças e do uso de aparatos paramilitares para expulsar os povos das suas terras seriam legítimos, convenientes e até vantajosos para os seus intentos de se apossarem e explorarem essas terras, já que legitimados estariam aqueles que cometeram tais crimes e arbitrariedades.

Foto: Pablo Albarenga/MídiaNinja

Nossa história não começa em 1988! Marco Temporal Não!

A nossa história sempre esteve marcada por uma relação de violência, massacres, espoliações, discriminação e racismo por parte do Estado e das classes dominantes. Mas a gente nunca deixou de resistir e de lutar contra todos os regimes que se sucederam em nosso país desde a invasão colonial, inclusive durante a ditadura militar.

Estamos aqui mobilizados para dizer ao Brasil e ao mundo que estamos vivos, que continuamos em luta pela conquista e defesa dos nossos territórios e de políticas públicas que respeitem nossos modos de ser, que resistiremos custe o que custar. Seguiremos dando a nossa contribuição na construção de uma sociedade realmente democrática, plural, justa e solidária, por um Estado pluricultural e multiétnico de fato e de direito, por um ambiente equilibrado para nós e para toda a sociedade brasileira, pelo Bem Viver das nossas atuais e futuras gerações, da Mãe Natureza e da Humanidade.

Brasília – DF, 24 de abril de 2019.

XV ACAMPAMENTO TERRA LIVRE

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB)

MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA (MNI)

Caso de repercussão geral no STF pode definir o futuro dos povos indígenas do Brasil

Por Mobilização Nacional Indígena 

Num contexto em que ataques e ameaças dificultam as relações com o governo federal, e no legislativo projetos e bancadas contrários aos povos indígenas se sobressaem no Congresso Nacional, os olhares e as esperanças de garantir que seus direitos constitucionais não sejam desfigurados se voltam ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em abril, o STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, caso que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. Por isso, no prazo de um ano, a Suprema Corte poderá dar uma solução definitiva aos conflitos envolvendo terras indígenas no país, e garantir um respiro às comunidades que se encontram, atualmente, pressionadas por poderosos setores econômicos.

Por este motivo, no 15º Acampamento Terra Livre (ATL), os povos indígenas decidiram realizar uma vigília em frente ao STF, para chamar a atenção à luta por justiça histórica e em defesa de seus direitos originários.

Entenda do que se trata esse julgamento e o que está em jogo.

Indígenas detêm esperanças de que o STF faça justiça. Foto: Webert da Cruz/Mídia Ninja

Do que trata o RE 1.017.365?

O Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), é um pedido de reintegração de posse movido pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Farma) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, que ocupam uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional. A terra em disputa é parte do território Ibirama-Laklanõ, que foi reduzido ao longo do século XX. Os indígenas nunca deixaram de reivindicar a área, que foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como parte da sua terra tradicional.

Por que esse julgamento é importante?

Em decisão publicada no dia 11 de abril, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a repercussão geral do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese que servirá de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário. Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre terras tradicionais que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, a Suprema Corte admite, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

O julgamento tem data marcada?

Não, ainda não há uma data para que o caso Xokleng seja julgado. Há, entretanto, um prazo para ele ser julgado: quando um recurso tem sua repercussão geral reconhecida pela Corte, o julgamento deve acontecer dentro de um ano, a contar da publicação da decisão – no caso Xokleng, isso ocorreu no dia 11 de abril.

O que está em jogo?

No limite, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra. Há, em síntese, duas teses principais que se encontram atualmente em disputa: de um lado, a chamada “teoria do indigenato”, uma tradição legislativa que vem desde o período colonial e que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário – ou seja, anterior ao próprio Estado. A Constituição Federal de 1988 segue essa tradição e garante aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Do outro lado, há uma interpretação mais restritiva, que pretende restringir os direitos dos povos indígenas às suas terras ao reinterpretar a Constituição com base na tese do “marco temporal”.

O que é marco temporal?

A tese do marco temporal defende uma interpretação mais restritiva dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Nessa interpretação, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração dos territórios indígenas, os povos só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, ou que estivessem sob disputa física ou judicial. Na avaliação de indigenistas, juristas, lideranças indígenas e do Ministério Público Federal (MPF), essa é uma tese perversa, pois legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988. Além disso, essa posição ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por seus direitos.

Que consequências esse julgamento pode ter para os povos indígenas?

Caso a decisão do STF seja em favor dos direitos originários dos povos indígenas e, portanto, contra a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país poderão ter o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos judiciais seriam imediatamente resolvidos. As 310 terras indígenas que estão estagnadas em alguma etapa do processo de demarcação, assim como outras 537 que ainda não tiveram nenhuma providência do Estado para proceder com sua identificação, já não teriam, em tese, nenhum impedimento para que seus processos administrativos fossem concluídos.

Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar o esbulho e as violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas. Esta decisão ainda poderá incentivar um novo processo de invasão e esbulho possessório a terras demarcadas – situação que já está em curso em várias regiões do país, especialmente na amazônica.

Os povos indígenas podem participar do julgamento?

O relator do caso, ministro Edson Fachin, defendeu a ampla participação de todos os setores interessados no tema, dada a importância da matéria. Tal participação pode se dar partir da figura do amicus curiae – termo em latim que significa “amigo da corte” e que permite que pessoas, entidades ou órgãos com interesse e conhecimento sobre o tema contribuam subsidiando o tribunal. Por esse caminho, comunidades e organizações indígenas deverão estar habilitadas a contribuir com o processo.

Além disso, a própria comunidade Xokleng também deve pedir sua admissão como parte no processo, tendo em vista que é diretamente afetada por ele e que o direito de acesso à justiça foi assegurado aos povos indígenas na Constituição de 1988.

Ministro diz que STF poderá intervir se demarcações forem paralisadas

Por Mobilização Nacional Indígena

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Roberto Barroso indeferiu, ontem (23), o pedido de liminar do PSB para suspender os artigos da Medida Provisória (MP) 870/2019 e da série de decretos editados em janeiro que transferiram para o Ministério da Agricultura as competências de demarcar as Terras Indígenas e opinar sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos que afetem esses territórios. As duas atribuições pertenciam à Fundação Nacional do Índio (Funai). A medida faz parte da reforma ministerial realizada pelo governo Bolsonaro em seus primeiros dias.

O pedido de liminar foi incluído na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PSB. O plenário do tribunal ainda vai analisar o mérito da ação.

Para negar a liminar, o ministro justificou que o Executivo tem o direito de reorganizar o desenho administrativo dos ministérios,o que foi feito por meio da MP e dos decretos. A reforma ministerial faria parte da “competência discricionária do Chefe do Executivo Federal” e, por si só, não afetaria os direitos indígenas, segundo Barroso. Para ele, portanto, o STF não pode interferir no caso sob pena de comprometer o princípio da separação dos poderes.

A presença indígena em Brasília visa sensibilizar os ministros do STF diante de uma conjuntura sem saídas políticas. Foto: Mídia Ninja

Apesar disso, Barroso reforçou que o governo deve garantir o direito dos índios às suas terras e avançar nas demarcações. “A Constituição de 1988 garante aos povos indígenas o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, atribuindo à União o dever de demarcá-las (art. 231). Essa competência não é discricionária, mas vinculada, não estando sujeita a opções políticas”, afirma o texto da decisão.  

O ministro deixou claro que o Judiciário poderá agir se as demarcações forem paralisadas. “A União, por meio do MAPA, está obrigada a promover tais demarcações, e a recusa em realizá-las efetivamente implicaria um comportamento inconstitucional”, segue o ministro.

“É fundamental que a atuação do MAPA na matéria seja acompanhada com cuidado, contrastando-se a série histórica das demarcações, sob o regime constitucional de 1988, com as novas demarcações empreendidas pelo Ministério. Caso reste comprovado, no mundo real, que a transferência de atribuições promovida pela MP 870/2019 implicou a frustração das demarcações ou da garantia do usufruto dos índios à terra, estará justificada a intervenção deste Tribunal”, reforça a decisão.

“A decisão é explícita ao dizer que a demarcação de terras é ato vinculado e que o Mapa está obrigado a cumprir a Constituição e demarcar as terras. Qualquer paralisação ou juízo político sobre o assunto estarão sujeitos a controle do Judiciário. O ordenamento jurídico permite, inclusive, responsabilização pessoal do agente público que descumpre a legislação”, comenta a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula Batista.  

“A decisão reforça o direito originário dos índios às terras que são de sua ocupação tradicional. Reforça o que está na Constituição. Reforça o dever da União de cumprir o que diz o artigo 231 da Constituição, inclusive quanto ao dever de proteger as Terras Indígenas”, afirma o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rafael Modesto.   

O Congresso Nacional apresenta um labirinto aos povos indígenas: aumentou a bancada parlamentar aliada, mas Câmara e Senado seguem com maioria subserviente aos seus inimigos. Foto: Leonardo Milano/Mídia Ninja

Acampamento Terra Livre 2019

A decisão de Barroso foi dada às vésperas do início da 15ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a principal mobilização dos povos indígenas do país. O ATL foi instalado na manhã de hoje, ao lado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Os indígenas começaram a instalar tendas e barracas de madrugada, em frente ao Congresso, como foi feito durante muitos anos, mas tiveram de sair do local por pressão da PM.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o acampamento, preferiu aceitar a nova localização para evitar qualquer tipo de tensionamento com a polícia e reforçar o caráter pacífico da mobilização.

Na semana passada, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, publicou uma portaria autorizando o uso da Força Nacional na Esplanada e na Praça dos Três Poderes por mais de um mês, a pedido do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com a desculpa de “desencorajar” atos de violência. De acordo com a Apib, não há nenhuma justificativa para a medida, uma vez que o ATL acontece há quinze anos em Brasília, de forma pacífica, sem nenhum incidente grave. A articulação divulgou uma nota criticando a portaria (leia aqui).  

A estimativa é de que quatro mil indígenas, de todas as regiões do país, participem do acampamento. Estão previstas atividades culturais, plenárias, atos e protestos até a próxima sexta (26) (veja a programação).

Em sua 15ª edição, ATL começa na Esplanada dos Ministérios e por pressão da PM vai para a Praça dos Ipês

Indígenas mudam ATL para a Praça dos Ipês após pressão da Polícia Militar do Distrito Federal. Crédito da foto: Mídia Ninja

Por Mobilização Nacional Indígena

O 15º Acampamento Terra Livre (ATL) começou na manhã desta quarta (24), na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, mas depois de pressão da Polícia Militar do Distrito Federal, as delegações foram forçadas a deixar o local e se dirigir à Praça dos Ipês, ao lado do Teatro Nacional. As negociações transcorreram durante a manhã, após a chegada dos indígenas no final da madrugada.

“Há um ambiente ruim para os povos indígenas criado pelo presidente Jair Bolsonaro. Não podíamos entrar nesse conflito com a polícia antes da abertura oficial do ATL. Viemos de muito longe, dias de viagem, e voltar para casa sem o nosso encontro avaliamos como ruim. Preferimos dar um passo atrás, mostrar que nosso objetivo não é a violência, e dar dois passos pra frente depois”, declarou Sandro Tuxá.   

As delegações do país começaram a chegar na terça (23). No final da madrugada de hoje, iniciaram a instalação de barracas e tendas, em frente ao Congresso. A movimentação foi pacífica, sem nenhum tipo de incidente, apesar do governo federal ter esperado as delegações com a Força Nacional de Segurança Nacional após falas mentirosas do presidente Jair Bolsonaro, numa tentativa de incitar a população contra os indígenas.  

Povos indígenas apresentam seus rituais e danças durante o ATL. Foto: Mídia Ninja

A expectativa é de que estejam na capital federal, até sexta (26), cerca de quatro mil índios de todas as regiões do país. O objetivo é discutir a situação dos direitos indígenas e das  principais políticas públicas destinadas aos povos indígenas. As lideranças reivindicam o cumprimento de seus direitos garantidos na Constituição, em especial, a retomada imediata das demarcações das Terras Indígenas (TIs).

A mobilização exige que a Fundação Nacional do Índio (Funai) volte a ser subordinada ao Ministério da Justiça e que também volte a ter as atribuições de demarcar essas áreas e opinar sobre o licenciamento ambiental de projetos que afetem essas populações. As lideranças não aceitam, ainda, a proposta do governo de municipalizar ou estadualizar o atendimento de saúde das comunidades.

Os Kayapó, desde os anos 80, clicados com o Congresso Nacional ao fundo: diplomatas contra um governo intolerante. Foto: Mídia Ninja

O governo Bolsonaro entregou ao Ministério da Agricultura, comandado por políticos ruralistas historicamente contrários aos direitos indígenas, as competências de demarcar as TIs e opinar sobre os licenciamentos que envolvam os territórios indígenas. Já a Funai foi esvaziada e está hoje subordinada ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, comandado pela polêmica pastora Damares Alves. Bolsonaro já afirmou inúmeras vezes que não demarcaria “nem mais um centímetro de TIs”. Também já se referiu várias vezes aos povos indígenas de forma depreciativa.

Ao longo do dia, acontecem protestos em 12 países em solidariedade aos povos indígenas no Brasil. Em especial, estão sendo organizados atos em frente às embaixadas brasileiras.

Vigília no STF

Hoje à noite está prevista uma vigília em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) para sensibilizar os ministros da corte em relação a diversos casos que envolvem o reconhecimento de TIs. Os participantes do acampamento pretende dançar, cantar e realizar rituais. Amanhã pela manhã acontece uma audiência conjunta das comissões de Meio Ambiente e Direitos Humanos da Câmara para discutir a situação dos direitos indígenas. Uma comitiva de lideranças vai participar do evento. Estão previstas, ainda, plenárias, debates, atos públicos e atividades culturais no acampamento (veja a programação).

Na semana passada, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, publicou uma portaria autorizando o uso da Força Nacional na Esplanada e na Praça dos Três Poderes por mais de um mês, a pedido do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com a desculpa de “desencorajar” atos de violência. De acordo com a coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), não há nenhuma justificativa para a medida, uma vez que o ATL acontece há quinze anos em Brasília, de forma pacífica. A Apib divulgou uma nota criticando a portaria (leia aqui).  

Madrugada tomada pelos povos indígenas na Esplanada dos Ministérios. Foto: Mídia Ninja

No início da manhã, viaturas da polícia começaram a se posicionar em frente ao Congresso. Por volta das 8:30, já havia 90 viaturas posicionadas no local, incluindo carros da tropa de choque e cavalaria. No meio da manhã, o clima continuava tranquilo.

Pouco depois, o ministro Sérgio Moro esteve perto da mobilização, mas para acompanhar uma cerimônia de lançamento de uma operação das polícias militares do país. Ele deixou o evento sem falar com as lideranças indígenas. Questionado sobre as reivindicações dos índios, Moro respondeu apenas que o acampamento era uma “manifestação pública como outra qualquer” e que não estava ali para falar do assunto.

A Apib vem tentando dialogar com o governo, mas sem sucesso. Ainda durante o período de transição, a articulação pediu uma audiência com representantes da nova administração, mas que foi negada.

“O ATL é a maior assembleia indígena do país. Estamos aqui para reivindicar nossos direitos de forma pacífica. Tudo o que decidem aqui em Brasília afeta nossa base: autorizar mineração nas Terras Indígenas, não demarcar as TIs, tirar a saúde indígena, a educação. Temos o direito de estar aqui”, diz Alessandra Korap, do povo Munduruku.

“Queremos realizar nossa assembleia e nivelar informações, discutir os temas que o próprio governo tem pautado no Congresso e nos outros poderes. Vamos desenvolver atividades culturais, intercâmbios e atos e também dialogar com os poderes”, informa Mário Nicácio, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). “Como sempre, nossas mobilizações, desde nossas aldeias, são baseadas no diálogo, no entendimento,  no esclarecimento. Como sempre, estamos abertos para o diálogo”.

Programação do Acampamento Terra Livre

O ano de 2019 começou num contexto gravíssimo. Logo no primeiro dia após o ato de posse, o presidente Jair Bolsonaro editou a MP 870, cuja medida desmonta a FUNAI, órgão responsável pela política indigenista do Estado brasileiro, transferindo o mesmo, do Ministério da Justiça para o recém criado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela Ministra Damares Alves. Essa mesma medida retirou as atribuições de demarcação de terras indígenas e licenciamento ambiental nas Terras indígenas da FUNAI e entregou para a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA, sob comando da bancada ruralista. Daí seguiu-se uma série de ataques e invasões articuladas contra as terras indígenas, perseguição e expressão de racismo e intolerância aos nossos povos e nossas vidas. Por último o anúncio do Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, acirrou ainda mais o desmonte, quando anunciou mudanças no atendimento à saúde indígena, objetivando a municipalização, numa clara intenção de desmontar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), levando a extinção do subsistema de saúde indígena, uma conquista histórica e resultado de muitas lutas do movimento indígena.

É nesse contexto que acontece o 15° Acampamento Terra Livre, que vai exigir de nós sabedoria, serenidade e muita força espiritual durante os três dias intensos.

Confira a programação do ATL 2019:

 

23/04 – TERÇA – FEIRA

MANHÃ/ TARDE/NOITE

– Chegada das Caravanas indígenas em Brasília

– Incidência na Câmara em vista da MP 870

 

24/04 – QUARTA – FEIRA

MANHÃ

– Encontro das delegações indígenas

– Instalação do acampamento

TARDE

– Coletiva de imprensa

– Abertura do ATL

– Leitura do documento base

– Saudações dos movimentos sociais nacionais e internacionais

– Marcha para o STF

NOITE

– Vigília no STF (Cantos, danças e rituais)

 

25/04 – QUINTA – FEIRA

MANHÃ

– Audiência pública na Câmara dos Deputados: O papel dos povos indígenas na proteção do meio ambiente e desenvolvimento sustentável e as consequências da MP 870/19

– Cantos, danças e rituais

– Audiência na Câmara legislativa distrital – Delegação

 

TARDE

– Acompanhar a Audiência no STF – Delegação

– Plenária nacional das Mulheres indígenas

– Plenária da Juventude e Comunicadores indígenas

 

NOITE

– Lançamento de relatórios

 

26/04 – SEXTA – FEIRA

MANHÃ

– Rituais indígenas

– Marcha

 

TARDE

– Plenária de encerramento

– Aprovação da agenda de lutas

– Aprovação do documento final do ATL2019

 

NOITE

– Encerramento com noite cultural, apresentações indígenas e não indígenas

 

27/04 SÁBADO

– Retorno das delegações

Delegação do Brasil denuncia governo Bolsonaro em Fórum Permanente sobre Questões Indígenas da ONU

Delegação indígena durante protesto na frente da Embaixada do Brasil, em Nova York. Crédito da foto: Amazon Watch

Por Mobilização Nacional Indígena (MNI)

Enquanto o 15º Acampamento Terra Livre (ATL) leva a Brasília, a partir desta quarta-feira (24), as principais pautas dos povos indígenas, em Nova York uma delegação composta por indígenas, indigenistas e ativistas do Brasil participa do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU).

Nesta terça (23) a coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, se pronunciou ao plenário do Fórum. Ela explica que pediu ajuda “à comunidade internacional para intensificar o boicote aos produtos do agronegócio que sejam oriundos de áreas de conflito”.   

A liderança afirmou às Nações Unidas que a democracia no Brasil “está sangrando, a terra está gritando e as pessoas não estão conseguindo fazer a conexão com a Mãe Terra”. Sônia frisou o caráter autoritário do governo Jair Bolsonaro e as posições públicas do presidente que negam os direitos e a existência dos povos indígenas.

“Isso se mostra no discurso dele (Bolsonaro) do assimilacionismo dos povos indígenas à sociedade, que é o nosso desaparecimento. Sem direitos, fora das nossas terras para serem devastadas pela mineração e agronegócio, e a gente servindo de mão de obra barata nas cidades ou nas fazendas”, destaca.       

Sônia levou ao conhecimento da comunidade internacional um discurso de Bolsonaro, feito em 1998, onde o então deputado federal “chama a cavalaria do Brasil de incompetente e que boa mesmo era a dos EUA, que dizimou os indígenas”. Para a liderança indígena da Apib, o discurso de ódio do presidente tem levado violência ao campo brasileiro.

Os indígenas demonstraram que produtos do agronegócio brasileiro são oriundos de áreas de conflito fundiário. Crédito da foto: Amazon Watch

Logo o resultado das eleições presidenciais se consolidou nas urnas, em outubro de 2018, uma onda de violência chegou às terras indígenas espalhadas pelo país. Segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelo menos seis terras indígenas foram invadidas em diferentes regiões do país. Somadas as ameaças e atentados, este número chega a 18 conforme a Apib.

Dados levados ao Fórum Permanente junto com um dossiê das inamistosas medidas do governo logo nos primeiros dias de 2019. A partir da medida provisório que estabeleceu a nova estrutura do governo, a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi retirada do Ministério da Justiça e levada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.   

A demarcação das terras indígenas, por sua vez, não continuou com a Funai, esvaziando o órgão indigenista, e seguiu para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, pasta comandada pelo ruralista Nabhan Garcia e integrada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que tem como ministra a parlamentar egressa da bancada ruralista na Câmara Federal, Tereza Cristina.  

Em vista do flagrante conflito de interesses estabelecido, o governo agora pretende submeter a demarcação das terras indígenas ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), decisão questionada por nota técnica do Ministério Público Federal (MPF) e organizações indígenas e indigenistas.

“Hoje não se sabe como as demarcações ocorrerão, e se vão ocorrer. São medidas perversas deste governo, que não contente ainda extinguiu o CNPI (Conselho Nacional de Política Indigenista). São todos retrocessos inaceitáveis que seguiremos denunciando no Brasil e para o mundo”, conclui Sônia.

A delegação organizou ainda um protesto às portas da Embaixada do Brasil, que contou com a presença de artistas nacionais e internacionais, além de ampla cobertura da imprensa americana. Os indígenas lembraram que durante esta semana os povos estarão reunidos no ATL, que está em sua 15ª edição.    

Cacique Jair Seixas Maraguá conectou a origem de seu povo com a demanda territorial atual. Crédito da foto: Gilderlan Rodrigues da Silva/Cimi

Evento paralelo

O Fórum Permanente tem a função de reunir representações indígenas para informar a ONU sobre questões relativas ao desenvolvimento econômico, social, cultural, ambiental, educacional, além da saúde e violações aos direitos humanos. Invasões territoriais, omissões do Estado brasileiro e a violência são outros pontos abordados.

Como é habitual nestas agendas da ONU, a delegação também participa de eventos paralelos organizados por entidades sociais, articuladas em redes de cooperação, a partir de vários países diferentes. Nesta terça, ocorreu o debate ´Sabedorias do Sul e Norte: Direitos de Terra e Regeneração´.  

O cacique Jair Seixas Maraguá explicou aos presentes como o seu povo surgiu, nas florestas da Amazônia. Histórias contadas pelos antigos e conectadas com o presente de ameaças contra os povos indígenas. “Vamos resistir pela nossas crianças e nossos velhos”, frisou o cacique ao lado de indígenas de outros países.

“Precisamos da ajuda de todos para proteger a Amazônia”, disse. Cacique Jair a todo momento ressaltou o ambiente de terror vivenciado pelos povos indígenas do Brasil. O que restou de territórios tradicionais, Bolsonaro já disse que não irá demarcar nenhum centímetro. As ameaças são constantes. “Se morrer um, nasce dez”.

A programação do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU) seguirá nesta quarta (24). Novas lideranças deverão se pronunciar. Um outro evento paralelo também está programado com o tema ‘A Crescente Ameaça aos Povos Indígenas no Brasil’.  

Participam do debate Erileide Domingues Guarani Kaiowá, Justino Rezende Tuyuca, o cacique Jair Seixas Maraguá, Gilderlan Rodrigues da Silva, coordenador do Cimi, além das professoras Fernanda Bragato, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), e Jocelyn Getgen Kestenbaum.