Acampamento Terra Livre propõe aliança entre povos indígenas de diversos países

Lideranças internacionais comparecem à maior mobilização indígena dos últimos anos

 

Representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e lideranças indígenas internacionais reuniram-se, hoje (26/4), no terceiro dia do Acampamento Terra Livre, para discutir a unificação de forças entre povos indígenas de várias regiões do mundo.

Na comitiva indígena internacional, estão representantes de povos do Panamá, Costa Rica, Guatemala, Equador, Bolívia e Indonésia.

“Muitas das coisas que a gente vê em outros países são semelhantes à nossa realidade. Muda o povo, muda a língua, muda a legislação de cada país, mas o propósito da luta é o mesmo”, disse Kléber Karipuna, liderança de base da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasília (Coiab) e da coordenação da Apib.

“Não há nenhum impedimento para que uma aliança entre os povos indígenas na América Latina seja consolidada”, defendeu Paulo Montejo, assessor da Apib.

Entre os diversos pontos comuns que motivam a luta de povos indígenas no Brasil e no mundo, quatro foram destacados: o direito à terra, a liberdade de autodeterminação, a criminalização de lideranças e o acesso a fundos de financiamento para as organizações indígenas.

“Se você sente que isso nos conecta e que isso está errado, vocês são mais do que bem-vindos para se juntar a nós”, destacou Mina Setra, da Indonésia.

Novas reuniões entre lideranças indígenas estrangeiras e brasileiras vão ocorrer até o fim do ATL, nesta sexta (28/4), para discutir a aliança internacional entre povos indígenas.

Munduruku bloqueiam rodovia no Pará por demarcação de terras e contra o desmonte da Funai

Indígenas do Tapajós também participam do Acampamento Terra Livre, em Brasília, e lutam pela proteção de suas terras tradicionais

Cerca de 100 Munduruku do alto e do médio Tapajós, no oeste do Pará, bloquearam, na tarde desta quarta (26), a rodovia Transamazônica (BR-230), em Itaituba, em manifestação contra o desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela demarcação da Terra Indígena Sawre Muybu.

Os povos indígenas do Tapajós foram duramente atingidos pelo corte de recursos e de cargos feitos na Funai feitos pelo governo. A situação vivenciada na região é exemplar do que acontece no resto do Brasil: atualmente, apenas cinco servidores são responsáveis por atender uma população de quase vinte mil indígenas de 13 povos diferentes que vivem ao longo do curso do Rio Tapajós.

Três dos 14 servidores que trabalhavam na Coordenação Regional responsável por atender os povos indígenas do Baixo, Médio e Alto Tapajós foram exonerados. Para piorar a situação, há servidores licenciados nas três Coordenações Técnicas Locais (CTLs) que atendem a região e problemas para garantir a manutenção das sedes da Funai.

Na CTL de Santarém, no baixo Tapajós, apenas dois servidores precisam dar conta de atender diversos povos e, no momento, estão com a sede fechada, porque a Funai não conseguiu pagar o aluguel do prédio onde funcionava a CTL.

Em Jacareacanga (PA), no alto Tapajós, uma CTL foi recentemente fechada e outra, também sem sede, tem apenas um servidor que atualmente está afastado por licença médica.

Em Itaituba (PA), a sede da Coordenação Regional e a CTL que atende ao médio Tapajós, sediada no mesmo local e atualmente sem coordenador, estão com apenas dois servidores na ativa.

“A Funai praticamente não existe mais. Essa reivindicação é para que a Funai continue tendo autonomia e o ministro da Justiça respeite os povos indígenas. Querem acabar com a Funai para acabar com as terras indígenas, porque este é o órgão que demarca nossas terras”, afirma Alessandra Munduruku.

Alessandra Korap Munduruku. Foto: Mídia Ninja/MNI

Há anos, os Munduruku também exigem a publicação da portaria declaratória da Terra Indígena Sawre Muybu, pela qual lutam há muitos anos. A TI Sawre Muybu é uma das cerca de 300 que aguardam, em todo o Brasil, o andamento de alguma das etapas do processo de demarcação.

Em abril do ano passado, o relatório de identificação e delimitação da TI Sawre Muybu foi publicado pela Funai e aguarda, desde então, a publicação de sua Portaria Declaratória, função do Ministério da Justiça. Sem a conclusão da demarcação, entretanto, os indígenas permanecem vulneráveis à ação de fazendeiros, madeireiros, grileiros e garimpeiros e aos mega empreendimentos governamentais – como estradas e hidrelétricas. A Funai, com um contingente mínimo, é incapaz de exercer sua função de fiscalizar as invasões à terra indígena.

“Quando o ministro da Justiça falou que terra não enche a barriga, eu pensei: será que o concreto enche a barriga dele? A terra é onde nós plantamos, onde nós colhemos, de onde tiramos nossas frutas para comer, onde caçamos. A terra enche nossa barriga sim, não só dos indígenas, mas também dos ribeirinhos e até das pessoas da cidade, que consomem o peixe e querem peixe saudável”, critica a Munduruku.

Alessandra participa da delegação de Munduruku e demais indígenas do Tapajós que estão participando do Acampamento Terra Livre (ATL), e acompanha à distância as ações de seus parentes.

“Esse encontro dos povos indígenas está sendo muito bom. A gente Munduruku não conhece os problemas que os outros parentes têm, as lutas deles, e aqui acaba sendo um momento para trocar experiências e nos fortalecer”, avalia a indígena.

Contra os “projetos de morte”

Os Munduruku também manifestam-se contra os projetos de hidrelétricas no Tapajós, chamados por eles de “projetos de morte”, e contra as tentativas do governo de fragilizar a proteção ambiental na região e de abrir as florestas das quais os povos e comunidades tradicionais do Tapajós dependem para sobreviver para a exploração privada. Órgãos ambientais do governo têm apresentado propostas de concessão das Florestas Nacionais (Flonas) de Itaituba I e II, contíguas à TI Sawre Muybu, à exploração de madeireiros. Recentemente, povos indígenas e comunidades tradicionais do Tapajós impediram uma audiência que trataria do leilão destas florestas.

Também preocupa os Munduruku a Medida Provisória (MP) 756/2016, que propõe a transformação de outra Flona da região, a do Jamanxim, que incide diretamente sobre a TI Sawre Muybu, em uma Área de Preservação Ambiental (APA).

Ao contrário das Flonas, as APAs permitem a existência de propriedades privadas em seu interior. Como a TI Sawre Muybu ainda não está demarcada, existe a possibilidade de que pessoas reivindiquem títulos sobre a terra indígena, aumentando a destruição da área e impedindo que os indígenas tenham acesso ao seu território. Na prática, a APA não protege a floresta.

Aprovada em comissão mista do Congresso, a Medida Provisória (MP) 756/2016, ainda tem que passar pelos plenários da Câmara e do Senado.

Os Munduruku afirmam que permanecerão mobilizados até que obtenham alguma resposta a respeito de suas reivindicações.

“Se eles não querem que os indígenas tranquem a BR, que nos respeitem. Que o governo demarque a Sawre Muybu e não faça mais hidrelétricas”, afirma Alessandra Munduruku.

Nesta semana, Juarez Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawre Muybu, e Arnaldo Kaba Munduruku, cacique geral dos Munduruku, estão em Nova York denunciando estas mesmas questões em espaços da Organização das Nações Unidas (ONU).

Saúde indígena na pauta do Acampamento Terra Livre

Indígena participa do grupo temático sobre saúde. Foto: Mídia Ninja / MNI

No terceiro dia da 14ª edição do Acampamento Terra Livre, as lideranças indígenas se dividiram em seis grandes grupos de trabalho temáticos. O que debateu o tema da saúde indígena foi um dos mais numerosos e movimentados. Representantes de várias regiões também contaram suas realidades locais, demandas e reivindicações.

Uwira Xakriaba, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) de Altamira, no Pará, relata que a ingerência política faz com que pessoas ocupem cargos estratégicos sem nenhum conhecimento da saúde indígena, apenas por apadrinhamento político.

“Coordenadores distritais escolhidos por deputados A ou B caem de paraquedas, não fazem seu trabalho de gestão e inviabilizam nosso trabalho de controle social. Esse é um entrave. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) precisaria ter autonomia”, reitera. “Nosso sistema devia trabalhar com prevenção e promoção da saúde, mas na verdade funciona como bombeiro apagando incêndio. Ela desarticula nossos modelos tradicionais de saúde”, afirma.

Para os participantes dos grupos, o maior desafio da política de recursos humanos da Sesai é viabilizar o apoio à capacitação dos profissionais indígenas. Eles também apontaram a necessidade de contratar e valorizar os profissionais indígenas indicados e residentes nas comunidades. Também foi colocada a importância de processos de seleção dos profissionais de forma diferenciada levando em consideração a cultura de cada povo.

Em outubro, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, tentou promover alterações no subsistema de saúde sem consultar as populações indígenas. Poucos dias após publicar as portarias 1.907/16 e 2.141/16, teve de voltar atrás e revogá-las. As medidas retiravam a autonomia administrativa e financeira da Sesai e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). A revogação ocorreu depois de um movimento nacional de resistência, com ocupação de DSEIs e rodovias.

Operação destrói acampamento Guarani e Kaiowá, e apreende duas armas de brinquedo

Terra Indígena Dourados Amambai-Peguá I.Foto: Ana Mendes/Cimi

Uma operação de guerra foi organizada, nesta terça-feira, 26, na Terra Indígena Dourados Amambai-Peguá I, do povo Guarani e Kaiowá, município de Caarapó (MS). Ao menos 200 policiais e soldados do Exército entraram na aldeia – em caminhonetes, cavalos e helicóptero – com o objetivo de recuperar produtos de roubo e furto supostamente realizados durante retomadas indígenas a três fazendas incidentes no tekoha Tey’i Kue, em 2016. O resultado foi constrangedor.

Conforme declarou à imprensa o comandante da ação, Ary Carlos Barbosa, ela “visou trazer uma maior sensação de segurança aos moradores”. O Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) não foram informadas da operação, que apresentou como saldo a apreensão de duas réplicas de arma de fogo, um estojo de munição e um coldre. Não há informações sobre a recuperação de objetos supostamente roubados. Ninguém foi preso.

Apesar do resultado ter sido desproporcional ao tamanho da operação, os Guarani e Kaiowá denunciam a completa destruição do acampamento na retomada de Tey’i Kue. De acordo com liderança indígena ouvida e que pediu para não ser identificada por razões de segurança, “os policiais quebraram barracos, reviraram pertences pessoais, destruíram material de reza”.

Na declaração sobre o saldo da operação, os policiais frisaram que viram marcas de tiros, aparentemente de calibre 12, nas portas das casas.

“Será que não sabem que pistoleiro ataca o acampamento a mando do fazendeiro? Essa operação tá mais pra uma retaliação pelo fato da gente seguir na nossa terra mesmo depois dos assassinatos, ataques e ameaças”, afirma a liderança.

Em junho de 2016, o agente de saúde Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu de Souza foi assassinado e outros nove indígenas ficaram feridos com armas de fogo durante ataque de fazendeiros e pistoleiros à Fazenda Yvu, retomada pelos Guarani Kaiowá e onde fica o tekoha Tey’i Kue. Outros episódios de ameaças, racismo e violência se seguiram ao ataque fortemente armado dos fazendeiros – um grupo chegou a ser preso, responsabilizado pela violência contra os indígenas.

O episódio ocorre durante a realização da 14º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. Mais de 3 mil indígenas, representando cerca de uma centena de povos, estão desde segunda-feira, 24/4,  reivindicando o direito à terra, a retomada das demarcações, denunciando o desmonte da Funai e o loteamento de seus cargos pelos ruralistas e contra a retirada de direitos fundamentais, caso das reformas da Previdência e Trabalhista.

Conversa com Lula: faltou autocrítica

Para Elizeu Guarani e Kaiowá, porta-voz da Aty Guasu, principal organização política do povo Guarani Kaiowá, “a operação é o resultado da falta de demarcação”. Integrante do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), Elizeu esteve reunido na noite anterior à Operação Caarapó com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, junto com uma comitiva do ATL. A reunião foi uma solicitação do Instituto Lula.

“Falei para o presidente que o governo dele foi muito ruim para os povos indígenas. O da Dilma também. Não avançou as demarcações. Agora com o Temer, é que piorou de vez, mas já vem de anos de desrespeitos aos nossos direitos. Estamos resistindo, e isso nos mantém vivos”, relata. Fome, agrotóxicos lançados nas aldeias, polícia, pistoleiros: “Essa é a realidade no Mato Grosso do Sul”.

De acordo com o indígena, Lula afirmou estar ciente do quadro, mas não se posicionou de maneira autocrítica e foi acompanhando pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que, em 2013, quando ministra da Casa Civil, afirmouo que no Paraná não havia índios e, se existissem, eram “paraguaios”. Outro fato embaraçoso é a relação de Lula com José Carlos Bumlai, que possui uma usina de cana em terras tradicionais Guarani e Kaiowá na região de Dourados.

 

Indígenas são barrados pela Polícia Militar no Senado

Grupo foi impedido de entrar em Audiência previamente marcada na Comissão de Direito Humanos

Policiais escoltaram indígenas. Foto: Mídia Ninja / MNI

Um grupo de cerca de 80 indígenas, participantes da 14ª da edição no Acampamento Terra Livre, foi impedido pela Polícia Militar de entrar no Senado. Os indígenas estavam a caminho de uma Audiência Pública prevista para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.

Os indígenas foram escoltados pela Polícia Militar na caminhada do acampamento até o Senado. As lideranças indígenas contaram que o grupo foi abordado de forma truculenta e provocado pelos policiais. Ao chegar no Senado, foi barrado por um grande contingente de policiais militares, incluindo cavalaria. O grupo de manifestantes seguiu seu caminho de forma pacífica e em nenhum momento aceitou as provocações.

Policiais escoltaram indígenas. Foto: Rogério Assis / MNI

“Tinham combinado que entrariam 80 indígenas para a Audiência marcada na Comissão de Direitos Humanos, isso foi aprovado por meio de Requerimento, estava tudo certo. No Senado tinha mais uma fileira policial que disse que só podiam entrar 20 indígenas”, afirma Sônia Gujajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Impossibilitados de entrar, os indígenas decidiram voltar para o acampamento. O retorno também foi conturbado, pois a polícia decidiu escoltar novamente o grupo. Depois da chegada dos índios, o acampamento foi cercado por vários carros da polícia.

Procurado, o secretário de Direitos Humanos do governo do Distrito Federal, Gutemberg Gomes afirmou que não há nenhuma intenção em recolher arcos e flechas dos manifestantes e que esses objetos pertencem a cultura indígena. Ele garantiu que os policiais estão no local para assegurar a segurança e a integridade da mobilização.

Policiais escoltaram indígenas. Foto: Mídia Ninja / MNI

“Eu vivi durante a ditadura e sei como eram tratados os movimentos sociais, a repressão que existia. Estão usando os mesmos métodos”, disse a Senadora Regina de Souza (PT-PI) que iria participar da reunião com as lideranças, mas foi para o lado de fora ao saber da repressão.

Líderes indígenas buscam diálogo com presidente da Câmara

Rodrigo Maia recebeu 20 líderes indígenas. Encontro durou 15 minutos. Foto: Mídia Ninja / MNI

No início da tarde de hoje (26/4), uma comitiva de 20 líderes indígenas de todo o país, que participam da 14ª edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília, encontraram-se rapidamente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O objetivo do encontro foi buscar o diálogo com a casa. Os indígenas criticaram projetos contra seus direitos em tramitação. Também cobraram o fim da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O colegiado é dominado por ruralistas e pretende impedir a oficialização de Terras Indígenas e territórios quilombolas, além de criminalizar líderes indígenas, antropólogos, organizações e militantes indigenistas.

O cacique Raoni Metuktire Kayapó afirmou que tem tido dificuldades para ser ouvido por políticos e autoridades. “Hoje, vim dialogar. Uma coisa que nunca vou aceitar, e que tenho visto nos noticiários, é que os parlamentares querem aprovar projetos que querem prejudicar nossos direitos”, alertou. Raoni cobrou a retomada das demarcações e o fortalecimento da Funai.

Maia comprometeu-se a não pautar projetos que ameaçam os direitos indígenas sem “dialogar com os indígenas”. Ele afirmou que, no caso de propostas polêmicas, buscaria evitar “afetar direitos históricos”.

“O debate será sempre democrático e aberto. Temos dialogado. Eu não vejo ambiente e preocupação para que a PEC 215 seja colocada em votação”, afirmou. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 pretende transferir do governo federal ao Congresso a última palavra sobre as demarcações indígenas, entre outros pontos. Se for aprovada, as demarcações serão paralisadas definitivamente.

Maia disse que a CPI foi finalizada e que não haverá uma nova renovação de seu prazo de funcionamento. “A CPI acabou. Não haverá outra”, afirmou. Se o colégio de líderes resolver pautar um requerimento para renovar o prazo da comissão e o plenário aprová-lo, no entanto, o presidente da Câmara não pode impedi-lo. Se não houver nova renovação de prazos, o relatório da comissão tem de ser aprovado até 23/5..

Na tarde de ontem, indígenas que protestavam foram atacados com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha ao tentar depositar quase 200 caixões no espelho de água do Congresso. Ninguém ficou ferido (saiba mais).

 

 

 

 

 

14ª edição do ATL segue hoje, com audiência no Senado e show ‘Demarcação Já’

Depois da recepção nada calorosa que os mais de três mil indígenas de todo o Brasil tiveram, ontem, em sua marcha ao Congresso, a 14ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) tem hoje (26/4) uma programação de intensa.

Lideranças indígenas foram recebidas pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia. Em pauta, os projetos que tramitam pela casa e atingem diretamente os direitos indígenas, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de Terras Indígenas (TIs).

Às 14h, acontece uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, com participação de uma comissão de representantes do ATL. À mesa, levando as reivindicações dos povos acampados em Brasília.

No fim da tarde, começa a Mostra ATL de Audiovisual. Das 18h às 21h serão exibidos filmes como o premiado documentário “Belo Monte – Depois da inundação”, de Todd Southgate. A programação cultural entra noite adentro com o show Demarcação, Já, com a participação de Lirinha, Djuena Tikuna e o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa.

Esperava-se muito da 14ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), e ela já começou superando as expectativas mais otimistas. A previsão é que fosse o maior de sua história, com a presença de cerca de dois mil indígenas de todo o país, mas o evento este ano foi muito além: são mais de 3 mil participantes acampados desde ontem em Brasília, ao lado do Teatro Nacional Claudio Santoro. O evento conta com convidados internacionais, indígenas de outros países da América do Sul e da América Central, e da Indonésia. Só do Brasil são representantes de cem povos diferentes.

Veja toda a programação do 14º ATL

Mulheres indígenas: a força do 14º Acampamento Terra Livre

Quem viu a multidão indígena tomar a Esplanada dos Ministérios, na tarde de ontem (25/4), talvez não tenha notado que quatro mulheres estavam à frente da marcha: Sonia Guajajara, Nara Baré, Angela Katxuyana e Pui Tembé.

Esta cena é apenas um reflexo da importância da luta das mulheres indígenas neste 14º Acampamento Terra Livre: estima-se que pelo menos mil mulheres estejam na mobilização. Elas se reuniram em uma grande plenária na noite desta terça-feira, para discutir a saúde da mulher indígena e a articulação nacional da luta das mulheres indígenas.

Plenária discutiu saúde indígena e conferência de mulheres indígenas. Mídia Ninja / MNI

A primeira pauta da plenária foi a proposta para 1ª Conferência Livre da Saúde das Mulheres Indígenas, antes da 2ª Conferência Nacional de Saúde, em outubro. A proposta foi preparada por 36 mulheres de todos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), está sendo discutida e será levada para as aldeias pelas participantes deste ATL.

“A saúde da mulher indígena tem deixado muito a desejar”, sintetizou Letícia Yawanawa, do Acre, pontuando problemas de saúde específicos das mulheres e lembrando da importância das parteiras indígenas e suas plantas medicinais. Dorinha Pankararu (PE) reforçou a mensagem: “Mulher tem que ficar onde ela quiser; não é só ficar fazendo comida. Queremos discutir políticas públicas voltadas para as mulheres!”.

Presença de mulheres no ATL é marcante. Foto: Mídia Ninja / MNI

Tsitsina Xavante (MT) fechou a plenária convocando as mulheres e homens presentes para uma homenagem: “Não tem como falar sobre mulheres e sobre Acampamento Terra Livre, sem falar de Rosane Kaingang”. Nos últimos quatorze anos, Rosane foi uma das grandes apoiadoras das delegações indígenas nos acampamentos em Brasília, garantindo que todos tivessem seu momento de incidência política. Este é o primeiro ATL desde seu falecimento, no ano passado.

Elas dançaram para lembrar Rosane, ao som das mulheres xinguanas, que entoaram cantos do ritual Yamiricumã, passado de mãe para filhas no Território Indígena do Xingu (MT). “Essa música é de irmã; estamos oferecendo pra essa grande guerreira”, contou uma guerreira.

Também foi apresentada na plenária a proposta de organização de uma assembleia nacional das mulheres indígenas, para dezembro deste ano.

‘Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional’

Tese que visa a restringir o direito dos indígenas à demarcação de suas terras foi um dos focos do seminário do MPF

 A oficina “Diálogos entre o Direito Constitucional, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Antropologia” aconteceu, ontem (24/4), no auditório da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Com a participação do Ministério Público Federal (MPF), lideranças indígenas, pesquisadores e entidades da sociedade civil, a atividade integra o seminário “Povos indígenas e os direitos originários”, proposta pelo MPF com apoio dada Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Instituto Socioambiental (ISA) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Evento debateu ameaças aos direitos indígenas no Judiciário. Foto: MNI

Uma das pautas em discussão foi o “marco temporal”, uma das principais ameaças aos direitos constitucionais indígenas. Esta tese jurídica propõe uma interpretação restritiva dos direitos indígenas, ao definir que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

“Nós estamos defendendo direitos que foram consagrados com o custo de vidas”, afirma Joênia Wapichana, advogada indígena que integrou uma das mesas do seminário. “Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional”, alertou.

Bandeira de grupos anti-indígenas, como a bancada ruralista, o marco temporal vem sendo utilizado como instrumento para anular a demarcação de Terras Indígenas no Poder Judiciário, especialmente a partir de decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Diversos juristas e o próprio MPF vêm se manifestando seguidamente pela inconstitucionalidade do marco temporal.

A tese do “marco temporal” foi utilizada no processo que decidiu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), em 2009. Depois disso, foi utilizada pela Segunda Turma do STF para anular a demarcação das Terras Indígenas (Tis) Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena, ambas no Mato Grosso do Sul.

“Em nenhum desses processos houve a presença das comunidades indígenas. Claramente se diz que eles não têm possibilidade de agir por si sós, estão representados pela Funai, o que mostra o quanto há de desconhecimento ou de intencionalidade da recusa dos direitos que vêm com a Constituição de 1988”, criticou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat.

O “marco temporal” também foi incorporado ao relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, aprovado na Comissão Especial da Câmara, outra das principais ameaças aos direitos indígenas no Poder Legislativo. O relator da proposta foi o então deputado e agora ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR).

Um dos principais problemas da tese é que ela desconsidera todas as expulsões e retiradas forçadas sofridas pelos povos indígenas antes e durante a Ditadura Militar e ignora o fato de que, até então, os indígenas não tinham sequer sua autonomia reconhecida pelo Estado brasileiro. O marco temporal considera que poderiam ser demarcadas terras que não estivessem sob posse dos indígenas em outubro de 1988, mas que estivessem sob disputa – física ou judicial – naquela data. A tese desconsidera que, antes da Constituição de 1988, os indígenas eram “tutelados”, o que significava, entre outras coisas, que dependiam da ação do Estado para exigir seus direitos perante à Justiça.

O risco representado pelo marco temporal é agravado pelo fato de que, até a década de 1980, muitas comunidades tinham sua identidade negada pelo Estado brasileiro, de modo que não haveria como comprovar sua posse nas áreas em questão.

“O direito dos indígenas às suas terras não pode se perder se o Estado não teve aptidão ou não soube defender esse direito indígena por todos os seus meios e modos”, criticou Deborah Duprat. “O marco de 1988 é algo que não existe no texto constitucional e não se pode inferir do texto sequer por interpretação, porque nós estamos diante de uma constituição que amplia direitos e não podemos retroceder”, concluiu.

“Precisamos dizer que é absolutamente incoerente, absolutamente incompatível com a ideia de reconhecer como originários os direitos dizer que eles desapareceram em 5 de outubro de 1988 se não estivessem os índios ali”, afirmou o subprocurador-geral da República e coordenador da Sexta Câmara do MPF, Luciano Maia.